Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Lady Diana Spencer entrou para os anais da história com o título de princesa do povo! Ao longo das duas últimas décadas do século XX, ela se dedicou a diversas causas em prol daqueles menos favorecidos (ou excluídos) pelo establishment. Enquanto membro da família real, batalhou contra uma série de traumas pessoais: depressão pós-parto, bulimia, assédio da imprensa e problemas no seu casamento. A combinação desses fatores trouxe Diana para mais perto de pessoas que passavam por situações análogas, demonstrando nesse percurso uma imensa capacidade de se relacionar com os indivíduos, independentemente de sua classe social. A princesa visitava constantemente asilos para idosos, hospitais para tratamento de soldados feridos e de crianças portadoras de câncer, abrigos de sem-teto, creches e escolas localizadas em bairros pobres de periferia. Meses antes de morrer, ela havia abraçado uma campanha contra as minas terrestres em Angola, arriscando sua vida ao atravessar um campo minado para chamar a atenção dos políticos para aquela grave realidade, que custou a existência de milhares. Contudo, foi sua participação na defesa pela humanização do tratamento com pacientes aidéticos e portadores de HIV que tornou seu trabalho de filantropia tão famoso.

A princesa Diana aperta a mão de um paciente com HIV, no hospital de Middlesex, em 1987.
Nas últimas décadas do século XX, principalmente nos anos 80, o discurso hegemônico e patriarcal considerava a epidemia de Aids como “a peste gay”, atribuindo sua causa à comunidade que mais sofria suas consequências morais e físicas, em decorrência do preconceito da sociedade e das unidades de saúde. Algumas celebridades, a exemplo de Elizabeth Taylor, assumiram publicamente seu apoio ao tratamento humanizado dos pacientes contaminados pelo vírus, especialmente os homossexuais. A intolerância dos meios de comunicação, inclusive no Brasil, era algo latente. Segundo João Silvério Trevisan:
De fato, o terrorismo instaurado pelos empresários morais difundiu a aids como a peste gay, ao estabelecer metáforas entre a prática homossexual e a doença letal. Daí, bastou um passo para associar a homossexualidade como o mal. E isso de fato ocorreu. A constatação de que o vírus da aids se disseminou de início com tanta força entre os haitianos podia ser explicada, segundo uma teoria anunciada pela revista Planeta, na década de 1980, pelo fato de que o Haiti seria – com suas práticas mágicas de vodu – “um portão natural através do qual essa força [maligna] teria entrado no mundo”. Por que o vírus se disseminou também entre os homossexuais? Porque, tanto quanto nas magias dos haitianos, haveria nos homossexuais a “tendência […] de invocar as forças do mal”. Estar possuído por um espírito vodu, como diz o artigo, “não é tão diferente de estar possuído pelo tipo de lascívia que compele alguém a entrar numa sauna gay e ter dúzias de encontros sexuais em uma única noite” (TREVISAN, 2018, p. 402).
A homofobia de jornais e revistas reforçava a crença popular de que a comunidade gay era diretamente responsável pela pandemia. Condenavam-na como suja, enquanto as práticas heterossexuais eram sempre vistas como sadias. Entretanto, ignorava-se o fato de que muitos pais de família também levavam o vírus para suas esposas, denunciando assim o aspecto desviante de suas condutas conjugais. Com efeito, vários amigos da princesa Diana, artistas, bailarinos, fotógrafos e escritores foram afetados direta ou indiretamente pela pandemia. Esse fato, aliado à sua empatia para com o próximo, abriu os olhos dela para o trauma global. Na opinião da escritora feminista Beatrix Campbell, Diana era mais “humanitária que aristocrática, uma característica com a qual o público se identificava completamente” (apud BROWN, 2007, p. 242). Em novembro de 1989, por exemplo, ela ignorou os protocolos de saúde e apertou as mãos de dezenas de leprosos em Jacarta, na Indonésia, sob um calor de 39°C. Conforme reportou uma matéria no jornal Sunday Mirror, publicada no dia 5 do mesmo mês: “Diante do horror da lepra, [Diana] estendeu a mão de menina e não mostrou hesitação alguma ao segurar os dedos curvos e nodosos dos pacientes, tocar as ataduras ensanguentadas de um velho e acariciar o braço de uma mulher” (apud BROWN, 2007, p. 242).
A princesa Diana tinha muitos amigos gays. Ela adorava sua leveza e, principalmente, sua resistência a fazer julgamentos sobre o próximo. Ao lado deles, ela se sentia mais livre para ser quem gostaria. Porém, em abril de 1987, ficou muito nervosa quando foi convidada para a inauguração da primeira enfermaria dedicada ao tratamento da Aids no hospital de Middlesex, no Reino Unido. Deixando de lado as advertências da equipe que a acompanhava, Diana foi recebida na ala hospitalar por um grupo de enfermeiros e médicos a quem cumprimentou vigorosamente. Sem luvas, ela apertou as mãos de 12 pacientes masculinos contaminados pelo vírus. Devido ao estigma da doença, a atitude da princesa causou um enorme impacto global. Tão grande era o preconceito, que apenas um dos pacientes concordou em ser fotografado, de costas, apertando a mão descalça da futura rainha da Inglaterra. No dia seguinte, milhares de jornais pelo mundo divulgaram a notícia da visita da princesa, com a mencionada foto estampada na primeira página. Richard Kay, do Daily Mail, escreveu que “quase se sentia o tabu sendo quebrado. Considero-me uma pessoa de mente aberta, razoavelmente liberal, mesmo assim fiquei muito impressionado” (apud BROWN, 2007, p. 243).

Diana aperta a mão de um paciente com HIV, em sua visita a um hospital no Canadá.
A Coroa esperava da princesa de Gales que ela fosse uma mulher que se dedicasse apenas a roupas e a obedecer ao marido. A recusa dela em assumir o papel de “anjo do lar” deixou muitos membros do Palácio descontentes. No final dos anos 1980, ela vinha passando por uma série de problemas com sua autoestima, provocados pelo colapso de seu casamento. Sendo assim, resolveu mergulhar de cabeça na campanha da Aids, como uma forma de se ajudar e ajudar ao próximo, empregando nisso toda sua empatia. Para o médico Michael Adler, que foi testemunha da visita de Diana ao hospital de Middlesex, o apoio dela foi de suma importância para a diminuição do preconceito com relação à Aids. Antes do envolvimento da princesa, ele relembra: “as pessoas não gostavam da atmosfera, achavam que era doença de gays, envolvendo sexo e todas as coisas que não temos muita habilidade para tratar, mas Diana na verdade abriu o caminho. Deu-lhe respeitabilidade e um perfil” (apud BROWN, 2007, p. 243). Adler então convidou a princesa para ser patrona do National Aids Trust, organização da qual o médico era presidente. Dois anos depois, em 1989, ela foi a um hospital no Harlem, em Nova York, e abraçou carinhosamente um menino de 7 anos internado com HIV positivo.
A princesa Diana adorava visitar centros de tratamento para doentes, abraçando a todos indiscriminadamente. Durante sua viagem ao Brasil, em abril de 1991, ela aproveitou a oportunidade para conhecer a Associação para Crianças Carentes de São Martinho, na Lapa, onde abraçou diversos meninos e meninas. Em São Paulo, chamou mais uma vez a atenção do mundo para a importância da humanização da Aids, ao ser fotografada pegando no colo um bebê soropositivo. Na imagem, Diana olha sorrindo para a criança, que lhe devolve o sorriso e brinca com seu colar. Esse talvez seja o registro mais bonito por ocasião de sua passagem pelo país. De volta ao Reino Unido, ela foi novamente à clínica de Middlesex, dessa vez na companhia da primeira-dama dos Estados Unidos, a Sra. Bush, no mês de julho. Com uma irresistível combinação de charme, humor e senso humanitário, a princesa não conseguia ficar sem confortar pessoalmente qualquer interno que estivesse chorando. No seu depoimento para o jornalista Andrew Morton, ela se recordou:
Um homem que estava muito doente começou a chorar quando sentei em sua cama e segurou minha mão, e pensei: “Diana, faça, simplesmente faça”. Dei-lhe um forte abraço e foi tão tocante porque ele se agarrou a mim e chorou. Foi maravilhoso! Aquilo o fez sorrir e isso é bom. […] Do outro lado da sala, um homem muito jovem, que só posso descrever como lindo, deitado na cama, me disse que morreria perto do natal e seu namorado, um homem que estava sentando em uma cadeira, muito mais velhos que ele, chorava muito. Então estendi a mão para ele e disse: “Não é nada fácil, tudo isso. Você tem muita raiva dentro de você, não tem?” Ele respondeu: “Sim. Por que ele e não eu?”. “Não é extraordinário que, aonde quer que eu vá, são sempre pessoas como você, sentadas em uma cadeira, que precisam passar por um tormento tão grande, enquanto aqueles que aceitam a própria morte ficam calmos?”. Ele retrucou: “Eu não sabia que isso acontecia.”. “Pois acontece, você não é o único. É maravilhoso que você esteja bem junto dele. Você aprenderá muito observando seu amigo.”. Ele chorava muito e agarrou minha mão, e me senti muito confortável naquele lugar. Simplesmente odiei ter de ir embora (apud MORTON, 2013, p.74).
A capacidade de levar para longe a tristeza dos ambientes e trazer consigo o sorriso e a alegria era outra das capacidades curativas da princesa de Gales. Em agosto de 1991, ela perdeu seu primeiro amigo para a Aids, Adrian Ward-Jackson, de 41 anos. Quando foi informada de que ele estava morrendo, Diana dirigiu 965 quilômetros de Balmoral, na Escócia, até Londres, apenas para estar ao lado de seu leito quando ele desse o último suspiro. Na pressa, a princesa se esqueceu de cumprir o protocolo e pedir permissão da rainha Elizabeth II para partir. Isso deixou alguns membros da realeza ultrajados. Dizem que a rainha-mãe, Elizabeth Bowes-Lyon, resmungou: “Por que ela não se dedica a coisas menos tristes?”.

Diana abraçando um bebê soropositivo em São Paulo, Brasil.
Para os críticos, toda essa demonstração pública de afeto para com pacientes HIV positivos e aidéticos era puro teatro de Diana, forjado para aumentar sua popularidade. O fato de estar sempre cercada de tantas câmeras durante suas visitas a hospitais dava suporte a esse tipo de argumento. Porém, muitas de suas idas a centros de tratamento para doenças eram feitas de forma sigilosa. Embora suas ações possam parecer controversas para alguns, ninguém pode negar a sinceridade das reações da princesa. Com tão pouca satisfação em sua vida pessoal, ela se dedicou à causa da humanização do tratamento da Aids como se estivesse em uma cruzada. Conforme enfatiza Andrew Morton:
Seu envolvimento nos cuidados com as vítimas da Aids inicialmente foi alvo de hostilidade, traduzida de forma regular em cartas anônimas, mas era parte de seu desejo ajudar as vítimas esquecidas pela sociedade. Seu trabalho com leprosos, viciados em drogas, desabrigados e crianças vítimas de abusos sexuais a mantinha em contato com problemas e questões que não tinham uma solução fácil. Como disse sua amiga Angela Serota: “Ela passou a se preocupar com a Aids porque constatou que nada se fazia para ajudar esse grupo de pessoas. É um erro pensar que ela só estava interessada na Aids e na questão da Aids. Diana se preocupa com os doentes e as doenças” (MORTON, 2013, p. 207).
Não obstante, quando os filhos da princesa alcançaram certa idade, ela começou a levá-los em suas visitas a hospitais e abrigos, para lhes apresentar a realidade do mundo fora dos portões dourados do Palácio. Seu amigo Ken Wharfe se recorda sobre uma dessas ocasiões: “A caminho, no carro, ela fazia para eles [William e Harry] um bom resumo dos fatos essenciais. Dizia: ‘Eles são seres humanos como nós. Têm direito a roupas e a um lugar aquecido. É obrigação do serviço social do governo?” (apud BROWN, 2007, p. 245). Esses momentos íntimos, longe do assédio da imprensa, lançam um clarão sobre o caráter e as boas intenções da princesa de Gales. Ela tinha plena consciência de que estava educando um futuro rei e desejava que William quebrasse o gelo que existia nas relações entre a Coroa e os súditos estigmatizados como outsiders. De muitas formas, ela trouxe seu coração e com ele mais humanidade para a austeridade vitoriana dos Windsor. A ânsia de Diana por ajudar ao próximo, seja com uma palavra ou um gesto de carinho, era sua verdadeira essência e inspiração para todas as pessoas que viam nela uma pessoa com quem podiam se identificar. Nas palavras do designer Jasper Conran: “Era simplesmente uma mulher muito bondosa, atenciosa e generosa, que se viu numa posição incrível e tentou fazer o melhor”.
Referências Bibliográficas:
BROWN, Tina. Diana: crônicas íntimas. Tradução de Iva Sofia Gonçalves e Maria Inês Duque Estrada. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007.
KELLEY, Kitty. Os Windsor: radiografia da família real britânica. Tradução de Lina Marques et. al. Sintra, Portugal: Editorial Inquérito, 1997.
MORTON, Andrew: Diana – sua verdadeira história em suas próprias palavras. Tradução de A. B. Pinheiros de Lemos e Lourdes Sette. 2ª ed. Rio de Janeiro: Best Seller, 2013.
TREVISAN, João Silvério. Devassos do paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade. 4ª ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2018.
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