Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Em 4 de setembro de 1870, quando a Europa era sacudida pela guerra franco-prussiana, chegava ao fim o segundo império francês, com a derrocada de Napoleão III, capturado pelas tropas inimigas. A partir dentão, a França nunca mais teria outro soberano, tampouco uma imperatriz consorte. A última mulher a ocupar esse posto foi a espanhola Eugénia de Montijo, filha de Cipriano de Palafox y Portocarrero, VIII conde de Montijo, com Maria Manuela Kirkpatrick. De todas as mulheres que deixaram sua marca no século XIX, Eugénia certamente merece um lugar de honra. Ao lado da imperatriz Elisabeth da Áustria e da rainha Vitória, ela definiu o tom de uma Era, cujo modus vivendi foi copiado em todas as partes do Ocidente, inclusive no Brasil de D. Pedro II. Infelizmente, após a queda do império e a proclamação da Terceira República Francesa, Eugénia passou seus dias no exílio em Inglaterra, enlutada pela morte do marido em 1873 e depois pela do único filho, Napoleão Eugênio, em 1879. Apesar disso, ela não perdeu seu caráter enigmático e a capacidade de se fazer agradável onde quer que estivesse. Passado um século desde sua morte, em 11 de julho de 1920, o Palácio de Liria, na Espanha, recebe uma exposição inteiramente dedicada à esposa de Napoleão III.

Carlos Fitz-James Stuart, atual duque de Alba, posa com sua ancestral María Francisca de Sales Portocarrero e sua irmã, a Imperatriz Eugénia e Montijo, retratada por Federico Madrazo, no Salão de Baile do Palácio de Liria.

Retrato da imperatriz Eugénia de Montijo, pintado em 1862 por Franz Xaver Winterhalter.
Atualmente, a Fundação Casa de Alba, chefiada por Carlos Fitz-James Stuart, atual duque de Alba, possuí uma vasta coleção relativa à última imperatriz dos Franceses. Ela contempla tanto retratos, quanto cartas pessoais trocadas pela soberana com parentes e chefes de Estado, além de objetos de uso pessoal. O acervo reúne cerca de 80 peças, que estarão expostas para apreciação do público até o dia 30 de dezembro de 2021. Através de uma visita guiada, disponível em inglês, espanhol e francês, o visitante poderá conhecer um pouco mais sobre a vida dessa mulher notável, que chegou a ser regente em nome do marido durante as campanhas militares de Napoleão III. Casados no ano de 1853, Eugénia era admirada como ícone da moda e uma das mais belas soberanas de seu tempo. Musa de artistas talentosos, como o célebre Franz Xaver Winterhalter, sua formosa fachada escondia uma pessoa de admirável astúcia e habilidade, com um senso político apurado e grande erudição. Entre seu rol de amizades, encontrava-se o famoso historiador e novelista Prosper Mérimée, autor de Carmen e outras histórias. Mérimée manteve um vínculo amistoso com os condes de Montijo e de Teba, a partir da década de 1830.

Leque confeccionado em madrepérola, com o retrato de Eugénia entre a letra “N” e o numeral “III”, de Napoleão III.

Álvaro Romero, diretor cultural da Fundação Casa de Alba, posando ao lado do retrato que o pintor Joaquín Sorolla fez do rei Alfonso XIII
Como Eugénia morreu em 1920 sem filhos, quase todos os seus bens passaram para seus sobrinhos, filhos de sua irmã Dona Maria Francisca de Sales Portocarrero y Kirkpatrick, XV duquesa de Alba. Foi na residência de seu sobrinho-neto, o duque de Alba e Liria, em Madrid, que Eugénia veio a falecer aos 94 anos, debaixo do céu de sua “adorada Espanha”. Na qualidade de imperatriz consorte dos franceses, entre 1853 e 1870, ela tentou melhorar a situação das mulheres do país, facilitando-lhes o acesso ao Serviço Público, à educação e à justiça social. Por sua influência, o trabalho compulsório foi extinto e os tratamentos severos aplicados aos prisioneiros nos cárceres se tornou menos brutal. Através dos trabalhos de filantropia, ela usou seus privilégios em prol dos menos favorecidos, fundando em 1862 a Sociedade do Príncipe Imperial, que concedia créditos à classe trabalhadora. Por outro lado, Eugénia também foi uma mulher apaixonada por belos vestidos e joias, usando a moda como uma ferramenta de expressão política, da mesma forma como haviam feito Maria Antonieta e Joséphine de Beauharnais antes dela. A soberana se tornou patrona da indústria têxtil na França e do estilista Charles Fréderic Worth, considerado o pai da alta-costura e responsável pelos mais belos trajes usados pela imperatriz e por Elisabeth da Áustria.

Busto Imperatriz Eugénia, esculpido por Alexander Lequien, em que se destacam os detalhes da moda da época.

Foto da Imperatriz Eugénia de Montijo com o Dr. Barraquer, que a operou de catarata pouco antes de sua morte, no Palácio de Liria.
Com efeito, seu estilo e gosto requintado fizeram com que ela se tornasse uma referência no mundo da moda. Quando da primeira visita de Eugénia e Napoleão III à Inglaterra, em 1855, os modos e hábitos da imperatriz chamaram muitíssimo a atenção da corte em Windsor, especialmente da rainha Vitória e sua filha primogênita, a princesa real. Ao longo dos anos seguintes, Eugénia e Vitória mantiveram laços de grande estima e amizade, sendo a rainha um dos principais esteios da imperatriz após a derrocada do império francês e depois das mortes de Napoleão III e Napoleão Eugênio. Nunca deixou de tratá-la como Majestade Imperial e costumava lhe fazer visitas regulares na casa onde ela vivia, em Chislehurst (Kent). Em seguida, a ex-imperatriz se mudou para Farnborough Hill, uma Instituição Católica no Reino Unido. No entanto, Eugénia desenvolveu o costume de viajar pelo continente e além sempre que possível, fazendo visitas frequentes aos sobrinhos nos palácios de Las Dueñas, em Sevilha, e Liria, em Madrid. Uma de suas digressões mais perigosas foi para a África no Sul, para rezar no exato lugar onde seu filho, o príncipe imperial, havia sido assassinado por uma horda de zulus.

Eugénia foi pintada pelos maiores artistas do período, como Franz Xazer Winterhalter, cujo retrato aparece ao fundo do salão.

Biblioteca do Palácio de Liria, onde se encontram algumas das cartas de Eugénia de Montijo.
Devido aos novos protocolos de saúde, em decorrência da pandemia do novo coronavírus, o Palácio de Liria fez várias adaptações para receber os visitantes que queiram prestigiar a exposição dedicada à última imperatriz dos franceses, assim como apreciar os outros itens da valiosa coleção da Casa de Alba. O acervo da Fundação é um dos mais importantes da Europa e contempla uma galeria com mais de 400 obras de arte, além de tapeçarias, peças decorativas e uma vasta compilação de documentos, que perfazem cerca de 18.000 volumes. Assim sendo, Eugénia merece ser lembrada como uma das mais importantes influencers do século XIX. Ela não só definiu o espírito de uma época, como também foi parte atuante de seus principais acontecimentos políticos. A soberana apoiou as pesquisa de Louis Pasteur e organizou diversas amostras científicas na França. Em sua homenagem, um asteroide no arquipélago no mar do Japão foi batizado de Eugénia e o Palais Royal foi reformado por seu marido em forma de “E”. Não obstante, Eugénia foi uma árdua defensora do direito ao voto feminino, apoiando movimento das sufragistas na Inglaterra. Hoje, o Palácio de Liria redescobre essa personalidade fascinante, que deixou uma marca indelével na História.
Fontes:
Cope Espanha – Acesso em 23 de agosto de 2021
Diario de Sevilla – Acesso em 23 de agosto de 2021
Revista de Arte – Acesso em 23 de agosto de 2021