Olímpia de Épiro: a poderosa rainha da Macedônia que forjou Alexandre, o Grande – Parte I

Por: Renato Drummond T. Neto

Um dos maiores generais da antiguidade clássica, Alexandre Magno (mais conhecido nos livros de História pelo epíteto de “o Grande”) deveu muito de sua formação como soberano ao pai, o rei Felipe II, e principalmente à sua mãe, a rainha Olímpia de Épiro. Com Felipe, Alexandre aprendeu o gosto pela arte da guerra, mas foi com Olímpia que ele adquiriu não apenas o amor pelo conhecimento, mas também seu caráter, força e, como certa vez foi dito, “sua sede por sangue”. Descrita como “arrogante, teimosa e intrometida”, a rainha foi a mente por trás da ascensão de seu filho ao trono da Macedônia. Ela também pode ser considerada a primeira mulher na história da península grega a participar ativamente dos eventos políticos. Embora tenha obtido uma influência considerável no reinado de Alexandre, as narrativas históricas não a retrataram com muita condescendência. A maior parte das fontes que contam sua vida foram escritas muitos anos após sua morte, por homens que não viam com bons olhos uma representante do sexo feminino no espaço público, especialmente uma soberana que exerceu o poder. Em vez de uma persona intrépida, Olímpia passou para os anais da história como assassina e vingativa. Os fatos, porém, apontam para uma segunda interpretação.

Perfil em baixo-relevo da rainha Olímpia, presente no palácio imperial de Pavlovsk, perto de São Petersburgo, na Rússia.

Filha do rei Neoptólemo de Molóssia (um reino que ficava a sudoeste da Macedônia, na região de Épiro), Olímpia (cujo nome de nascimento era Myrtle), veio ao mundo por volta da década de 370 a.C. Seus antepassados, conhecidos como Aeacidae, afirmavam ser descendentes direitos de Aquiles – famoso herói grego, protagonista da Ilíada –, através de seu filho, Neoptolemo. A infância de Olímpia teve como pano de fundo as montanhas verdejantes do Épiro, com seu famoso teatro dedicado a Zeus, em Dodona. Com efeito, a maior divindade do panteão clássico greco-romano tinha um papel muito importante na vida religiosa local, cujo culto envolvia também a participação de mulheres. Após a morte prematura de seus pais, a jovem ficou sob tutela do tio, Arybbas, que se tornou o novo soberano e organizou uma aliança matrimonial entre sua sobrinha e o rei Felipe II da Macedônia. A união com os macedônios, por sua vez, era de suma necessidade para proteger as fronteiras do reino de Molóssia contra os ilírios, um povo de origem indo-europeia que ameaçava a segurança local. Assim, o rei Arybbas e Olímpia viajaram até a distante ilha de Samotrácia (na costa da Macedônia), para arranjar o noivado da princesa de 18 anos com Felipe.

Tendo se tornado rei da Macedônia em 359 a.C., Felipe II tinha aproximadamente 23 anos quando conheceu sua futura esposa. Como os ilírios haviam assassinado seu irmão, Pérdicas III, ao lado de outros 4000 soldados macedônios, então uma aliança com os molossianos, cimentada pelo casamento dinástico, poderia unificar os reinos do norte contra o inimigo em comum. Assim, em 357 a.C., Olímpia chegou a Pella (principal residência de Felipe), onde se casou com o soberano, tornando-se sua sexta esposa. Os reis macedônios eram notadamente polígamos e usavam o matrimônio como uma forma de fortificar suas defesas e expandir seus territórios. No ano seguinte, a nova rainha deu à luz um menino, nomeado de Alexandre Magno. Pouco tempo depois, nasceu Cleópatra (nome muito popular entre a elite local, que significa “fama do pai”). Embora Felipe II já fosse pai de um filho com outra de suas esposas, conhecido como Filipe III Arideu, a criança possivelmente era portadora de problemas mentais, o que fez de Alexandre seu presuntivo herdeiro. Graças a essa posição, Olímpia se tornou a mais prestigiada entre as rainhas de Felipe, assim como uma árdua defensora dos direitos sucessórios de seu filho.

Conforme dito anteriormente, a maioria dos registros históricos remanescentes sobre a mãe de Alexandre, o Grande, foram escritos por homens, muitos séculos depois de sua morte. Em I d.C., o historiador grego Plutarco a descreve como uma mulher movida por suas paixões, em contraste com seu filho, que sabia controlar seus instintos. Na opinião da socióloga Martha Robles, em sua obra Mulheres, Mitos e Deusas:

Mulher excepcional, Olímpia foi e continua sendo o que se chama personalidade. Para ela eram muito pequenas as tarefas de tecer, reproduzir-se, manter o lar e se ocupar das intrigas entre rivais e possíveis pretendentes ao trono. Não obstante ser a sexta de uma longa lista de esposas e concubinas de Felipe, fez valer seus direitos reais por meio do assassinato de seus inimigos ou engendrando no coração de Alexandre um profundo desprezo pelos caprichos do monarca, mediante a escusa de que o rei Felipe pretendia fazer seu meio-irmão Arideu seu sucessor no trono da Macedônia. Surgiu a suspeita de que foi por meio de suas atividades perversas com ervas e feitiçaria que Arideu, filho de uma bailarina estrangeira e primogênito de Felipe, perdeu o vigor e o controle de suas faculdades até ficar reduzido a um pobre infeliz sem vontade própria que, aos olhos de todos, era totalmente inadequado para assumir o governo (ROBLES, 2019, p. 149).

Conforme esclarece Robles, Olímpia era conhecida como uma sibila, mulher com poderes proféticos associados à feitiçaria. Era também uma adoradora do deus Dioniso, de quem se acreditava tanto descendente quanto mensageira. Não obstante, o culto à divindade do vinho e das festas geralmente envolvia a presença de serpentes, algo que irritava bastante os macedônios e tornava a soberana uma figura temida. Quando a rainha Olímpia falava, seu tom de voz geralmente se elevava acima do de reis e generais, sem jamais deixar se intimidar pela presença de homens ou sacerdotes que pudessem lhe desautorizar por causa de seu sexo.

Afresco italiano do século XVI, retratando o sonho da rainha Olímpia, em que ela é fecundada por Zeus. Por Giulio Romano, Palazzo Tè, Mantova, Itália.

A vida de Olímpia permanece cercada por relatos de mistério e magia. Segundo os historiadores gregos, sua noite de nupciais com Felipe II foi marcada por muitos presságios. Em seu livro Vidas Paralelas, Plutarco escreve que um dia antes de ser levada ao leito do marido, a rainha teve um sonho no qual seu ventre era atingido por um raio após o barulho estrondoso de um trovão, fazendo com que ela e todo o ambiente explodissem em chamas. Na mesma noite, Felipe também teria sonhado que pressionava um selo contendo o emblema de um leão contra o útero de sua esposa. Assim surgiram as narrativas de que Alexandre seria na verdade filho de Zeus, algo que foi endossado pelo próprio soberano como forma de transcender a grandeza de seus antepassados e se igualar aos semideuses. Sua mãe sempre lhe ensinou suas crenças, especialmente na mitologia propalada pelas obras de Homero. Segundo os relatos, Olímpia, que afirmava ser descendente de Aquiles, teria lhe contado sobre seu sonho com o raio logo após a morte de Felipe II. Para confirmar a história da mãe, Alexandre atravessou o deserto da Líbia e invadiu o Egito com suas tropas. Ali, ele visitou o oráculo de Ammon-Zeus, no longínquo oásis de Siwa, onde um sacerdote confirmou sua origem divina.

Desde o nascimento do filho, o principal objetivo de Olímpia foi o tornar rei. Como Felipe II estava constantemente fora em campanha militar, ela assumiu maior responsabilidade na criação de seu filho. Muitos membros de sua família no reino de Molóssia chegaram à corte em Pella, incluindo o irmão, também chamado Alexandre. Em 343 a.C., possivelmente por influência da esposa, Felipe destronou Arybbas e o forçou ao exílio. Em seu lugar, colocou o cunhado como rei do Épiro. Isso pode ser um indicativo do poder que Olímpia passou a desfrutar na Macedônia, embora seu casamento tenha sido marcado por conflitos internos que estremeceram até mesmo a relação do rei com seu filho. A rainha ensinou o jovem Alexandre a repudiar o comportamento paterno, talhando-o para que fosse o oposto de seu progenitor. Mas, a despeito dessas disputas, isso não impediu que um certo afeto se desenvolvesse entre os dois. Felipe escolheu o notório filósofo grego, Aristóteles, como tutor do príncipe. Quando Alexandre completou 16 anos, seu pai lhe deixou como regente da Macedônia, enquanto estava em combate. Dois anos depois, em 338 a.C., Felipe o escolheu para desempenhar um papel importante na batalha pela cidade de Queroneia. A partir de então, o soberano passou a ter domínio completo na Grécia.

Perfil da rainha Olímpia.

Todavia, o prestígio de Olímpia e seu filho foi minado pelo sétimo matrimônio de Felipe II, desta vez com uma macedônia de sangue puro, Cleópatra Eurydice. Dessa forma, qualquer criança nascida dessa união faria de Alexandre um príncipe de sangue mestiço. Segundo o relato de Plutarco, durante as festividades que se seguiram à cerimônia de casamento, o tio e protetor da noiva, Átalo, brindou à saúde de sua sobrinha e aos seus “filhos legítimos” com Felipe. Enfurecido com a colocação, Alexandre atirou contra ele um cálice de vinho, questionando-lhe se estaria o chamando de bastardo. O rei, que assistia a toda essa cena, desembainhou a espada contra o filho pelo insulto proferido ao seu novo parente, mas tropeçou embriagado. Alexandre teria zombado da situação vergonhosa do pai, dizendo: “Este é o homem que vai cruzar da Europa para a Ásia, e nem consegue chegar de um banco até o outro!”. Insultado, Felipe baniu seu filho para Molóssia juntamente com sua mãe. Exilada em seu reino natal, Olímpia tramou sua vingança contra o marido por quase dois anos, até que foi chamada de volta por ocasião do casamento de sua filha, Cleópatra, com o próprio tio, Alexandre de Épiro.

Com efeito, aquela união incestuosa tinha por objetivo tranquilizar os molossos e juntar os dois reinos numa invasão contra a Pérsia. Para tanto, organizou-se uma grande festa para celebrar a reconciliação entre as famílias e a campanha militar que estava por vir. Durante a cerimônia, foi feita uma procissão contendo as imagens dos 12 principais deuses do panteão olímpico, seguida por uma do próprio Felipe. No segundo dia de celebrações, o rei foi assassinado ao entrar no teatro antes dos jogos, por um de seus guarda-costas, Pausânias de Oretes. Muitos interpretaram a morte do soberano como uma punição divina para sua imodéstia descabida. Outros argumentaram que a verdadeira artífice do regicídio foi ninguém menos que a própria rainha Olímpia, agindo para proteger a reivindicação de Alexandre ao trono. O fato de ela ter ordenado a execução de Cléopatra Eurydice e de sua filha pequena logo após o assassinato de Felipe parecia confirmar as suspeitas de todos. Houve também quem especulasse se o mentor do crime não teria sido o príncipe herdeiro, para se vingar do insulto anteriormente cometido pelo pai e liderar ele mesmo a invasão contra a Pérsia. Qualquer que seja a verdade, com a morte de Felipe II, Alexandre se tornou o novo soberano da Grécia e da Macedônia, garantido a Olímpia o privilegiado posto de mãe do rei.

Referências Bibliográficas:

CARNEY, Elizabeth. Olympias, the mighty mother of Alexander the Great. 2019 – Acesso em 21 de abril de 2021.

GREEN, Peter. Alexandre, o Grande: e o período helenístico. Tradução de Rafael Mantovani. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014.

PLUTARCO. Alexandre e César: as vidas comparadas dos maiores guerreiros da antiguidade. São Paulo: Nova Fronteira, 2016.

ROBLES, Martha. Mulheres, mitos e deusas: o feminino através dos tempos. Tradução de William Lagos e Débora Dutra Vieira. 3ª ed. São Paulo: Aleph, 2019.

WASSON, Donald L. Olympias. 2013 – Acesso em 21 de abril de 2021.

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