Elizabeth I, rainha da Inglaterra: uma vida em 10 objetos!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Uma das soberanas mais icônicas da Europa, Elizabeth I da Inglaterra viveu numa época marcada por disputas religiosas, grandes navegações, conflitos territoriais e pelo avanço do renascimento para outras partes do continente. Filha do rei Henrique VIII com Ana Bolena, ela passou a maior parte de sua vida afastada do trono, até que uma sucessão de mortes a colocou em posse da Coroa por uma período de aproximadamente 45 anos. A chamada Era Elisabetana foi um dos momentos mais férteis da história inglesa, imortalizada pelos versos de Shakespeare e pelos pinceis de Nicholas Hilliard, principal retratista da rainha. Séculos depois, durante o governo de outra soberana, Vitória, essa fase foi enaltecida como elemento na construção da nacionalidade britânica. A figura de Elizabeth, com seus cabelos ruivos, rosto empoado e vestes incrustadas de pérolas e pedras preciosas se transformou num símbolo de uma “Idade de Ouro”, muito embora historiadores contemporâneos discutam toda a amplitude dessa representação. Quando faleceu, em 1603, a monarca deixou para trás uma grande quantidade de roupas, joias e objetos de uso pessoal, que infelizmente se perderam com o tempo e com a Revolução. Contudo, algumas peças preservadas em museus e galerias da Europa nos ajudam a contar um pouco de sua história. A seguir, separamos 10 desses itens:

1) ROUPA DE BATISMO

Em 7 de setembro de 1533, a rainha Ana Bolena dava à luz no palácio de Greenwich à sua primeira filha com o rei Henrique VIII, batizada de Elizabeth em homenagem à sua avós, Elizabeth de York e Elizabeth Howard. Muita expectativa havia sido feita em torno do nascimento daquela criança. O pai esperava que fosse o herdeiro varão pelo qual ele tanto havia lutado. A chegada de uma menina saudável, apesar de ter sido um golpe na vaidade do rei, era sinal de que a mãe era capaz de gerar outros príncipes e princesas. Três dias depois, a pequena foi batizada na capela dos Frades Observantes pelo arcebispo Cranmer, escolhido como seu padrinho. Estavam presentes a duquesa viúva de Norfolk, o duque, a condessa de Kent e outros nobres e dignatários da corte. Nos primeiros meses de vida, a criança foi enviada para Hatfield House, onde teria sua própria criadagem e poderia crescer num lugar mais saudável. Porém, quase três anos depois, Ana Bolena era decapitada sob falsas acusações de adultério, traição e incesto. A garotinha perdeu então o status de princesa real e passou a ser conhecida apenas como “Lady Elizabeth”. No castelo de Sudley, existe um pequeno robe de seda bordada com temas florais, que teria sido usado pela princesa no seu batizado. A peça, que fazia parte da coleção de Emma Dent, foi autenticada no século XIX.

2) LIVRO

Embora privada do status de princesa, a educação de Elizabeth foi a mais primorosa possível. Aos 6 anos de idade ela já era capaz de responder as cartas do pai com a mesma seriedade de “uma mulher de quarenta”, segundo depoimento do Lord Chanceler Wriothesley. Com 10 anos, a jovem fazia suas lições ao lado do irmão, Edward, em Hatfield. Como muitas jovens ricas da época, Elizabeth foi educada na tradição renascentista. Ela era capaz de falar e traduzir o grego, o latim, francês e italiano. Seu tutor, Roger Ascham, dava informações constantes sobre os progressos da jovem para o rei e sua madrasta, Catarina Parr, por quem Elizabeth passaria a nutrir grande afeto. Acredita-se que foi por influência da sexta esposa de Henrique que a filha de Ana Bolena teria sido readmitida na linha sucessória após a morte de seus irmãos. Em 1544, ela traduziu uma cópia do poema francês The Mirror of the Sinful Soul (O Espelho da Alma Pecadora) e a deu de presente para a rainha, numa edição muito bonita, encadernada pela própria filha do rei, com as iniciais KP (Katherine Parr) bordadas sob tecido. Após a morte de Henrique VIII, em 1547, as duas passaram um tempo morando juntas na casa de Catarina, até que uma situação embaraçosa envolvendo Elizabeth e Thomas Seymour, quarto marido de Catarina, as separou.

3) CARTA PARA MARIA I

Com a morte de Eduardo VI, em 1553, Maria Tudor, filha do primeiro casamento de Henrique VIII com Catarina de Aragão, ascendeu ao trono da Inglaterra. Ela e Elizabeth eram muito próximas no início do reinado, até que uma série de conspirações, envolvendo o nome da filha de Ana Bolena para derrubar Maria do trono, acabou por desgastar a sua relação. A mais notória dessas intrigas foi liderada por Thomas Wyatt, filho do famoso poeta inglês. Por acreditarem que Elizabeth estava envolvida na rebelião de Wyatt, os ministros da rainha convenceram-na a ordenar que a jovem fosse trazida até Londres, onde poderia ser monitorada de perto. Em 17 de março de 1554, ela foi levada para a Torre de Londres. De lá, escreveu uma carta para a rainha, afirmando que “eu nunca pratiquei, me aconselhei nem consenti em nada que pudesse prejudicar a sua pessoa”, apelando também para o laço de sangue que existia entre ambas, ao dizer que rogava a Deus para que “as más influências não colocassem uma irmã contra a outra”. No verso da correspondência podem se ver várias linhas riscadas em diagonal, para que o portador não adulterasse as palavras da prisioneira. O período em que Elizabeth passou na prisão foi uma difícil provação para ela.

4) LUVA DA COROAÇÃO

Com a morte de Maria I em 1558, Elizabeth foi então entronada rainha da Inglaterra. No dia 15 de janeiro do ano seguinte, teve lugar a cerimônia de coroação na abadia de Westminster. Após ter sido apresentada aos quatro pontos cardeais, seguiu-se a prestação do juramento, a unção e a coroação propriamente dita. Uma cópia de um quadro original perdido, de autor desconhecido, retrata com primor a nova rainha envolta nos mantos litúrgicos, em cores ouro e púrpura, aparentemente sentada com a coroa na cabeça, globo e cetro nas mãos. Após o cerimonial, ela recebeu a homenagem de cada um dos pares laicos e eclesiásticos do reino, que se ajoelharam perante a soberana, beijaram-lhe a face e depois tocaram na coroa, comprometendo-se a protegê-la a parti de então. Na foto acima, podemos ver a luva que Elizabeth I utilizou na sua coroação (esquerda) ao lado da luva utilizada por Elizabeth II quatro séculos depois. A peça apresenta um padrão delicado, no qual se pode distinguir uma esfera armilar, símbolo do conhecimento, bordada em fios prateados. Reparem também no cumprimento dos dedos da rainha, que eram muito longos. A soberana tinha mais de 1,70 m, sendo considerada uma mulher muito alta para a época.

5) BOTAS DE MONTARIA

A moda foi uma das forma pelas quais Elizabeth I construiu sua imagem e influenciou centenas de outras mulheres em seu reino. Ao escolher um vestido, joias, perucas e luvas, a rainha procurava passar uma mensagem política, que transparecesse a soberania que ela procurava para o seu governo. Essa composição de elementos foi detalhadamente captada por diversos artistas ao longo das décadas. A arte tinha um papel muito importante como peça de propaganda para a soberana, que podia ser vista ricamente paramentada nos salões de Hampton Court, ou tem trajes mais despojados de montaria, liderando seu séquito a cavalo. Elizabeth foi recordada como uma exímia amazona e podia passar horas cavalgando, cansando um cavalo atrás do outro. Esse par botas teria pertencido à soberana. Ela tinha muitos outros como esse, confeccionados em veludo ou cetim.

6) PAR DE LUVAS

Outro par de luvas que pertenceu a Elizabeth I, de desenho bastante similar ao exemplar usado por ela na sua coroação. Durante o seu reinado, luvas e peles macias eram acessórios caros que as damas da corte costumavam utilizar para denotar posição social. O uso de determinados tecidos, como seda e veludo, e de cores como o púrpura eram permitidos apenas a membros da nobreza e serviam como fator de distinção entre as castas sociais. Durante uma das viagens de verão que a soberana costumava fazer pelo reino, o Vice-Chanceler da Universidade de Cambridge a presenteou com “um par de luvas perfumadas e e enfeitadas com bordados de ouro”, o que deixou Elizabeth muito feliz.

7) PINGENTE

A rainha Elizabeth I adorava jóias e, durante seu reinado, ela acumulou uma vasta coleção de pérolas e pedras preciosas. Porém, muito pouco delas sobreviveu aos dias de hoje, pois a maioria foi vendida ou oferecida como presente por James I e Charles I no século XVII.O pingente acima, também conhecido como “joia da fênix”, mede cerca de 4,5 cm de diâmetro e apresenta o perfil da rainha de forma bastante análoga ao dos antigos imperadores romanos.  Uma corrente ou cordão delicado era enfiado no aro dourado na parte superior, para que o pingente pudesse ser usado em volta do pescoço. A composição da peça reflete o gosto de Elizabeth por bordados detalhados, joias caras e toucados elaborados. Não podemos ter certeza sobre a data exata da confecção joia, embora a representação da rainha seja muito semelhante a um retrato em miniatura pintado por Nicholas Hilliard em 1572.

8) O ANEL DA ARMADA ESPANHOLA

Em 1588, com alguma ajuda dos ventos e da perícia dos corsários ingleses, Elizabeth I conseguiu vencer a armada espanhola lançada por Felipe II. Em comemoração, a rainha comissionou a pintura de muitos retratos e a confecção de objetos para dar de lembrança aos seus cortesãos mais chegados. O anel acima, contendo o perfil da rainha em alto relevo, teria sido presenteado por ela a um dos oficiais da marinha, em sinal de agradecimento. Pesando quase 22,5 gramas, a peça é composta com um material de alta qualidade, com uma moldura em pedra incrustada com rubi, granada, lápis-lazúli e turquesa, circulando o retrato de Elizabeth. A gravura provavelmente foi esmaltada (vestígios de esmalte foram encontrados) e coberta com cristal de rocha para protege-la.

9) TECIDO DE SEDA BORDADO

De acordo com o inventário dos bens de Elizabeth I, feito por ocasião de sua morte em 1603, o guarda-roupas da rainha reunia cerca de 2.000 vestidos, feitos sob medida e com os materiais mais deslumbrantes, como tecidos de ouro, arminho e fios de pérolas. Com a ascensão de James VI da Escócia e I da Inglaterra, a maior parte desse material foi reutilizado em outras peças ou presenteado. Nos anos da chamada Revolução Puritana, o parlamentar Oliver Cromwell desmontou e vendeu quase todos objetos reais, de modo que pouquíssimos itens que faziam referência aos reis Tudor restaram. Até que no ano de 2016, Eleri Lynn, curadora do Historic Royal Palaces da Inglaterra, encontrou um tecido de seda bordado que, após muito pesquisa, concluiu-se que foi usado pela própria rainha Elizabeth.

10) CORPETE

Elizabeth I faleceu no dia 24 de maio de 1603, meses antes de completar 70 anos. Para o seu funeral, foi confeccionada uma efígie de madeira, vestida provavelmente com roupas que pertenceram à própria soberana. Segundo as testemunhas do evento, a boneca da rainha era tão realista, que parecia que estava viva. Apenas a estrutura de madeira do objeto sobreviveu, juntamente com o corpete que ela usava. Preservado hoje na abadia de Westminster, acredita-se que a peça tenha sido usada por Elizabeth nos últimos anos de sua vida, embora outros pesquisadores argumentem que a roupa tenha sido feita especificamente para o seu cortejo fúnebre. Qualquer que seja a resposta, ela denota a silhueta delgada da soberana, que em quase 45 anos de governo nunca se casou, sendo por isso conhecida como “a rainha virgem”. Após sua morte, a Coroa passou para as mãos de James VI da Escócia, que a partir de então se tornou James I da Inglaterra.

Referências Bibliográficas:

COOPER, Tarnya (org.). Elizabeth I and her people. – London: National Portrait Gallery, 2013.

WATKINS, Susan. The public and private worlds of Elizabeth I. UK: Thames and Hudson, 1998.

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