Das mãos à criação: a beleza das esculturas e o realismo na representação das formas – Parte I

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

A escultura é uma das expressões mais sublimes do gênero artístico. Desde as antigas civilizações, os seres humanos sentiram a necessidade de representar divindades e a si mesmos através de materiais como pedra, bronze, madeira e/ou argila. Com o passar dos séculos, as técnicas de entalhamento e modelagem foram se aperfeiçoando, diante da necessidade do artista frente à sua época. Nossa cultura herdou muito da ideia de beleza associada à harmonização das formas, presente no pensamento da Idade Clássica. Nomes como Michelangelo, Bernini, Lombardi e Strazza se tornaram sinônimo de realismo e perfeição. Ao lado de outros artistas, eles criaram verdadeiras obras-primas do gênero, que continuam encantando gerações não só pela delicadeza da mensagem gravada sobre a pedra, mas principalmente pelo modo como eles conseguiram capturar a concretude das formas do corpo humano e seus sentimentos. Assim, eles tiveram êxito ao transpor ideias e crenças individuais ou coletivas para o plano das coisas tangíveis. Muito mais do que meras representações inanimadas, o trabalho desses artistas contam uma deliciosa narrativa. Nessa matéria, selecionamos algumas das mais belas esculturas já produzidas pela sensibilidade artística do ser humano.

Detalhe do busto esculpido em mármore de Lúcio Vero (130-169), co-imperador romano ente os anos 161 a 169 d.C., juntamente com Marco Aurélio. Atualmente na coleção do Metropolitan Museum of Art, a obra chama atenção pelo impecável efeito dos pelos da barba e dos cachos de cabelos do co-imperador, que teria morrido por envenenamento em 169 d.C., aos 38 anos de idade.

A “Pietà” é uma das mais belas criações do artista renascentista Michelangelo Buonarroti. Finalizada em 1499, a escultura hoje se encontra em exposição na Basílica de São Pedro, cidade do Vaticano. Esculpida em mármore de Carrara, a obra retrata a virgem Maria com o corpo de Jesus Cristo em seu colo. Curiosamente, foi a única obra assinada pelo artista, entre tantas outras de sua composição. O nome MICHAELA[N]GELUS BONAROTUS aparece entalhado na faixa transversal ao busto de Nossa Senhora. Infelizmente, a estátua sofreu alguns danos ao longo de sua história: em 1736, quatro dedos de sua mão esquerda foram quebrados durante o traslado da peça e depois restaurados por Giuseppe Lirioni. Mas o estrago pior veio em 1972, quando o geólogo australiano Laszlo Toth, num acesso de insanidade, quebrou o braço de Maria, seu nariz e uma de suas pálpebras com 15 golpes de martelo. Pedaços da Pietà se espalharam por todo lugar e foram surrupiados por turistas, enquanto Toth era detido. Algumas partes da escultura foram recuperadas, mas outras não. Após o atentado, a obra foi cuidadosamente restaurada e seus danos ficaram quase imperceptíveis a olho nu. Atualmente, ela se encontra protegida em uma redoma de acrílico à prova de balas.

Uma das mais sublimes expressões da arte renascentista, “David”, de Michelangelo, é possivelmente a obra mais aclamada de seu autor. Esculpida em mármore entre os anos de 1501 a 1504, a escultura mede 5,17m de comprimento e prima pela riqueza de detalhes. A anatomia do corpo foi tão bem representada pelo cinzel do artista, que é possível identificar até mesmo as veias e tendões da mão de David. Atualmente, a peça se encontra em exposição na Galleria dell’Accademia, em Florença, na Itália.

Uma das principais expressões da escultura renascentista, “Moisés”, de Michelangelo, ainda tem o poder de impressionar as modernas gerações. Concluída em 1545, a obra chama atenção pela polêmica dos chifres (ocasionada por um erro de interpretação da Vulgata), mas principalmente por seu extremado realismo e estudo da anatomia do corpo humano. Os músculos do braço foram executados com tal maestria, seus nervos e tendões tão bem esculpidos, que o observador quase pode deixar de observar um detalhe a princípio singelo, mas que denota a inteligência do artista. No antebraço de Moisés, nota-se em evidência o músculo extensor do dedo mínimo, que se contrai apenas quando levantamos o dedo mindinho, como faz a estátua. Incrível, não acham? Atualmente, “Moisés” se encontra em exposição na Basílica de São Pedro Acorrentado.

Estátua de São Bartolomeu, esculpida por Marco d’Agrate em 1562. Atualmente exposta no Duomo de Milão, a obra expressa o suplício do mártir cristão, que foi esfolado vivo, de uma forma chocante. São Bartolomeu se encobre com o manto de sua própria pele dissecada, deixando músculos, ossos e articulações à vista do observador.

A “Hermafrodita Adormecida” é uma obra que remonta à Roma Antiga, cujo colchão foi entalhado pelo jovem escultor Gian Lorenzo Bernini, quando ele tinha apenas 20 anos, em 1619, a pedido do Cardeal Borghese para servir de amparo à primeira escultura. O realismo do colchão em que a modelo repousa seu sono tranquilo é o detalhe mais impressionante da peça, esculpida em mármore de Carrara e medindo 1,69 mts.

“Apolo e Dafne”, obra esculpida entre 1622 e 1625 pelo mestre do barroco italiano, Gian Lorenzo Bernini, em conjunto com seus discípulos. O trabalho retrata o exato momento em que a ninfa, perseguida pelo deus do sol e das artes, é transformada em árvore por seu pai, o deus-rio Peneu, impedindo assim que ela seja capturada. A escultura foi feita sobre o mármore em tamanho natural, sendo a última de uma série de obras encomendadas pelo cardeal Scipione Caffarelli-Borghese durante o início da carreira de Bernini. Ao longo dos séculos, o trabalho foi muito elogiado por críticos, encantados pela técnica aplicada na pele de Dafne, que aos poucos vai se transformando em casca de árvore. Atualmente, se encontra em exposição na Galleria Borghese, em Roma.

Detalhe da escultura “o rapto de proserpina”, feita em mármore pelo renomado artista italiano Gian Lorenzo Bernini, entre 1621 e 1622. Atualmente exposta na Galleria Borghese (Roma, Itália), a obra retrata com um realismo impressionante o momento em que a deusa Proserpina (uma das mais belas da mitologia romana) é sequestrada pelo deus Plutão.

Busto de Luís XIV, o “Rei Sol”, feito em 1665 pelo famoso escultor italiano Gian Lorenzo Bernini. Uma das partes que mais chama atenção na obra é a gola de rendas do monarca, executada pelo artista em seus mínimos detalhes. Bernini trabalhou o mármore de uma forma impressionante e delicada, nos dando a impressão de um tecido com padrões florais em alto relevo. Atualmente, o busto está em exibição nos apartamentos do rei, no Palácio de Versalhes.

A “Dama Velata”, busto esculpido em mármore pelo artista italiano Antonio Corradini, em 1722. Conhecido por sua habilidade em reproduzir a delicadeza do tecido sobre formas sólidas, Corradini esculpiu a imagem de uma mulher contrita, que esconde seu rosto pesaroso por trás de um véu translúcido. Ao observador, fica a impressão de que podemos antever as nuances completas de suas feições por baixo do manto diáfano que as encobre. Um detalhe especial fica para o realismo do cordão que mantém atada a chemise ao seio da dama. Atualmente, a peça se encontra em exposição no Museo del Settecento Veneziano, em Veneza.

O “Cristo Velato”, escultura do artista Giuseppe Sanmartino, executada em 1753. O artista trabalhou o mármore de forma impressionante, dando-nos a impressão de uma gaze diáfana cobrindo perfeitamente o rosto de pedra de Jesus Cristo. A impressão é de como se olhássemos através do véu para a dor da vítima. O escultor Antonio Canova chegou a declarar que abriria mão de 10 anos de sua vida só para produzir uma obra-prima como a de Sanmartino! Atualmente, está em exposição na Cappella Sansevero, em Nápoles.

“La Pudicizia”, escultura em mármore do artista italiano Antonio Corradini, concluída em 1752. Também conhecida como Verdade Velada, a obra é uma expressão do estilo Rococó e apresenta um nu feminino trabalhado com a técnica do véu diáfano, que transparece os seios e as formas arrendodadas do corpo da mulher. O jogo de contrastes é representado pela mistura de sensualidade e castidade. Atualmente, a obra se encontra exposta na Cappella Sansevero, em Nápoles.

“Il Disinganno” (A desilusão), é uma obra-prima do artista genovês Francesco Queirolo. A peça, inteiramente esculpida em mármore entre os anos de 1752 e 1759, retrata um indivíduo prestes a se libertar de uma rede entalhada na própria pedra. A escultura “descreve um homem que foi libertado do pecado, representado pela rede na qual o artista genovês colocou toda a sua extraordinária habilidade”, conforme se pode ler na descrição da estátua, exposta na Capela Sansevero, localizada no centro histórico de Nápoles. Em seu livro “Istoria dello Studio di Napoli” (1753-54), Giangiuseppe Origlia define o trabalho do escultor como “o último e mais tentador teste a que a escultura em mármore pode aspirar”.

Lenço rendado em mármore, esculpido com maestria por Louis-Philippe Mouchy no ano de 1781, para a estátua póstuma do duque de Montausier, Charles de Sainte-Maure. O nobre foi um dos tutores do Grande Delfim da França, Louis, filho e herdeiro do Rei Sol, Luís XIV. A obra hoje se encontra em exposição no Museu do Louvre.

“Paulo e Virgínia”, escultura do artista italiano Alessandro Putinati, concluída em 1844. Retrata os personagens do romance homônimo escrito por Bernardin de Saint-Pierre, em 1787. A obra conta a narrativa das duas crianças que viviam na Ilha Maurício, membros de famílias diferentes, embora criadas como irmão e irmã. Com o tempo, o sentimento entre os dois se desenvolve para um amor-paixão, causando assim preocupação na mãe de Virgínia, que a manda embora para a França. A escultura de Putinati captura o momento em que Paulo, emocionado, declara seu amor à jovem. Anos depois, Virgínia resolve regressar à Ilha, mas o navio que a transportava naufraga contra as rochas, bem diante dos olhos incrédulos de Paulo. Consumido pela dor, o rapaz morre de tristeza. Atualmente, a escultura se encontra em uma coleção particular.

Busto da rainha Isabel II da Espanha, esculpido sobre mármore de Carrara por Camillo Torreggiani, em 1855. O especialista em retratos em bustos queria romper totalmente com a tradição oficial, imprimindo a face da soberana em pedra com este espetacular efeito técnico. O rosto de Isabel parece encoberto for um tecido diáfano, que lembra as imagens das famosas damas veladas produzidas no período. Torreggiani também esculpiu o pedestal sobre o qual repousa o busto (assinado e datado).

Detalhe da escultura “Ugolino e seus filhos”, do artista francês Jean-Baptiste Carpeaux. Feita durante a década de 1860, a obra retrata o personagem dantesco Ugolino, que foi mandado acorrentado para o Inferno, onde passaria fome eternamente. A agonia dos seus filhos é expressada pela forma desesperada como um deles se agarra às coxas de mármore do pai. A técnica aplicada sobre a pedra é impressionante e nos dá a sensação de um braço musculoso e cheio de veias salientes, apertando a carne da perna de Ugolino.

“A virgem Velada” é uma das expressões mais significativas da técnica do véu esculpido em pedra. Feito em mármore de Carrara pelo artista italiano Giovanni Strazza no ano de 1860, o busto da virgem Maria transparece para o observador um sentimento de luto e pesar. Seus contornos por baixo do manto diáfano são representados de forma extremamente realista. Com os olhos fechados e a cabeça inclinada para baixo, a figura parece estar orando pacificamente, em meio à sua dor.

Estátua conjunta da rainha Vitória e do príncipe Albert, esculpida em mármore de Carrara por William Theed após a morte do marido da soberana, em 1861. Durante seu longo luto, Vitória não mediu esforços para eternizar a memória de seu amor por Albert, gravando-a sobre pedra, nas telas e em páginas de livros. O príncipe, vestido como um anglo-saxão, está de pé, com o braço direito levantado e o indicador apontando para cima, numa posição quase paternal, enquanto a rainha é mostrada usando uma coroa sobre um véu curto. Ela está de pé ao lado do marido, olhando-o apaixonadamente, com o braço direito apoiado em seu ombro e a mão esquerda entrelaçada à do príncipe consorte

“Nymph”, escultura de Giovanni Battista Lombardi, concluída em 1864. Reparem só no efeito que o escultor conseguiu reproduzir no pé da estátua. Parece que a água está realmente passando pelos dedos de mármore da ninfa.

“A dama velada”, busto esculpido em 1869 pelo artista italiano Giovanni Battista Lombardi. Famoso por suas esculturas de apelo romântico e sentimental, Lombardi aplicou uma técnica no mármore que nos dá a impressão de um fino véu cobrindo o rosto entristecido da dama. Se olharmos apressadamente, temos a impressão de que o nó abaixo do queixo foi feito com tecido de verdade. A gaze diáfana deixa transparecer sua expressão melancólica, revelando seu busto desnudo por baixo. Até mesmo a renda do véu foi feita pelo escultor, aumentando ainda mais o realismo desta obra-prima.

Tecido de mármore, esculpido com maestria entre 1858 e 1869 pelo americano William Wetmore Story, para a estátua de Cleópatra. O artista conseguiu transpor para a pedra toda a leveza e fluidez do tecido, manifestada pelas dobras do vestido da última rainha do Egito, delineando o formato de suas pernas. Cleópatra é representada com o seio desnudo, segundo a crença de que ela teria se suicidado com a mordida de uma serpente venenosa na região de seu busto.

“O Vento do Oeste”, escultura de Thomas Ridgeway Gould, feita em 1870. O mármore foi trabalhado pelo artista de forma a parecer um vestido de musselina translúcido soprado contra o corpo de sílfide da ninfa, delineando suas formas por baixo do tecido diáfano.

Incrível trabalho da conceituada escultora da Academia de Artes da China, Luo Li Rong. Conhecida por suas esculturas de figuras femininas, Rong utiliza materiais como argila, madeira, cera e pedras para criar estátuas de um realismo surpreendente. Na imagem em destaque, a modelo parece adquirir vida própria enquanto caminha contra o vento, que sopra um fino véu contra seu corpo, delineando suas formas.

Escultura feita pela artista chinesa Luo Li Rong, usando materiais como argila, madeira, cera e pedras. Famosa por suas figuras femininas, Rong cria modelos extremamente realistas, como se estivessem posando para as lentes de um fotógrafo. Na imagem em destaque, a roupa da estátua (que parece estar sendo soprada pelo vento) foi pintada para passar ao observador uma ideia de transparência.

Incrível escultura da artista chinesa, Luo Li Rong. Conhecida por seus trabalhos modelados em argila, madeira, cera e pedras, Rong cria figuras femininas com um realismo exímio. Suas modelos parecem estar em movimento, enquanto temos a impressão de que os finos tecidos que cobrem seus corpos estão prestes a seguir o curso do vento. Conforme podemos observar na imagem em destaque, o véu diáfano sobre o corpo parcialmente desnudo da estátua adere à sua pele de uma forma magnífica, como se fosse uma onda do mar.

“Ballerina” (2011), escultura feita em mármore e bronze pelo artista irlandês Kevin Francis Gray. O escultor é famoso por suas obras idealizadas, cobertas com tecido no estilo das esculturas neoclássicas ou barrocas. Mas, em vez de representações de divindades e figuras mitológicas, Kevin cria representações anônimas de indivíduos comuns, que ele encontra perto de seu estúdio em Londres. Muitos de seus modelos são pessoas que lutam contra o vício ou outras questões difíceis do mundo real. A tarefa do artista, portanto, é capturar sua dor e petrifica-la, conforme podemos sentir na imagem em destaque.

Obs. Não possuímos quaisquer direitos sobre as fotos das esculturas postadas nessa matéria. Contudo, as montagens e as legendas são de inteira reponsabilidade do autor. Elas foram postadas originalmente na página do Rainhas Trágicas no Facebook. Em caso de reprodução total ou parcial desse conteúdo, por gentileza, acrescente as devidas referências.

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Saiba mais:

Colossal – Acesso em 23 de maio de 2021

Tendencee – Acesso em 23 de maio de 2021

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