Por: Renato Drummond Tapioca Neto
No dia 10 de fevereiro de 1840, a rainha Vitória causou verdadeiro frisson ao atravessar de carruagem as ruas de Londres em direção à Capela Real, no Palácio de St. James, para se casar com o príncipe Albert. Os súditos se aglutinavam nas calçadas, no topo de árvores e em postes para ver a pequenina figura passar, vestida num traje inteiramente branco, decorado com rendas flores de murta e de laranjeira. “Casamento real, casamento real”, gritavam os bêbados pelos logradouros e bairros da cidade, enquanto jornalistas rabiscavam rapidamente em seus blocos para não deixar nenhuma informação escapar. Com efeito, aquele seria uma dos dias mais felizes da vida da soberana, revivido por ela em muitas ocasiões através de fotos póstumas e em retratos encomendados. Os detalhes de seu matrimônio foram tão difundidos pela imprensa de outros países, que ele acabou se tornando uma inspiração para muitas cerimônias de casamento. Manuais de etiqueta passaram a ser editados, ensinando o passo a passo de como os preparativos para deveriam ser feitos, desde o pedido por parte do noivo, até a escolha de convidados, texto do convite, arrumação da Igreja ou Capela, festa e núpcias. De lá pra cá, a família real inglesa conseguiu fincar uma tradição matrimonial que até hoje desperta a curiosidade de milhões de pessoas de todos os lugares do mundo.
1) O pedido de Casamento
De acordo com a Lei de Casamentos Reais, datada de 1772, os príncipes e princesas britânicos passaram a ter maior autonomia na escolha de seus cônjuges, desde que essa opção seja aprovada pelo soberano reinante. Alguns requisitos, porém, precisam ser levados em consideração nesse processo, como o Act of Settlement de 1701, que proíbe qualquer membro da casa real de se casar com um católico (adeptos de outras religiões ou mesmo ateus são tolerados, mas católicos não). Para que pudesse se casar com Autumn Kelly em 2008, por exemplo, o neto mais velho da rainha Elizabeth II, Peter Phillips, precisou convence-la antes a abandonar o catolicismo romano e a se converter ao anglicanismo. Do contrário, ele perderia sua posição na linha de sucessão ao trono. Quando o anúncio do noivado de William e Kate foi oficializado em 2010, o palácio de Buckingham emitiu uma nota dizendo que a rainha estava “absolutamente encantada pelo casal”, o que indica a sua aprovação à escolha do neto.
Com efeito, o mesmo protocolo foi seguido pelo príncipe Harry, quando anunciou à família que pretendia se casar com Meghan. Ele pediu a bênção de sua avó e Elizabeth II a concedeu. Na época, houve alguma especulação sobre a religiosidade da noiva, já que ela havia sido casada anteriormente com Trevor Engelson, um produtor de origem judia, entre os anos de 2011 e 2013.Anteriormente, seria impensável para um membro da família real se casar com uma pessoa divorciada. Em 1937, Eduardo VII teve que renunciar ao trono para contrair matrimônio com a americana Wallis Simpson. Com o tempo, essa exigência foi deixada de lado. De outro modo, o príncipe Charles teria que renunciar seus direitos de sucessão ao se casar com Camilla.
No caso de uma rainha reinante, o protocolo era um pouco diferente. Em 1553, a rainha Maria I Tudor se casou com o príncipe Felipe da Espanha, futuro Felipe II. O pedido oficial, porém, foi feito pela soberana. O mesmo critério foi seguido pela rainha Vitória no século XIX. Como era ela quem usava a coroa, Albert não podia lhe fazer um pedido formal de casamento. Este, por sua vez, deveria vir da parte dela. Os dois se reuniram para uma conversa íntima no dia 15 de outubro e então Vitória fez a proposta, que foi logo aceita pelo príncipe. Esse foi o único caso ocorrido nos últimos 200 anos, uma vez que todos os monarcas que a sucederam no trono já eram casados no tempo de sua ascensão.
2) A Despedida de Solteiro/a
A comemoração que geralmente precede o casamento, conhecida como despedida de solteiro/a, tem suas origens na antiga Esparta. No Reino Unido, porém, essa tradição foi aprimorada, estendendo a celebração que marca a passagem do status de solteiro para o de casado a um final de semana inteiro. Embora os detalhes dessa festa sejam alvo de falatório para tabloides de todo o mundo, o príncipe William disse que sua despedida ocorreu no final de março de 2011, cerca de um mês antes de seu casamento com Kate. A festa foi oferecida pelo irmão do príncipe numa propriedade rural e contou com a presença dos melhores amigos do herdeiro, incluindo James Meade, Thomas van Straubenzee e Guy Pelly. Com a revolução sexual da década de 1960, as mulheres também reivindicaram o direito a ter sua própria despedida. A de Kate foi organizada por sua irmã, Pippa, que reservou quatro locais diferentes para o evento, no intuito de despistar os paparazzi. Foi uma reunião discreta, ocorrida nos Alpes Franceses. Já a de Meghan, os detalhes são ainda mais escassos. Boatos dão conta de que foi realizada num resort cinco estrelas. De acordo com a Us Weekly, ela queria uma despedida que celebrasse “a amizade e o amor”, num lugar discreto fora de Londres, com “boa comida e bebida, e um pouco de música”.
3) A localização da cerimônia
De acordo com o costume, os lugares tradicionais para casamentos da família real britânica são a Catedral de São Paulo, a Abadia de Westminster, ou a Capela Real, no Palácio de St. James. Esta última foi sede das cerimônias matrimoniais da rainha Anne (1683), do rei George III (1761), do rei George IV (1795), da rainha Vitória (1840) e do rei George V (1893). Mas, à medida que os casamentos reais foram se tornando cada vez mais espetaculares, os próximos casais abandonaram gradualmente a pequena capela, com lotação máxima para 100 pessoas, para locais maiores. Em 1919, a princesa Patricia de Connaught celebrou pela primeira vez em 605 anos um casamento na velha Abadia. Desde então, ela se tornou um dos espaços preferidos para esse tipo de celebração. Ali ocorreu o casamento dos pais da rainha Elizabeth II, George VI e Elizabeth Bowes-Lyon em 1923, além do da atual monarca, em 1947. Em 6 de março de 1960, a princesa Margaret se casou com o fotógrafo Antony Armstrong-Jones, numa cerimônia que foi televisionada para várias partes do mundo, criando assim mais uma tradição seguida por outros membros da família real. William e Kate também escolheram a Abadia de Westminster como local da cerimônia, em detrimento da Catedral de São Paulo, onde o príncipe Charles e a princesa Diana se casaram em 1981. Estima-se que seu casamento, ocorrido em 29 de abril de 2011, tenha sido assistido por quase 2,5 bilhões de pessoas.
4) A escolha das damas e pajens de honra
Geralmente, as noivas da família real são acompanhadas por um conjunto de damas, composto por meninas entre 10 e 12 anos. A rainha Elizabeth adentrou na nave da Abadia juntamente com 8 damas de honra, enquanto a princesa Diana escolheu 5. Entre as de Kate se encontravam 8 garotas, incluindo Grace van Cutsem (afilhada de Will) e Eliza Lopes (neta de Camilla) que estão na faixa dos 3 anos de idade; em seguida, Lady Louise Windsor (prima de Will) de 7 anos, Margarita Armstrong-Jones (prima em segundo grau de Will) e a irmã da noiva, Pippa, considerada a mulher mais velha até então a assumir esse posto, aos 27 anos. Já os pajens do príncipe William incluíam seu afilhado, Tom Pettifer, e Billy Lowther-Pinkerton, filho do seu secretário. O príncipe Harry agiu como padrinho do irmão mais velho. Meghan Markle, por sua vez, tinha decidido não ter damas de honra. Os dez membros restantes da festa nupcial do casal tinham menos de 8 anos de idade, como os afilhados de Harry e Meghan, filhos de amigos e, é claro, o príncipe George e a princesa Charlotte.
5) A lista de convidados
Em um evento tão exclusivo quanto um casamento real, a lista de convidados é de suma importância. Membros da realeza, líderes estrangeiros, oficiais da igreja, diplomatas e celebridades são incluídos, juntamente com os amigos e familiares do casal. De acordo com o costume, a família real se senta no lado direito da Igreja, a menos que o noivo não seja da realeza; nesse caso, eles se sentam à esquerda. Seguindo as orientações de Elizabeth II, 1.900 convites foram feitos para o casamento de William e Kate. Algumas celebridades também estavam presentes na cerimônia, como David e Victoria Beckham, Elton John, Guy Ritchie e Joss Stone. Apesar de o local escolhido por Harry e Meghan tem espaço para 800 lugares, a lista de convidados foi cortada para a faixa dos 600. Algumas de suas menções na lista de convidados incluíam Priyanka Chopra, as Spice Girls e ex-colegas de atuação de Markle na série de Suits, em que ela fez par romântico com o ator Patrick J. Adams, também convidado. Houve até mesmo uma performance de Sir Elton John!
Infelizmente, alguns dos melhores amigos de Harry, como Barack e Michelle Obama, não estavam presentes. Para manter uma aparência de neutralidade, o Ministério das Relações Exteriores aconselhou o casal a não convidar líderes estrangeiros. Isso significa que o atual presidente dos EUA, Donald Trump, bem como a primeira-ministra britânica Theresa May, não conseguiram um convite. Para homenagear sua falecida mãe, a princesa Diana, o príncipe Harry convidou parentes do lado Spencer da família, como os três irmãos de Lady Di (o conde de Spencer, Lady Jane Fellowes e Lady Sarah McCorquodale), além de seus respectivos cônjuges e filhos. A tia de Harry, Lady Jane, fez uma leitura na cerimônia de casamento. Os homens usaram uniformes militares ou trajes matinais (casacos com caudas). Já as roupas femininas foram menos especificadas, embora o uso de chapéus seja considerado obrigatório.
6) O buquê
Quando a rainha Vitória se casou com o príncipe Albert em 1840, ela carregava consigo um buquês de flores de murta, considerada como a erva do amor, da fertilidade e da inocência. Após o casamento, a soberana plantou um arbusto dessa espécie em seu jardim na Casa Osborne, na Ilha de Wight. Desde então, toda noiva real britânica carrega um buquê contendo um raminho arrancado do mesmo arbusto. Kate carregava um pequeno buquê com fios em forma de escudo, desenhado por Shane Connolly e composto por flores de murta, lírios-do-vale, Sweet Williams e jacintos. Em um ato de consideração às forças armadas, ela deixou seu buquê na Abadia de Westminster, no túmulo do Guerreiro Desconhecido, uma tradição iniciada pelo falecida rainha-mãe, em 1923. Quando a então Lady Elizabeth Bowes-Lyon entrou na Abadia de Westminster no dia de seu casamento, ela parou para colocar suas flores no túmulo. O gesto foi feito em memória de seu próprio irmão, Fergus, que morreu na Batalha de Loos em 1915, além de uma homenagem aos milhões de mortos e feridos na Primeira Guerra Mundial. Muitas noivas reais adaptaram o gesto desde então, colocando suas flores na tumba ao sair da igreja em vez de na entrada, como fez a rainha-mãe, que permaneceu sem o seu buquê durante toda a cerimônia.
07) O Transporte
A maioria das noivas reais chega ao casamento em estilo tradicional, como a princesa Diana, que usou a mesma carruagem da coroação de George V (1911). Porém, Kate chegou à Abadia de Westminster com seu pai dentro um carro, o Rolls Royce Phantom da rainha, famoso por suas grandes janelas que permitem aos espectadores um melhor vislumbre de seus passageiros. Uma vez casados, Kate e William retornaram da cerimônia dentro da mesma carruagem que transportou Charles e Diana após seu casamento em 1981, um modelo originalmente feito para a coroação de Eduardo VII. Depois, os noivos partiram da recepção em direção à Clarence House num Aston Martin, decorado com fitas, laços, balões e uma placa impressa com a frase “Apenas Casados”. Após a cerimônia de uma hora do casamento de Harry e Meghan, ocorrida na capela de São Jorge, os dois saíram para um passeio em torno de Windsor, dentro da confortável e bela carruagem Landau, da família real.
8) A Cerimônia
As noivas inglesas costumam conduzir a procissão pelo corredor da Capela com as damas de honra em seu encalço. William e Kate selecionaram um coro composto por 32 pessoas na Abadia de Westminster, mais os 39 músicos da orquestra da câmara de Londres e a banda central da Royal Air Force, para tocar uma seleção variada de músicas, incluindo “March from The Birds”, de Sir Charles Hubert Hastings Parry, “Fantasia em Greensleeves”, por Ralph Vaughan Williams e “Romance para orquestra”, de Gerald Finzi. Kate caminhou pela nave da Abadia ao som de “I Was Glad”, de Sir Charles Hubert Hastings Parry. Outros hinos tradicionais tocados foram “Marcha do Casamento” de Mendelssohn, “O Pastor do Senhor” e o “Toccata da Organ Symphony No. 5”, de Widor.
A cerimônia em si é realizada por três oficiais: o decano de Westminster, que conduz o serviço, o arcebispo de Canterbury, que preside os votos e o bispo de Londres. Will e Kate trocaram os votos tradicionais, com apenas uma exceção, baseada num precedente de 1999, quando Sophie, condessa de Wessex, não disse que iria “honrar, valorizar e obedecer” o príncipe Edward. Na época, o mais recente casal real queria evitar o constrangimento de casamentos passados, que culminaram em três divórcios: o de Charles e Diana (1996), da princesa Anne com Mark Philips (1992) e do príncipe Andrew com Sarah (1996). Em vez disso, Sophie e Edward juraram “amar, confortar, honrar e manter” um ao outro.
9) A Recepção
A maioria dos casamentos reais britânicos é realizada ao meio-dia, sendo seguida por uma refeição chamada de “café da manhã”. O “café” da rainha foi realizado na sala de jantar no Palácio de Buckingham, assim como o de Diana, que contou com a presença de cerca de 120 convidados. Após a cerimônia às 11 horas da manhã de William e Kate, 600 convidados se juntaram ao novo casal no palácio para uma refeição no estilo buffet. À noite, 300 dos amigos e familiares mais próximos do casal desfrutaram de um jantar e dançaram numa sala do palácio. A recepção também incluiu dois bolos: um de frutas secas de várias camadas (a escolha tradicional do casamento real) e um de biscoito de chocolate (a pedido de Will). Às 13h25, os noivos apareceram na varanda do Palácio de Buckingham para compartilhar um beijo público, tradição essa iniciada por Charles e Diana. Harry e Meghan Markle, por sua vez, tiveram não uma, mas duas recepções: uma versão para o “café” oferecida pela rainha Elizabeth no castelo de Windsor e outra oferecida pelo príncipe Charles, à noite, na Frogmore House. Markle planejava fazer história na tradição de casamentos, ao dirigir um discurso dedicado ao seu noivo, algo que nenhuma noiva real tinha tentado até então.
10) Os Títulos Reais
Com poucas exceções, as mulheres que se casam com sucessores do sexo masculino da realeza assumem os títulos de seus maridos: duque e duquesa de York, conde e condessa de Wessex, etc. A exceção mais notável nessa caso foi Camilla, que adotou o título de duquesa da Cornualha em vez da princesa de Gales, em respeito à memória de Diana. Caso o príncipe Charles se torne rei, sua esposa será a princesa consorte, não a rainha Camilla. Após seu casamento, o príncipe William e Kate se tornaram duque e duquesa de Cambridge. Meghan Markle, entretanto, não se tornou uma princesa depois do seu. A honra de possuir o título é reservada apenas a mulheres nascidas dentro família real (a menos que a princesa Charlotte se case um príncipe, por exemplo, seus futuros filhos não serão agraciados com esse tratamento). Kate, por sua vez, só se tornará uma princesa quando seu marido, William, receber o título de príncipe de Gales, concedido apenas ao primeiro herdeiro do trono. Apesar da recente saída de Harry e Meghan da realeza, eles receberam os títulos de duque e duquesa de Sussex.
11) A Aliança
Começando com o casamento da falecida rainha-mãe em 1923, todas as alianças usadas pelas noivas da realeza são confeccionadas em precioso ouro galês, da mesma pepita extraída em Dolgellau, no norte de Gales (uma variação de ouro três vezes mais valiosa que o da Austrália ou da África do Sul). Apesar de a pepita tradicional estar quase esgotada, a rainha recebeu outra grande para as próximas alianças, incluindo a de Sarah, duquesa de York, Kate e Meghan Markle. O príncipe William, por sua vez, decidiu não usar um anel de casamento. Hoje, seu pai, Charles, é um dos poucos membros do sexo masculino da realeza que o usam. O príncipe Harry desenhou ele mesmo o anel de noivado que deu a Meghan Markle, decorado com um diamante central de Botsuana, acompanhado por outros dois diamantes que pertenciam a sua mãe, a princesa Diana.
12) As Fotos Oficiais
Contratar um profissional para capturar os momentos históricos de um casamento real sempre foi uma escolha da maior importância. Os primeiros membros da realeza fotografados foram o rei Eduardo VII e a rainha Alexandra, em 1863. Naquela época, as imagens eram monocromáticas e geralmente coloridas à mão para parecerem pinturas, em vez de fotografias. Os cartões postais também eram uma mania entre os colecionadores, altamente popular no início do século XX, além de ser uma maneira pela qual a Família Real podia compartilhar eventos como esse com o público. O príncipe Harry e Meghan Markle selecionaram o notável fotógrafo de Nova York, Alexi Lubomirski como retratista oficial, depois de amarem seu trabalho nas fotos de noivado.
Referências:
BAIRD, Julia. Vitória, a rainha: a biografia íntima da mulher que comandou um império. Tradução de Denise Bottman. Rio de Janeiro: Objetiva, 2018.
CROOK, Philip B.; DIGIOVANNA, Jessie Mooney. Every British Royal Wedding Tradition You Need to Know. 2019. – Acesso em 18 de junho de 2010.
HARRISON, Scott. Royal Wedding: British royal weddings since 1840. 2018. – Acesso em 18 de junho de 2020.
Royal Wedding Traditions. – Acesso em 18 de junho de 2020.
Nossa, que texto completo! Primeira vez que visito o blog e de cara já gostei de tudo, desde o nome até a escrita. 🙂 Parabéns pelo conteúdo, voltarei mais vezes com certeza.
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Com tanta burocracia assim para se casar, os noivos precisam engolir muito sapo hahaha, ou então dão seu toque especial, como foi o caso do bolo de biscoito de chocolate pedido pelo Principe William 😉
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