Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Em 1856, a rainha Vitória sancionava o assentamento da Ilha Norfolk. Para comemorar a ocasião, ela ordenou ao gravador real, Benjamin Wyon, a confecção de um Grande Selo com um brasão, para ser entregue aos ilhéus como símbolo de sua soberania. Infelizmente, na sexta-feira, dia 02 de setembro de 2022, quando o contêiner no qual o objeto ficava armazenado em segurança dentro do Museu local foi aberto, a caixa se encontrava vazia. O Grande Selo havia sido roubado! A evidência causou consternação na comunidade local e, principalmente, entre os membros do Norfolk Island Museum Trust, uma vez que o artefato representava um símbolo nacional daquele território insular, localizado no Pacífico Sul entre a Austrália e a Nova Zelândia. As autoridades acreditam que o furto pode ter sido parte de um plano arquitetado por grupos de resistência às recentes medidas do governo australiano, tendo como pano de fundo um contexto marcado por disputas territoriais.
Confeccionado em prata esterlina e marfim, o selo havia sido retirado de seu local seguro para uma exposição pública no ano de 2019. Recentemente, ele foi removido de seu invólucro outra vez, para fins de inspeção e conservação, após um pedido feito por um dos membros da comunidade. A presidente do Norfolk Island Museum Trust, Rhonda Griffiths, disse que, nos dias que se seguiram ao assalto, suas emoções “passaram de choque, horror e náusea para indignação”. Afinal, antes da rainha Vitória garantir o estabelecimento do território em 1856 (ocasião em que ordenou a criação do Grande Selo), a Ilha não passava de um lugar para o qual prisioneiros exilados eram enviados. Este local de degredo foi então transformado em um Estado autônomo e entregue aos habitantes das ilhas Pitcairn (descendentes dos amotinados do HMS Bounty). Ali, eles desenvolveram uma cultura e idioma próprios, sobrevivendo dessa forma por quase 170 anos.

O Grande Selo da Ilha Norfolk em seu estojo. A peça foi roubada no dia 02 de setembro de 2022.
Consternada, Griffiths disse: “Este é um objeto tangível que nos reconhece como independentes e representa tudo em que acreditamos”. Outro morador da Ilha, membro do Conselho de Anciãos (que consegue traçar sua linhagem até os primeiros habitantes da Ilha, quando ela ainda era uma colônia penal), falou que “existe pouca herança que a comunidade realmente possui”, ressaltando o caráter perturbador que o roubo do Grande Selo causou entre a população local. No ano de 2015, o governo australiano (localizado a 1.900 km de distância), abolira a Assembleia da Ilha, que, desde então, passou a estar submetida às leis de Nova Gales do Sul. Em 2021, a Austrália também dissolveu o Conselho Regional da Ilha Norfolk, nomeando um administrador estrangeiro para assumir as funções de gestor pelos próximos três anos.
A despeito dessas violações do governo australiano à soberania do território insular, Rhonda Griffiths acredita que o roubo do Selo foi feito por um dos cerca de 2.200 habitantes da Ilha: “Além de nossas instituições políticas, tivemos nossos arquivos e nossos registros de saúde todos levados na calada da noite, sem saber para onde foram”, disse ela. “Acho que foi isso que motivou esse roubo – temos que assumir que pode ter sido um ilhéu fazendo uma declaração política”. Enquanto Griffiths disse que ficou “tão frustrada quanto qualquer nativo” com a situação política, ela afirmou que “estava desnorteada” com o roubo. O empresário local Brett Sanderson, natural da Ilha Norfolk e descendente de seus primeiros habitantes, é um dos que manifestaram mais descontentamento com o desaparecimento da peça. Ele descreveu a atitude como “desprezível” e exigiu das autoridades que algo fosse feito no sentido de recuperar este símbolo nacional.

A rainha Vitória deu o Grande Selo como presente ao povo da Ilha Norfolk em 1856.
Por outro lado, Sanderson ficou ainda mais indignado com as recentes humilhações infligidas pelo governo australiano, como a perda da autonomia local das escolas, museus e demais instituições. “É perturbador”, disse ele sobre o roubo do Grande Selo. “Mas o que é mais perturbador é o roubo dos museus – eles pertencem ao povo da Ilha Norfolk”. O Museu, por sua vez, é administrado pelo Departamento de Infraestrutura da Austrália. “Mas muitas das peças [de sua coleção] vieram de Pitcairn, quando nossos ancestrais se mudaram para cá em 1856”, disse Sanderson. “Então, quem é o dono desses itens agora, se o departamento assumiu os museus?” De sua parte, os atuais responsáveis pela Instituição disseram que o Grande Selo era “uma parte importante da identidade e da história da comunidade da Ilha Norfolk”.
“Embora o selo imperial não tenha uso legal ou oficial, o design do artefato é frequentemente usado como emblema da Ilha Norfolk”, disse um porta-voz do departamento. Ele também afirmou que todos os procedimentos de segurança estão sendo feitos no sentido de proteger a coleção do Museu e para tentar recuperar a peça de valor histórico. A Polícia Federal Australiana, que está investigando o caso, não quis dar maiores detalhes sobre quais punições o autor ou autora do crime receberia, caso fosse capturado/a. Rhonda Griffiths, por sua vez, revelou que tudo o que ela mais deseja é ter o Grande Selo de volta ao seu local de armazenamento. “Não me importo com quem está, apenas me ligue e eu vou buscá-lo em qualquer lugar”, disse ela. “Você já deixou claro seu ponto de vista. Agora devolva!”.
Fonte: The Guardian – Acesso em 6 de setembro de 2022.