40 anos sem Grace Kelly: a morte da princesa que transformou a história de Mônaco!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Há 40 anos, em 14 de setembro de 1982, os aparelhos que mantinham o coração e os pulmões de Grace Patrícia Kelly eram desligados. A esposa do príncipe Rainier III havia sofrido uma hemorragia cerebral, seguido de um traumatismo craniano, durante um trágico acidente automobilístico pelas estradas sinuosas e escarpadas que levavam ao Palácio. No dia seguinte, os jornais do mundo inteiro davam uma notícia que ninguém queria acreditar: Sua Alteza Sereníssima, Grace de Mônaco, morreu aos 52 anos! Afinal, como aquela bela atriz, que protagonizara no imaginário coletivo o ideal dos contos de fadas, podia ter um fim tão horrível? Da Filadélfia, onde ela nasceu, cruzando o Oceano Atlântico até a região costeira da França, o sentimento era de um só: tristeza! Meses antes, Grace comparecera a vários recitais de poesia e eventos beneficentes, sempre com um sorriso no rosto e esbanjando a leveza de espírito que eram sua marca registrada. No final do verão, ela havia se retirado para a propriedade da família Grimaldi em Roc Angel, onde permaneceu na companhia de seus filhos mais jovens, Albert e Stéphanie. Tudo parecia bem, exceto pelas dores constantes de cabeça que a princesa vinha sofrendo de tempos em tempos. Mal suspeitavam de que aqueles sintomas eram um indício de algo muito mais grave!

Anos antes de sua morte, quando questionada como gostaria de ser lembrada pela posteridade, Grace respondeu: “como um ser humano decente e solícito, que tentou ajudar ao próximo”.

Naquele verão, Grace estava particularmente preocupada com os rumores envolvendo o nome de sua filha, Stéphanie, e seus supostos romances com rapazes de comportamento duvidoso. A princesa estava especialmente aborrecida com o fato de a filha mais jovem desistir de cursar a faculdade de Alta Costura na França para viajar até uma estação de esqui na companhia do namorado. Quando chegou a Roc Angel, Stéphanie estava com alguns pontos em um corte na testa, por causa de uma queda. Mãe e filha tiveram algum desentendimento em decorrência dos últimos eventos, mas a princesa não passava de uma jovem de 17 anos, vivendo seu momento. A própria Grace havia concedido a essa filha “maluquinha” (como costumava dizer), a liberdade que ela nunca tivera na casa de seus pais, nos Estado Unidos. Quando o dia 13 amanheceu, a mãe deu uma abraço em seu filho, Albert, que ainda estava bastante sonolento na cama de seu quarto e em seguida começou a encher seu Rover 3500 marrom esverdeado, de 15 anos, com bastante bagagem. O porta-malas foi preenchido com caixas e mais caixas de chapéus e sobre o banco traseiro foram estendidos vestidos que ela acabara de receber da costureira. Quando terminou a tarefa, notou que sobrara apenas o banco do motorista e o do carona vazios.

Assim que percebeu que havia espaço para apenas duas pessoas no carro, Grace avisou ao motorista da família, Christian Silvestari, de que ela mesma iria dirigir o automóvel. A atitude da princesa preocupou bastante o chofer, uma vez que fazia anos que ela não dirigia, desde que batera seu carro no final da década de 1970 na Place d’Armes, na França. Seus filhos sempre zombaram de suas péssimas habilidades ao volante, dizendo que a mãe conduzia o automóvel a passo de tartaruga. “Não dá para ir mais rápido?”, brincavam eles. Mas, depois do acidente anterior, que causara apenas danos superficiais na lataria de um carro dirigido por um italiano, ela decidira nunca mais voltar a conduzir outro veículo. Sendo assim, a preocupação de Silvestari era válida. Grace era míope, dirigia muito devagar, não praticava suas habilidades automobilísticas há anos e estava prestes a tomar uma estrada com mais de 50 curvas, algumas com avisos de perigo de deslizamento. Levando isso em consideração, o chofer tentou convencê-la a permitir que ele assumisse o volante: “Não há necessidade. É só deixar os vestidos aqui por enquanto. Primeiro eu levo a princesa e, depois, volto para apanhar todos eles”. Ao ouvir isso, Grace simplesmente respondeu: “Não. Por favor, não se preocupe, eu vou dirigir”. E assim ela partiu com Stéphanie às 9h30.

Imagem do Rover 3500 dirigido por Grace, após aqueda. Arquivo da Polícia Francesa.

Como era seu costume, Grace pilotava vagarosamente, sendo seguida por um caminhoneiro com anos de experiência, chamado Yves Raimondo. De repente, ele percebeu que o veículo à sua frente começara a fazer manobras arriscadas, ziguezagueando pela estrada em um trecho bastante perigoso e batendo de raspão na montanha rochosa no lado oposto da pista. Àquela altura, ele não tinha a mínima noção de se o motorista era homem ou mulher, muito menos de que era a princesa de Mônaco. Ele então tocou a buzina, para que o condutor do veículo à frente prestasse mais atenção. O Rover então se endireitou e começou a descer a rodovia, mas, em vez de diminuir a marcha quando apareceu uma curva fechada, o automóvel aumentou sua velocidade. “A curva chegou”, disse ele mais tarde. “Eu não vi o carro diminuir a marcha… as luzes do freio não ascenderam… ele nem sequer tentou virar e tive a impressão de que ele aumentava a velocidade…”. O carro então se chocou contra a barreira de proteção, deslizando por ela. Instantes depois, segundo Yves Raimondo, “desapareceu no abismo”. O que aconteceu com Grace enquanto dirigia o veículo já foi alvo de muita especulação na época e até hoje gera debates entre aqueles que acreditam em teorias da conspiração.

Alguns jornais sensacionalistas disseram que Stéphanie era quem estava no volante, enquanto outros afirmavam que Grace teria sido vítima da máfia italiana ou francesa, por combater a corrupção naquele paraíso fiscal que Mônaco havia se transformado antes de sua chegada, em 1956. Os fatos, comprovados pelo laudo da perícia, atestam que o carro não só funcionava perfeitamente, como Grace o conduzia sem o uso do cinto de segurança. Tampouco sua filha Stéphanie o usava no momento da queda. Durante uma parte do trajeto, a princesa teve uma perda súbita de consciência. O laudo da tomografia comprovou que nesse momento ela sofreu um primeiro derrame, que a deixou desacordada por alguns segundos. Quando recuperou os sentidos ao ouvir os sons estrondosos da buzina do caminhão logo atrás, dirigido por Raimondo, ela tentou pisar no pedal do freio, ou naquilo que ela acreditava que fosse o freio. Na verdade, Grace havia pisado em cheio no acelerador, talvez ainda sem o controle total do movimento das pernas. Quando ela e Stéphanie tentaram acionar o freio de mão, já era tarde demais. O carro capotou montanha abaixo, rolando por mais de 37 metros e colidindo em direção às árvores. Eram 10h05 da manhã.

Funeral da princesa Grace, na Catedral de Mônaco!

Por muitos anos, Stéphanie não soubera lidar com o trauma que se seguira ao acidente, principalmente por causa das acusações da mídia, que a responsabilizava pela morte de Grace. Ela teve que fazer acompanhamento psicológico e desde então nunca mais voltou a passar pelo trecho onde o carro de sua mãe despencou. Quando se recordou dos trágicos eventos daquele dia, ela disse que havia conseguido sair do veículo pelo lado do passageiro:

Eu me vi encolhida no vão do porta-luvas. Perdi a consciência quando caímos. Lembro da batida na árvore e, depois, de acordar e ver fumaça saindo do carro. Pensei que tudo fosse explodir. Eu sabia que tinha de sair e tirar minha mãe de lá, então forcei a porta com minhas pernas. Não foi difícil, porque a porta já estava aberta.

Quando finalmente conseguiu sair do carro, cheia de lesões pelo corpo e com o corte da testa novamente aberto, Stéphanie avistou um casal de fazendeiros locais e gritou por socorro: “Por favor, preciso de ajuda, ligue para o Palácio… eu sou a princesa Stéphanie, ligue para meu pai”. Os ouvintes, já bastante idosos, tiveram dificuldade de entender a princípio o que ela queria dizer, mas logo ficou claro. Ela era filha do príncipe Rainier III e sua mãe, a princesa Grace, encontrava-se em estado grave, presa nas ferragens retorcidas do automóvel.

Minutos depois, duas ambulâncias chegaram ao local. O vidro traseiro do carro teve que ser quebrado e o corpo da princesa puxado pelo fundo. Ela foi imediatamente levada para o hospital que leva seu nome e foi atendida pelo médico forense Charles Chatelin, cirurgião-chefe do local. Após avaliar o estado de Grace e ver como ela reagia aos estímulos, Chatelin percebeu que suas respostas eram ínfimas. Usando um feixe de luz, ele examinou suas pupilas. Uma delas se dilatou e depois contraiu normalmente, mas a outra não. Isso indicava que ela havia sofrido uma lesão cerebral. Seu quadril, costelas e perna também tinham sido fraturados e havia cortes por todo seu rosto. Foi preciso submetê-la a uma cirurgia torácica para estancar o sangramento interno e assim não comprometer o funcionamento dos pulmões e do coração. Depois disso, aparelhos artificiais foram instalados para manter os órgãos trabalhando. Infelizmente, o Hospital Grace de Mônaco não dispunha de equipamento para fazer uma tomografia computadorizada. A paciente teve que ser levada em uma maca para a clínica mais próxima, que dispunha da aparelhagem. Ali, ela foi atendida pelo médico Duplay, que descobriu que a princesa havia sofrido lesões em duas partes do cérebro.

O Príncipe Rainier III, completamente desolado, lidera o cortejo fúnebre da princesa Grace, com quem foi caso por 26 anos e teve três filhos.

Através das imagens da tomografia, ficou comprovado que uma das lesões ocorrera enquanto Grace ainda dirigia, razão pela qual ela se queixou a Stéphanie de sofrer uma dor aguda na cabeça enquanto dirigia. Naquele momento, quando teve uma perda súbita de consciência, ela havia sofrido um derrame. A outra lesão, muito mais profunda, era de caráter “traumático”, possivelmente provocada pelo impacto da queda. Caso a princesa tivesse sofrido o primeiro derrame em casa, possivelmente teria perdido a consciência por alguns instantes e depois a recobrado. Mais tarde, conjecturou-se que, se Grace tivesse recebido atendimento médico dentro do prazo de 15 minutos depois do acidente, ela teria sobrevivido, embora uma parte de seu corpo permaneceria paralisada para sempre. De volta ao Hospital com a paciente, o médico Chatelin teve uma conversa com a família da princesa. O príncipe Rainier III e seus filhos Albert e Caroline já estavam à espera dele. Quanto a Stéphanie, tivera uma clavícula lesionada e seu pescoço teve que ser imobilizado. Seus danos não eram tão graves, mas ela precisaria ficar acamada pelas próximas duas semanas até que fosse autorizada a retornar para casa, razão pela qual não pôde comparecer ao funeral da mãe.

Na sequência dos acontecimentos, Chatelin foi em direção ao príncipe Rainier e explicou para ele, de forma muito profissional e com a maior calma que conseguiu reunir, que nada mais podia ser feito pela princesa. Sua vida estava intrinsecamente ligada aos aparelhos artificiais que mantinham seu coração e pulmão funcionando. Em outras palavras, Grace havia sofrido uma morte cerebral. “Tivemos uma longa conversa”, disse Rainier tempos depois. “Ele [o médico] era um homem muito bom e muito compreensivo. Explicou a inutilidade de manter ligado o equipamento de suporte à vida. Mostrou as tomografias e nos ajudou a compreender de uma forma muito clara que os aparelhos deviam ser desligados”. Em seguida, o príncipe de Mônaco e seus dois filhos se reuniram para tomar a difícil decisão. “Do ponto de vista racional, era uma decisão óbvia. Não havia razão para mantê-la vivendo por meio de máquinas”, disse ele. Assim, Rainier, Caroline e Albert aceitaram o veredito do médico. Eles entraram no quarto de Grace para lhe dizer um último adeus, deixando-a em seguida aos cuidados da equipe do hospital. Eram 22h15 da noite do dia 14 de setembro quando o sistema de suporte à vida que mantinha o coração da princesa batendo foi desligado. Sua Alteza Sereníssima partia para a imortalidade aos 52 anos de vida!

Diana, princesa de Gales, fotografada na saída do serviço fúnebre da princesa Grace, ocorrido na Catedral de Mônaco em 18 de setembro de 1982.

A morte da princesa Grace causou uma comoção internacional. Durante os 26 anos em que fora casada com o príncipe Rainier III, ela havia trazido ao principado de Mônaco mais do que respeitabilidade. Seu patrocínio às artes, á manufatura e cultura locais, sua campanha em defesa das pessoas em situação de carência, lutando por melhoria nas suas condições de vida e saúde, havia remodelado a identidade daquele pequeno Estado. Enquanto viva, Grace fora uma modelo para muitas outras princesas, como a jovem Diana Spencer, que ela conhecera um ano antes na Inglaterra. As duas esperavam se ver na semana seguinte à do acidente, em um recital de poesia que Grace faria no castelo de Windsor. A notícia da morte da princesa de Mônaco deixou a princesa de Gales transtornada. Embora o Palácio de Buckingham não achasse uma boa ideia ela comparecer ao funeral representando a Coroa Britânica, não apenas devido à sua inexperiência em tais eventos, como também pelo seu estado de saúde, uma vez que ela havia dado à luz ao seu primeiro filho com o príncipe Charles semanas antes, Diana foi mais incisiva que os ternos cinza e conseguiu viajar. Ela estava em Mônaco, ao lado da rainha Sofia da Espanha e da Primeira-Dama dos Estados Unidos, Nancy Reagan, para prestar suas últimas homenagens à princesa Grace.

Numa dessas raras ironias do destino, a própria princesa de Gales, 15 anos depois, também morreria em decorrência de um acidente automobilístico. Assim como Grace, Diana também não usava cinto de segurança na ocasião. Mas, no sábado, dia 18 de setembro, ela estava transtornada quando o corpo da amiga fora transladado da capela do Palácio para a Catedral de Mônaco, onde ocorreu o serviço fúnebre. O caixão da princesa permaneceu aberto durante todo o cerimonial. Seus hematomas haviam sido escondidos com maquiagem e uma peruca loira fora colocada para esconder os ferimentos em sua cabeça. De todas as imagens daquele dia, a mais triste sem dúvidas foi a do príncipe Rainier, em lágrimas e completamente desolado, enquanto liderava o cortejo funerário. “Papai foi maravilhoso”, lembrou-se Caroline. “Ele era forte e corajoso. Ele foi incrível. Foi uma lição vê-lo lidar com tudo isso”. O velório da princesa fora televisionado para nada menos que 100 milhões de pessoas em todo mundo. Amigos de seus tempos de Hollywood, como Cary Grant, com quem Grace protagonizou o filme Ladrão de Casaca, também estavam presentes. Finalmente, numa terça-feira, dia 21, o corpo foi enterrado no jazigo da família Grimaldi. Sobre sua lápide, a inscrição em latim: “Grace Patrícia, esposa do Príncipe Rainier III, falecida no ano do Senhor, 1992”.

Túmulo da Princesa Grace na cripta dos Grimaldi. É raro vê-lo sem flores.

Hoje em dia, é raro encontrar o túmulo de Grace Kelly sem flores. Pessoas de todo mundo, que apreciaram o talento da atriz e passaram a amar a humanidade da princesa, prestam seus tributos à memória de alguém que soube imprimir com elegância e sensibilidade sua marca na história. É muito difícil lembrarmos das princesas de Mônaco que a antecederam em seu posto, assim como das que vieram depois. Mas todos se recordam de Grace Kelly. Não à toa, várias garotas em todo o planeta recebem seu nome no registro de nascimento. Passados 40 anos desde a sua trágica morte, Grace ainda é uma fonte de inspiração. Mesmo nos momentos mais difíceis, quando tinha que lidar com o temperamento explosivo do marido, com a intrepidez dos filhos ou com o desprezo de outras famílias reais da Europa devido às suas origens burguesas, ela se manteve calma e constante. O fato de ainda se falar tanto dela significa que sua trajetória transcendeu ao mero conto da princesa de Hollywood que se tornou Alteza Sereníssima. Ela continua sendo admirada como ícone de moda e beleza, tendo seu estilo reinventado por milhares de pessoas. Anos antes de sua morte, quando questionada como gostaria de ser lembrada pela posteridade, Grace respondeu: “como um ser humano decente e solícito, que tentou ajudar ao próximo”.

Referências Bibliográficas:

LACEY, Robet. Grace. Tradução de Alda Porto. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.

ROBINSON, Jeffrey. Grace: a princesa de Mônaco. Tradução de Rosemarie Ziegelmaier. São Paulo: LeYa, 2014.

SPADA, James. Grace Kelly: as vidas secretas da princesa. Tradução de Silvano Cavalcanti. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 1987.

SPOTO, Donald. Grace Kelly: a vida da princesa de Hollywood. Tradução de Frederico Rimoli e Marilú Reis. São Paulo: Prata Editora, 2013.

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