Por: Renato Drummond Tapioca Neto
O Palácio de Buckingham confirmou que a rainha Camilla será coroada com a mesma coroa originalmente confeccionada para a rainha Mary de Teck pela Joalheria Garrard & Co., para a coroação do rei George V em 22 de junho de 1911. A peça já foi removida do seu mostruário na Torre de Londres e nas próximas semanas passará por algumas modificações para a cerimônia do rei Charles III, programada para o dia 06 de maio de 2023. Tradicionalmente, uma nova coroa sempre era confeccionada, assim que uma rainha consorte era coroada ao lado de seu marido. Tanto a rainha Alexandra (1902), quanto a rainha Mary (1911) e a rainha Elizabeth Bowes-Lyon (1937) tiveram suas próprias coroas. As três peças possuíam um design muito parecido e, não obstante, algumas pedras preciosas eram reaproveitadas de uma para a outra. Porém, foi decidido que a nova rainha Camilla usará a peça original da soberana, que é considerada por muitos como a matriarca da Casa de Windsor, fundada oficialmente em 1917 em substituição dos Saxe-Coburgo-Gota.

Coroa da rainha Mary de Teck, confeccionada em 1911 pela Garrard & Co.
A joia é composta por uma moldura de prata banhada a ouro e cravejada com 2.200 diamantes de corte brilhante e alguns de talhe rosado. Seu aro é forrado com pele de arminho e decorado com diamantes agrupados em formato de friso de quadrifólios e rosetas, emolduradas por fileiras de pedras menores. Quatro cruzes páteas podem ser vistas na base, separadas por quatro flores de lis. De cada uma dessas hastes, oito semiarcos se erguem até o topo, unidos por um orbe encimado por uma cruz. O destaque fica para as grandes pedras centrais, como o Koh-i-nûr, de corte circular (usado depois na coroa da rainha Elizabeth Bowes-Lyon); abaixo dele, no aro, o Cullinan IV; e no topo, sobre o monde, o Cullinan III (ambos lapidados a partir do mesmo diamante encontrado na África do Sul, também conhecidos como Estrelas Menores da África). Em 1911, o Daily Telegraph descreveu a peça da seguinte forma: “Não tem joias, mas diamantes, e os diamantes se agrupam como se não tivessem apoio além de sua própria luz”. Um detalhe interessante acerca da coroa é que seus arcos em formato de pergaminho podem ser removidos, ficando apenas a base com as quatro cruzes, agrupadas entres as flores de lis. Foi dessa forma que a rainha Mary voltou a usar a joia na coroação de seu filho, o rei George VI, em 1937.

Os semiarcos da peça podem ser removidos, ficando apenas a base. Abaixo, uma cena da coroação da rainha Mary, em 22 de junho de 1911.
Após a morte da rainha Mary, em 1953, os diamantes principais de sua coroa foram removidos e réplicas de cristal foram adicionadas à moldura. A partir de então, a armação e os diamantes originais remanescentes costumavam ficar em exposição na Sala do Tesouro, na Torre de Londres. A falecida rainha Elizabeth II, por sua vez, costumava usar o Cullinan III e IV em formado de broche. Mas, para a coroação da rainha Camilla, as pedras retornarão para a coroa, só que dessa vez com o Cullinan V substituindo o Koh-i-nûr. As três pedras foram lapidadas a partir do maior diamante bruto já encontrado. De acordo com o site da Royal Collection:
A pedra cheia pesava 3.106 quilates e foi descoberta na Mina Premier, perto de Pretória, em 1905. Foi nomeado em decorrência do presidente da empresa de mineração, Thomas Cullinan. Em 1907, foi dado pelo governo do Transvaal a Edward VII por seu sexagésimo sexto aniversário. No ano seguinte, foi enviado para Asschers de Amsterdã para ser cortado. Os cortes resultaram em nove pedras numeradas – conhecidas como as Estrelas da África. A maior dessas pedras, Cullinan I, foi colocada no topo do Cetro do Soberano, enquanto Cullinan II foi colocado na Coroa Imperial do Estado, embora ambas permanecessem destacáveis e fossem utilizadas ocasionalmente pela rainha Mary como um broche. A rainha Mary tinha Cullinan III, uma gota em forma de pera de 94,4 quilates, e Cullinan IV, uma pedra de corte quadrado de 63,6 quilates colocada em sua coroa, mas eles também eram destacáveis para serem usados como um broche (conhecido como o Broche de Culiana) ou ocasionalmente como um pingente para um colar.
Embora a Casa Real tenha afirmado que a utilização dos diamantes maiores seja um tributo à antiga soberana, recentemente as joias foram alvo de críticas por parte dos moradores da antiga região do Transvaal, onde a pedra em estado bruto foi encontrada. Eles alegam que o diamante fora extraído de forma imoral e que suas joias deveriam, portanto, ser repatriadas para seu local de origem. Até hoje, nenhum pedido de desculpas oficial foi emitido pela Casa Real sobre a extração de tesouros da África e da Ásia no tempo do neocolonialismo, muito menos sobre as sequelas sociais deixadas durante esse processo.

Como a nova rainha consorte, Camilla herdou uma grande quantidade de joias da sua sogra, incluindo esse conjunto de diamantes e safiras que Elizabeth II recebera de seus pais em 1947.
Enquanto isso, os preparativos para a coroação seguem a todo vapor. Qualquer dúvida a respeito da coroação conjunta de Charles e Camilla foi dissipada quando a programação para o evento foi confirmada no final de janeiro deste ano. Desde 1952, com a morte do rei George VI, que o Reino Unido não tinha uma rainha consorte. Agora, uma mulher divorciada, alvo de misoginia e que muitos duvidaram que um dia ocuparia o lugar de soberanas como Alexandra da Dinamarca, Mary de Teck e Elizabeth Bowes-Lyon se torna a mulher mais importante no Reino Unido. Sendo assim, não foi à toa que o rei Charles III escolheu a coroa de sua bisavó para ser usada pela esposa. Afinal, a peça de valor histórico imprescindível será novamente vista na cabeça de uma rainha consorte, desde que a esposa do rei George V a usou pela primeira vez em 1911. A joia já foi retirada do seu mostruário na Torre e atualmente passa por algumas reformas, que devem incluir a remoção de quatro de seus oito semiarcos, para deixá-la com um design mais parecido com a Coroa Imperial de Estado, que será usada pelo rei Charles. Cada arco possui seis brilhantes graduados, entre bordas de pedras preciosas.

Camilla usando a Delhi Durbar Tiara, confeccionada para a rainha Mary em 1911.
Com efeito, essa não foi a primeira vez que Camilla usou joias que pertenceram à rainha Mary de Teck. Em seu primeiro compromisso oficial como esposa do então príncipe Charles, durante o Banquete de Estado oferecido no Palácio de Buckingham em 2005, ela usou a belíssima Delhi Durbar Tiara. A joia foi confeccionada em 1911 pela Garrard & Co., por ocasião da coroação do rei George V como Imperador da Índia no dia 12 de dezembro do mesmo ano. Os padrões em arabescos são cravejados com vários diamantes, incrustados numa base de ouro branco e platina. Originalmente, 10 esmeraldas cortadas em formato de gota figuravam no topo da joia, para combinar com o colar que a rainha Mary usava. Posteriormente, as esmeraldas foram removidas e a soberana continuou a fazer algumas alterações na peça, removendo também seu arco superior. Em 1947, ela foi presenteada à Elizabeth, a rainha-mãe, que a usou durante a turnê da família real pela África do Sul. A peça passou da esposa do rei George VI para sua filha, a rainha Elizabeth II. Em fevereiro de 2022, a falecida monarca expressara por escrito o desejo de que, quando seu tempo nesta terra chegar ao fim e Charles fosse coroado rei, que Camilla recebesse o tratamento e o título de rainha consorte. Que seja feita então a sua vontade!
Fontes:
Royal Collection Trust. Queen Mary’s Crown 1911 – Acesso em 20 de fevereiro de 2023.
Royal UK. Queen Mary’s Crown is removed from display at the Tower of London ahead of the Coronation. – Acesso em 20 de fevereiro de 2023.