Por: Renato Drummond Tapioca Neto
O século XIX ficou conhecido como um dos momentos mais importantes da história ocidental. O período que vai dos anos de 1837 a 1901, também chamado de Era Vitoriana, coincidiu com a Segunda Revolução Industrial, que trouxe inovações tecnológicas relevantes para o desenvolvimento da civilização, assim como acirrou as desigualdades sociais herdadas da Primeira Revolução. O estilo de vida burguês aos poucos se infiltrava no seio da antiga aristocracia, seja através da moda, das regras de etiqueta, da literatura, da música e até da arte. Novos impérios também foram sendo forjados, na busca desenfreada por novas terras para a nascente indústria e por mercado consumidor na Ásia e na África. Em última análise, a disputa entre os países europeus na corrida imperialista culminou com a o primeiro conflito em escala mundial, ocorrido em 1914, que deixou atrás de si um rastro tão sangrento superado apenas pela Segunda Grande Guerra. Por outro lado, tão marcante quanto a época em si foram as personalidades femininas que protagonizaram e, em muitos sentidos, corporificaram o espírito do momento, como a própria rainha Vitória do Reino Unido, que emprestou seu nome a esse período de mudanças; a bela e trágica imperatriz Elisabeth da Áustria; ou ainda a delicada figura de Eugénia de Montijo, a última imperatriz dos Franceses.

Retrato de Eugenia de Montijo como imperatriz dos Franceses, pintado em 1853 pelo famoso artista Franz Xaver Winterhalter.

Coroa da imperatriz Eugenia de Montijo, que aparece em seu retrato pintado por Winterhalter.

Tiara que a imperatriz Eugénia de Montijo usa no seu retrato pintado por Winterhalter.

Retrato da jovem imperatriz Eugénia, pintado por Édouard Louis Dobufe (1854).
Nascida em Granada (Espanha) no ano de 1826, Eugenia era filha de Cipriano de Palafox y Portocarrero, VIII conde de Montijo, com Maria Manuela Kirkpatrick. Em 1853, ela se casou com Napoleão III, tornando-se assim imperatriz consorte dos Franceses. Porém, aquela não era uma união romântica, como dizem alguns, e sim um matrimônio dinástico, motivado por interesses políticos. Na época, muitos zombaram da escolha de Napoleão, uma vez que Eugénia não era uma princesa por nascimento e sim filha de um conde. Contudo, muitos reinos europeus viam o terceiro imperador dos franceses como um usurpador e, com exceção da Inglaterra, sequer reconheceram seu direito ao trono. Sendo assim, a bela filha de Cipriano de Palafox y Portocarrero parecia uma escolha adequada para Napoleão III, assim como Joséphine de Beauharnais havia sido para o seu tio, Napoleão I. Tal como Joséphine, por quase duas décadas Eugénia fez vista grossa para as infidelidades do marido e, depois do nascimento do príncipe herdeiro em 1856, marido e esposa se encontravam principalmente em ocasiões formais, como nas recepções concedidas à rainha Vitória e a outros chefes de Estado. Apesar disso, a soberana gozava da plena confiança do imperador nos assuntos do governo e chegou a ser nomeada regente em mais de uma ocasião. A última delas foi em 1870, durante a guerra franco-prussiana.
Ao se casar com Napoleão III, Eugénia de Montijo recebeu uma fabulosa coleção de joias e, ao longo de sua vida, acumulou muitas outras. Algumas delas haviam pertencido à falecida imperatriz Joséphine de Beauharnais, avó de seu marido, e outras a Maria Luísa de Habsburgo, segundo esposa de Napoleão I. Uma dessas peças é a famosa coroa que aparece no seu retrato oficial como imperatriz dos Franceses, pintado por Winterhalter. A joia foi criada especialmente para Eugénia em 1855, por ocasião da Grande Exposição Universal de Paris. A coroa é incrustada com diamantes e esmeraldas sobre uma base de ouro amarelo, com padrões de águia (atualmente, ela faz parte do acervo do Museu do Louvre, Paris). Outra joia de destaque é a tiara que a imperatriz usa no mesmo retrato pintado por Winterhalter. Ela foi confeccionada por Alexandre-Gabriel Lemonnier, a partir de pedras preciosas e pérolas que pertenceram anteriormente à imperatriz Maria Luísa e a Maria Teresa Carlota, filha de Maria Antonieta. A tiara é composta por mais de duzentas pérolas e quase dois mil pequenos diamantes, incrustados sobre uma base de prata. Não obstante, Eugénia patrocinou muitos estilistas famosos, que desenhavam trajes exclusivos para ela, como a grife oitocentista House of Worth, criada por Charles Frederick Worth, considerado o “pai da alta costura”.

Retrato da jovem imperatriz Eugénia, pintado por Édouard Louis Dobufe (1854).

Vestido que pertenceu a Eugénia de Montijo, usado pela soberana nos anos 1850.

Corpete de um vestido que pertenceu à jovem Eugénia de Montijo.

Vestido de baile que pertenceu à imperatriz Eugénia. A peça, confeccionada pela famosa grife oitocentista House of Worth, foi usada pela soberana no ano de 1865 e hoje faz parte da coleção da marca fundada pelo estilista inglês Charles Frederick Worth, reaberta em 1999.
Uma vez elevada ao status de imperatriz dos Franceses, Eugénia de Montijo logo tratou de reorganizar o funcionamento do Palácio das Tulherias e a estabelecer um protocolo de etiqueta na corte. Foi patrona de vários artistas, incluindo o célebre Franz Xaver Winterhalter, que lhe pintou muitos de seus retratos. Admiradora assumida de Maria Antonieta, a quem prestava um verdadeiro culto, Eugénia gostava de lançar tendências e estar na linha de frente da moda, tal como a falecida esposa de Luís XVI. Em 1861, a esposa do imperador Napoleão III chegou a encomendar a Winterhalter um retrato seu, vestida como a última rainha da França. Para a ocasião, Eugenia tirou algumas fotos usando um vestido inspirado na moda do século XVIII e com os cabelos empoados. A tela ficou pronta dois anos depois e apresenta a Imperatriz de perfil, contemplando o horizonte. Quase dá para confundir com um dos retratos de Vigeé Le Brun para a consorte de Luís XVI. Quando o casal de imperadores viajou para a Inglaterra em 1855, onde foram recepcionados pela rainha Vitória e pelo príncipe Albert no castelo de Windsor, os ingleses e a imprensa londrina não conseguiram se mostrar indiferentes ao charme e estilo de Eugénia. Vitória não lhe poupava elogios no seu diário pessoal e a filha mais velha da soberana, Vicky, prestava bastante atenção à convidada de sua mãe, para aprender com ela algumas dicas de moda.
Com efeito, Vitória foi uma das poucas cabeças coroadas do continente que deu seu reconhecimento ao golpe de Estado que fez de Charles-Louis Napoléon Bonaparte, imperador dos Franceses. Em 16 de abril de 1855, quando a soberana recebeu formalmente na Inglaterra o imperador, concedendo-lhe a Ordem da Jarreteira, ela ficou muito contente com a chegada casal imperial e escreveu o seguinte no seu diário: “Não sei dizer que indescritível emoção me invadiu, o quanto tudo me surgia como em um belo sonho. Avancei, o imperador beijou-me a mão e eu beijei-o duas vezes em cada face. Beijei em seguida a graciosa, amável e indescritivelmente nervosa imperatriz”. A visão de Eugénia causou boa impressão, não apenas na rainha, como também ao príncipe Albert: “Estou encantada por ver o quanto ele é observador. É tão raro vê-lo assim com uma mulher”, escreveu a rainha, sem qualquer reserva de ciúme pelo fato de seu marido não conseguir tirar os olhos da imperatriz dos franceses. Eugénia era então uma mulher jovem, com apenas 29 anos e encantava a todos com seu charme e coquetismo. No dia de sua chegada, alguns incidentes aconteceram, como o atraso do baú com as roupas da imperatriz e do seu cabeleireiro, de modo que Napoleão a aconselhou em não participar ao jantar oferecido no castelo de Windsor.

A esposa do imperador Napoleão III pediu ao artista Franz Winterhalter que a retratasse em 1861 como a última rainha da França.

Eugénia foi patrona de vários artistas, incluindo o célebre Franz Xaver Winterhalter, que lhe pintou este e muitos outros retratos.

Retrato pintado por Franz Xaver Winterhalter (1864).

Ao longo da vida, Eugénia e Vitória (aqui retratadas por Franz Xaver Winterhalter) mantiveram uma sincera amizade. Mesmo depois da perda do trono de Napoleão III, Vitória a tratava pelo título de Sua Alteza Imperial e a visitava constantemente na sua residência inglesa.
Sem se deixar abater, Eugénia tomou emprestada de uma de suas damas uma crinolina cinzenta, com laços cor de rosa e enfeitada com renda preta e, em seguida, cortou de um vaso um ramo de crisântemos, que espalhou por todas as parte do seu robe e no seu cabelo. A rainha Vitória, que estava usando um vestido amarelo-canário e coberta de joias, admirou tanto a improvisação da imperatriz dos franceses, que ela própria passou a adicionar flores vermelhas aos seus trajes. Ao longo da vida, as duas soberanas mantiveram uma sincera amizade. Pouco depois, foi a vez de Vitória e Albert fazerem sua entrada triunfal em Paris, onde foram recebidos com toda pompa e estilo dignos de uma majestade. Na ocasião, Eugênia estava grávida de seu primeiro filho, o futuro príncipe imperial Napoleão Eugênio. Após o nascimento da criança, em 16 de março de 1856, ela e seu marido foram se afastando gradualmente. Ele era constantemente visto na companhia de atrizes em cassinos e teatros, enquanto ela permanecia recolhida nos palácios do governo. O clima tenso entre o casal foi observado pela própria rainha Vitória e pelo príncipe Albert, que gozavam de uma união matrimonial estável e se apiedaram do estado de abandono da imperatriz. Albert, por sua vez, nutria profundas desconfianças sobre as verdadeiras intenções de Napoleão e o teria advertido a ouvir mais o conselho da esposa.
Não obstante, Eugénia de Montijo era uma amante da arte do retratismo e posou em inúmeras ocasiões para os habilidosos pinceis de Édouard Louis Dobufe e Winterhalter, que fez da imperatriz a sua principal musa. Mas também era uma amante da fotografia. É através destas, mais do que na pintura, que podemos ter uma vislumbre do estado emocional da soberana nos anos mais difíceis de seu casamento com Napoleão. Eugênia geralmente aparece nesses registros com uma expressão triste, contemplando um ponto que foge da perspectiva do observador e com um olhar baixo. Em 1870, quando estourou a guerra franco-prussiana, a imperatriz permaneceu em Paris na qualidade de regente, enquanto seu marido partiu para a frente de batalha. Quando as tropas do kaiser prenderam Napoleão III e sitiaram a capital da França, Eugénia conseguiu fugir para a Inglaterra e foi acolhida pela rainha Vitória. Em 1872, seu marido se juntou a ela no exílio, onde passaram a viver juntos até o início de 1873, quando Napoleão morreu em decorrência de uma cirurgia mal feita na garganta. A partir de então, Eugénia de Montijo passou a liderar o partido bonapartista e a preparar o seu filho, Napoleão Eugênio, caso ele viesse a se tornar imperador algum dia. Infelizmente, o jovem príncipe imperial morreu em 1879, lutando pela Inglaterra na África do Sul.

Retrato da imperatriz Eugénia de Montijo, pintado em 1862 por Franz Xaver Winterhalter.

Fotografia digitalmente colorida da Imperatriz Eugénia, tirada nos anos 1860, época em que seu relacionamento com Napoleão III havia enfraquecido devido aos casos extraconjugais do imperador.

Fotografia digitalmente colorida da Imperatriz Eugénia de Montijo, tirada nos anos 1860.

Fotografia da imperatriz Eugénia, em seu longo luto mantido pelas mortes de seu marido e filho.
A perda do único filho foi um golpe devastador para a imperatriz. Sozinha no exílio na Inglaterra, a única mulher que compartilhava sua dor era a rainha Vitória. Mesmo depois da perda do trono de Napoleão III, a soberana inglesa tratava a amiga pelo título de Sua Alteza Imperial e a visitava constantemente na sua residência. Para tornar seu luto mais suportável, Eugénia resolveu fazer digressões pelo continente, chegando a conhecer outra grande beldade da época, a imperatriz Elisabeth da Áustria. Um raro registro fotográfico das duas caminhando lado a lado, de costas, sobreviveu como prova desse encontro. Eugénia ainda fez uma viagem até a África do Sul, para rezar no exato lugar onde o príncipe imperial fora assassinado por um grupo de zulus, expondo-se assim a grande perigo. Sua vida solitária era marcada pelos fantasmas de suas perdas: coroa, marido e filho. Ela sobreviveu à rainha Vitória, quando esta faleceu em janeiro de 1901 e à imperatriz Elisabeth, assassinada em 1898. A única alegria que Eugénia teve depois disso foi ver os franceses derrotando os alemães na Primeira Guerra Mundial e recuperando a Alsácia e a Lorena, perdidas na guerra franco-prussiana. A Imperatriz viúva passou o resto de sua vida em luto e peregrinações. Sua última viagem foi para Madrid, em 1920, onde ela veio a falecer debaixo do céu de sua “adorada Espanha”, aos 94 anos.
Referências Bibliográficas:
ANDERSON, Theo. Queen Victoria and the Bonapartes. London: Cassel & Company LTD, 1972.
KENT, Princesa Michael de. Coroadas em terras distantes. Tradução de Maria João Batalha Reis. São Paulo: Ambientes e Costumes Editora, 2011.
MARATÓ, Cristina. Reinas Malditas: emperatriz Sissi, María Antonieta, Eugenia de Montijo, Alejandra Romanov y otras reinas marcadas por la tragedia. España: Debolsillo, 2014.