A Rainha Elizabeth II e sua luta de 70 anos para salvar a casa de Windsor – Parte VII (Final)

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

O ano de 1997 começou com uma ruptura no cenário político inglês. Após anos de governo do Partido Conservador, o Novo Partido Trabalhista venceu as eleições, com Tony Blair para o cargo de Primeiro-Ministro. Com apenas 44 anos, ela era o Premiê mais jovem com quem a rainha Elizabeth II lidara até então, de Winston Churchill a John Major. De acordo com os comentários da época, a soberana tinha uma relação protocolar com Blair. Ele, por sua vez, a considerava uma mulher experiente, cujo conhecimento poderia auxiliá-lo em seu papel de chefe de governo. Anos depois, descobriu-se que Tony pedira conselhos à princesa Diana sobre como se relacionar com as massas, para assim preparar sua campanha. Agora não mais uma alteza, Diana teria sugerido que ele visitasse hospitais e abrigos de moradores de rua, para assim criar uma imagem positiva junto ao eleitorado. No início daquele ano, a ex-esposa de Charles chamou a atenção dos olhos do mundo para o problema das minas terrestres em Angola, dando seu apoio moral às vítimas de acidentes com explosivos. Apesar de não ser mais um membro da família real, a estrela de Diana estava em rápida ascensão, ofuscando até mesmo os membros sêniores da casa de Windsor. Foi nesse contexto que uma das maiores tragédias do final de século XX aconteceu.

A rainha Elizabeth II completou 70 anos em 1996.

Em agosto daquele ano, enquanto a rainha Elizabeth e sua família passavam as férias de verão no castelo de Balmoral, uma notícia inesperada chegou aos seus ouvidos: na madrugada do dia 31, Diana havia sido gravemente ferida em um acidente de carro em Paris, juntamente com seu novo namorado, o egípcio Dodi Al-Fayed. O veículo bateu em uma pilastra no Túnel das Almas e capotou, matando Dodi e o motorista Henri Paul no mesmo instante. Levada para o hospital Pitié-Salpêtrière, a princesa de Gales não resistiu aos ferimentos e faleceu às 4 da manhã. A informação caiu como uma bomba nos ouvidos dos súditos ingleses. Afinal, dias antes ainda era possível ver fotos de Diana mergulhando no sul da França, feliz e acompanhada de um novo amor. No momento em que tudo parecia estar dando certo para ela, sua vida foi ceifada na idade prematura de 36 anos. Deixou para trás dois filhos e uma nação inteira a chorar pela sua perda. A histeria provocada pela morte da princesa representou uma das maiores crises enfrentadas por Elizabeth II no seu longo reinado. A mídia, que fora responsabilizada pelo ocorrido, foi muito rápida em desviar o ódio popular para rainha, chamando atenção para o fato de que ela fora muito devagar em se manifestar a respeito do ocorrido.

Detalhes como a ausência da bandeira a meio mastro no palácio de Buckingham foram interpretados como um gesto de desdém. De seu púlpito, Tony Blair tentou amenizar a situação, fazendo um brilhante elogio à memória de Diana, na qual a chamava de “princesa do povo”. Um título pelo qual ela ficaria mais conhecida nas últimas duas décadas. Apenas na quinta-feira, dia 4 de setembro, a rainha foi vista pela multidão acotovelada em frente ao palácio de Buckingham, caminhando por um mar de flores contendo mensagens de amor à memória de Diana e de desprezo pela família real. De repente, Elizabeth se aproximou de uma garotinha que segurava um buquê de flores e gentilmente lhe perguntou se gostaria que ela as colocasse no portão do palácio. “Não”, disse a menina. “Elas são para a Senhora”. Tal gesto, muito simbólico, denota que a ligação entre a soberana e seus súditos não havia sido rompida. Uma pesquisa de opinião mostrou que a maioria das pessoas presentes no funeral da princesa desejava uma mudança na monarquia. Por outro lado, eles nunca odiaram a sua soberana. Olhando em retrospecto, parece infundado o receio do governo Tony Blair de que o regime poderia cair se a rainha não aparecesse para confortar os seus súditos.

No dia seguinte, Elizabeth II fez uma transmissão ao vivo do palácio de Buckingham para todos os ingleses, enaltecendo a memória de Diana e reconhecendo as suas ótimas qualidades. Com efeito, essa foi uma das poucas vezes em que a soberana usou a televisão para fazer um discurso ao vivo. A mensagem dizia o seguinte:

Desde as terríveis notícias do último domingo, vimos, em toda a Grã-Bretanha e em todo o mundo, uma expressão avassaladora de tristeza pela morte de Diana. Todos nós tentamos lidar, de maneiras diferentes, para essa com a situação. Não é fácil expressar um sentimento de perda, já que o choque inicial é muitas vezes seguido por uma mistura de outros sentimentos: descrença, incompreensão, raiva – e preocupação com aqueles que permanecem. Todos nós sentimos essas emoções nestes últimos dias. Então, o que eu digo a vocês agora, como sua rainha e como uma avó, digo de coração: em primeiro lugar, quero homenagear a própria Diana. Ela foi um ser humano excepcional e talentoso. Nos bons e nos maus momentos, ela nunca perdeu a capacidade de sorrir e rir, nem de inspirar os outros com seu calor e gentileza. Eu a admirava e respeitava – por sua energia e compromisso com os outros, e especialmente por sua devoção aos dois filhos.

Em seguida, ela explicava que estivera nos primeiros dias da semana confortando seus dois netos, William e Harry, que acabavam de perder a mãe, fazendo votos de que todos, “onde quer que estejam”, possam expressar sua “tristeza pela perda de Diana e gratidão por sua vida tão curta. É uma chance de mostrar ao mundo inteiro a nação britânica unida em dor e respeito”. Por fim, ela concluía dizendo que aqueles “que morreram descansem em paz e que nós, cada um de nós, agradeçamos a Deus por aquela que fez tantas, tantas pessoas felizes”.

A rainha Elizabeth II se curva para o caixão da princesa Diana.

Sem dúvidas, foi um dos discursos mais tocantes feitos pela soberana ao longo do seu reinado. No dia 6, quando o cortejo fúnebre com o caixão de Diana passou pelos portões do palácio de Buckingham, a rainha, em um gesto inesperado, curvou sua cabeça para o corpo da mulher que tantos problemas havia lhe causado nos últimos anos. Aquela era a primeira vez em que Elizabeth fazia uma reverência desde a morte de seu pai, em 1952, quando também abaixou a face para o ataúde de George VI. A maioria dos historiadores e entusiastas da realeza britânica concorda que a comoção popular provocada pela tragédia da princesa de Gales representou a maior crise na história da casa de Windsor, desde a abdicação do rei Eduardo VIII em 1936. Por outro lado, a passagem de lady Diana Spencer pela monarquia mudou substancialmente a forma como a família real se relacionava com os súditos. A antiga rigidez colonial foi aos poucos dando lugar ao calor humano e ao afeto. Uma nova geração de príncipes, guiada pelo exemplo da falecida princesa de Gales, deu continuidade ao seu trabalho social, batalhando em prol dos menos favorecidos. Aquela primeira semana de setembro de 1997 foi um marco divisor de águas na história do reinado de Elizabeth II.

Contudo, passada a turbulência do momento, a rainha finalmente navega sobre águas mais tranquilas. Em novembro daquele ano, as mesmas pessoas que antes se indignaram com a postura da monarca por ocasião da morte da princesa, estavam agora de pé ovacionando Elizabeth e Philip pelas suas bodas de ouro. Aos 70 anos, ela podia ser considerada o rosto mais conhecido do mundo. Sua figura encurvada pela idade, com cabelos prateados emoldurando um rosto redondo e uma expressão facial séria, que remete à aparência dos primeiros Hanôver, já estampou cédulas, selos, bandeiras, jogos de porcelana e até mesmo bonecas. Mas, quando ela sorri, ainda é possível observar a tímida garota de 25 anos que assumiu o trono após a morte de seu pai. Assim, a rainha Elizabeth segue em frente, tentando manter unido o que restou do antigo império britânico através de um hábil trabalho diplomático. Nenhum outro soberano na história da Inglaterra fez mais viagens do que ela, representando o país em diversos eventos oficiais. A soberana é um elo que mantem firme as redes de conexões do Reino Unido com outras potências estrangeiras. Não é à toa que muitos chefes de Estado são recebidos por ela antes de serem encaminhados ao Primeiro-Ministro.

Um dos poucos registros fotográficos que reúne a maioria das cabeças coroadas da Europa nos anos 2000. Na primeira fila, da esquerda para a direita, se encontram sentadas as rainhas Margrethe da Dinamarca, a rainha Elizabeth II do Reino Unido e a rainha Beatrix da Holanda (atual Países Baixos); na de trás, o rei Alberto dos Belgas, o rei Juan Carlos da Espanha, o rei Harald da Noruega, o rei Carl Gustaf da Suécia e o grão-duque Henri de Luxemburgo. Eles posaram para essa foto em 17 de junho de 2002, no castelo de Windsor, por ocasião das celebrações do Jubileu de Ouro da rainha Elizabeth II (50 anos de reinado).

Em 2002, ano em que a monarca comemorou o seu Jubileu de Ouro (50 anos de reinado), outro golpe terrível se abateu sobre a sua família. Em 9 de fevereiro, a princesa Margaret faleceu aos 71 anos, depois de sofrer um ataque cardíaco. Aquela perda abalou profundamente a rainha, que foi vista enxugando lágrimas dos olhos na saída do funeral de sua irmã. 40 dias depois, a centenária rainha-mãe, Elizabeth Bowes-Lyon, morreu enquanto dormia no Chalé Real, em Windsor. Sua filha mais velha permaneceu ao seu lado até os últimos momentos. Só podemos imaginar o quanto Elizabeth II sentiu por aquelas perdas. De sua primeira família (“nós quatro”, como costumava dizer George VI”), apenas ela sobreviveu. Em seu tributo à mãe, televisionado para o povo britânico, a rainha disse:

Havia nela, na adorável frase de George Eliot, “a doce presença de um difundido bem”. Como o sol, ela nos banhou com seu brilho caloroso. Agora que o sol se pôs e o frio da noite chegou, parte do calor que absorvemos está fluindo de volta para ela. Se há um versículo da escritura que capta o que ela tem de melhor, talvez seja a descrição de uma mulher graciosa no capítulo final do livro de Provérbios. Diz: “Sua melhor roupa consiste de força e dignidade; é otimista em relação ao futuro!”. Força, dignidade e riso – três grandes presentes que honramos e celebramos hoje. A força da rainha-mãe como pessoa era melhor expressa por meio da notável qualidade de seu trato com as pessoas – sua capacidade de fazer com que todos os encontros humanos, embora fugazes, parecessem especiais e pessoais.

Agora sem o apoio da rainha Elizabeth Bowes-Lyon e da princesa Margaret, a soberana precisava guiar a Firma sozinha, apenas com Philip lhe dando todo o suporte possível. A monarca concluiu sua homenagem à mãe dizendo que “seu falecimento foi realmente uma morte de Páscoa – entre a Sexta-feira Santa e o dia de Páscoa. À luz da promessa que a Páscoa traz, vamos colocá-la para descansar sabendo que a mesma esperança pertence a todos os que confiam naquele que é a ressurreição e a vida”. Com essas palavras, ela se despedia de uma mulher que foi um esteio durante os turbulentos anos da Segunda Guerra Mundial e lhe ensinou muito do que o país esperada dela com soberana. Com a morte de rainha-mãe, todo um passado de patriotismo pós-guerra ficava definitivamente para trás.

Com efeito, o clima de luto só foi rompido no mês de junho, quando teve lugar as comemorações pelo Jubileu de Ouro. Diversas cabeças coroadas da Europa foram convidadas para os festejos no castelo de Windsor, enquanto desfiles aconteciam por todo o país. Embora o Canadá e a Nova Zelândia tivessem noticiado naquele ano que se transformariam em repúblicas no futuro, o Jubileu marcou o início dos anos mais calmos no reinado de Elizabeth. Hoje, os rígidos protocolos da monarquia, que antes proibiam casamentos entre membros da realeza com pessoas divorciadas, ficaram mais flexíveis. Em 2005, por exemplo, o príncipe Charles finalmente se casou em uma cerimônia civil com Camilla Parker Bowlles. Apesar de não comparecer à cerimônia, a rainha deu a sua bênção ao casal, assim como o arcebispo da Canterbury. Por respeito à memória de Diana, Camilla assumiu o título de duquesa da Cornualha. Muitos questionam se um dia ela virá a se tornar rainha quando Charles for rei, ou simplesmente adotar o tratamento de princesa consorte. Atualmente, os dois representam a Coroa em viagens a outros países da Comunidade de Nações e prestam seu apoio a diversas causas sociais, como na luta pela preservação do meio-ambiente, assim como estimulam a aproximação entre Inglaterra e os países do Oriente Médio.

Quatro gerações de monarcas britânicos em uma única foto. A rainha Elizabeth II aparece acompanhada de seu herdeiro direto, o príncipe de Gales, juntamente com o príncipe William de Cambridge e o pequeno príncipe George.

Até mesmo o tratamento da mídia para com a realeza, tão feroz nos anos 1980 e 1990, abrandou. Em 2005, depois de vazar mensagens dos celulares do príncipes William e Harry, Rupert Murdoch foi forçado a fechar o seu jornal de domingo, de 168 anos. A opinião pública foi implacável com ele, uma vez que a tragédia da princesa Diana, morta enquanto tentava escapar de uma perseguição feita pelos paparazzi, ainda estava bastante fresca na memória dos leitores. A época em que a vida privada dos Windsor preenchiam as páginas dos tabloides sensacionalistas não vendia mais. Com a grande crise econômica de 2009-2010, os setores de comunicação também foram bastante prejudicados. Nem mesmo a monarquia conseguiu escapar ilesa aos cortes orçamentários que o Partido Conservador, liderado pelo Primeiro-Ministro David Cameron, teve que fazer. Mas, assim como aconteceu em 1981 com o matrimônio de Diana e Charles, o palácio de Buckingham novamente estendeu o seu tapete vermelho para anunciar o casamento real mais aguardado pelos súditos da nova geração. Em 2010, o príncipe William anunciou que estava noivo de sua colega de faculdade, Catherine Middleton, com quem mantinha um relacionamento desde 2004. A cerimônia ocorrida em abril de 2011 na abadia de Westminster foi assistida por mais de 1,2 bilhão de pessoas!

Apesar de seus rituais e palácios permanecerem essencialmente vitorianos, o reinado de Elizabeth se destacou por reinventar a tradição, aproximando-a mais do público. Embora a nova Era Elisabetana, aclamada por Winston Churchill em 1952, tenha coincidido com o declínio da influência da Grã-Bretanha no restante do mundo, a rainha se tornou mais famosa nos últimos anos do que em qualquer outra fase do seu reinado. Em 2012, ela celebrou o seu Jubileu de Diamante e em 9 de setembro de 2015 ultrapassou a rainha Vitória como a monarca que por mais tempo ocupou o trono do Reino Unido. Elizabeth participou de diversas cerimônias de abertura dos trabalhos no Parlamento e se encontrava pessoalmente com ministros, embaixadores e líderes de países estrangeiros, oferecendo-lhes seu sorriso gentil e uma grande hospitalidade. Por 70 anos, a monarca guiou os negócios com a mesma disposição de quando assumiu a importante tarefa deixada por seu pai. Quase 8 décadas já se passaram desde a sua primeira viagem para a África do Sul, quando fez então o seu primeiro discurso como herdeira do trono. Ouvindo aquelas palavras em retrospecto, emociona observar como esta senhora se manteve fiel ao seu juramento: “Declaro diante de todos vocês que toda a minha vida, seja longa ou curta, será dedicada ao seu serviço”.

Referências Bibliográficas:

DIMBLEBY, Jonathan. O príncipe de Gales. Tradução de Vera Dias de Andrade Renoldi. São Paulo: Editora Best Seller, 1994.

HOBSBAWM, Eric J. A era dos extremos: o breve século XX. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

KELLEY, Kitty. Os Windsor: radiografia da família real britânica. Tradução de Lina Marques et. al. Sintra, Portugal: Editorial Inquérito, 1997.

MARR, Andrew. A real Elizabeth: uma visão inteligente e intimista de uma monarca em pleno século 21. Tradução de Elisa Duarte Teixeira. São Paulo: Editora Europa, 2012.

MEYER-STABLEY, Bertrand. Isabel II: a família real no palácio de Buckingham. Tradução de Pedro Bernardo e Ruy Oliveira. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2002.

MORTON, Andrew: Diana – sua verdadeira história em suas próprias palavras. Tradução de A. B. Pinheiros de Lemos e Lourdes Sette. 2ª ed. Rio de Janeiro: Best Seller, 2013.

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