Por: Renato Drummond T. Neto
O período imperial da história do Brasil é marcado por fatos e personalidades que ainda hoje despertam grande interesse pelo público, aguçado nos últimos tempos principalmente pelo lançamentos de novas biografias, romances, novelas e peças de teatro. À medida em que nos aproximamos do aniversário de 200 anos da Independência, figuras como a do nosso imperador D. Pedro I e de sua esposa, Dona Leopoldina, se tornam objeto de debates calorosos em palestras, conferências e museus. As contribuições da nossa primeira imperatriz para o processo de emancipação política do Brasil ganharam destaque desde que boa parte de sua correspondência pessoal foi publicada no ano de 2006, oferecendo assim um precioso testemunho dos bastidores do famoso grito do Ipiranga. Até mesmo os materiais didáticos têm sido reformulados, no intuito de devolver voz àquela princesa austríaca que se considerava “brasileira de coração”. A ficção e a literatura, por sua vez, também tiveram um papel proeminente nesse processo, como podemos observar através da leitura de “Leopoldina e Pedro I: a vida privada na corte”, de Sonia Sant’Anna.
Autora de vários romances ambientados na história do Brasil, Sonia Sant’Anna também colabora com alguns periódicos científicos, como a saudosa Revista de História da Biblioteca Nacional, oferecendo para o leitor um olhar mais humano e diferenciado para o nosso passado. Na breve conversa que tivemos com a Sonia, ela explica pra nós um pouco do processo por trás da escrita dos seu livros: como ela seleciona o material que lhe serve de fonte e quanto tempo demora até a obra ficar pronta. A literatura pode ser uma ponte bem sólida em direção a um conhecimento mais aprofundado sobre determinado assunto, especificamente sobre a vida de Leopoldina e Pedro I, tema de um dos livros mais aclamados da autora. Por meio de cartas e depoimentos da época, ela explora a intimidade dos primeiros imperadores, apresentando ao leitor alguns aspectos do primeiro reinado de forma mais dinâmica e natural. Sonia também nos fala sobre a relevância de Dona Leopoldina para a história do Brasil e de como surgiu seu interesse sobre a vida da primeira esposa de D. Pedro. O resultado dessa conversa você pode conferir logo abaixo:

Sonia Sant’Anna (reprodução: Facebook).
Rainhas Trágicas (R.T.): Sonia, muito obrigado por aceitar nosso convite para responder algumas perguntas sobre seu trabalho como escritora e romancista. Pode nos contar um pouco sobre sua carreira e como surgiu seu interesse por temas ligados à história do Brasil?
Sonia Sant’Anna: Antes de mais nada quero dizer que não sou historiadora e não tenho qualquer formação em História. Meu interesse data da infância, quando meu pai (economista, e não historiador) me contava histórias da História, cheias de aventuras, reis, índios, princesas, combates. Na adolescência, romances históricos de capa e espada eram meus favoritos, e comecei a ler alguns livros de História propriamente dita, com o intuito de saber um pouco mais sobre aqueles heróis.
R.T: Quanto tempo você costuma levar para selecionar material para escrever os seus livros?
Sonia Sant’Anna: No início era um processo demorado, com idas diárias à Biblioteca Nacional ou ao IHGB. Lembro de que, para escrever Inconfidências Mineiras, comprei num sebo os 21 volumes dos Autos da Devassa, para poder consultar em casa e ganhar tempo. Depois, com a Internet, o trabalho ficou mais fácil. Muitos livros e até documentos antigos estão disponíveis online, ao alcance do mouse.
R.T: Enquanto romancista, como você enxerga a contribuição da literatura e da ficção para um olhar diversificado sobre o passado?
Sonia Sant’Anna: O romance histórico pode tomar diferentes formas. Uma história fictícia tem como pano de fundo acontecimentos históricos – por exemplo, O Tempo e o Vento. A História pode ser narrada em linguagem romanceada, quando o autor cria cenas e diálogos baseados em relatos e documentos históricos – Leopoldina e Pedro I. Ou tudo é ficção, mas a ambientação e os costumes e referências se baseiam em pesquisas históricas – O nome da rosa. Todos eles levam o leitor a ver a História com interesse e um olhar renovado
R.T: Além de romances, você também contribui com artigos para periódicos e revistas. Pode falar um pouco sobre as diferenças entre a escrita ficcional e a historiográfica?
Sonia Sant’Anna: Sobre a escrita historiográfica pouco posso falar – como disse acima, não sou historiadora. Mas posso afirmar, sem medo de errar, que o trabalho de um historiador é muito mais árduo: tem que consultar fontes primárias, confrontar versões diferentes de um mesmo fato, ser preciso nos dados. Sua responsabilidade é enorme. Em meus artigos para a Revista de História falo como romancista, sobre como escrevi meus livros. Inconfidências Mineiras, por exemplo, se originou de algo que li num caderno de minha avó, em que falava de sua avó, por sua vez neta de Maria de Jesus, filha de Iria Claudiana, irmã de Bárbara Eliodora, mulher de Alvarenga Peixoto.

Capa da segunda edição de “Leopoldina e Pedro I: a vida privada na corte”.
R.T: Em Leopoldina e Pedro I: a vida privada na corte, você aborda de forma romanceada a intimidade do primeiro casal imperial do Brasil. De onde surgiu a ideia para a escrita do livro?
Sonia Sant’Anna: O desejo de saber mais sobre a imperatriz Leopoldina e falar sobre ela surgiu por acaso. Eu estava no HIGB, pesquisando para meu livro Barões e escravos do café, quando, folheando a revista do Instituto, me deparei com as cartas da imperatriz para sua irmã Maria Luiza, mulher de Napoleão Bonaparte, e para a tia Amélia, casada com o futuro rei da França Luís Felipe. Foram essas cartas que despertaram minha curiosidade sobre a princesa, tão pouco mencionada em livros de História, mas que desempenhou um papel tão importante em nossa Independência.
R.T: Como era o relacionamento entre Leopoldina e Pedro I?
Sonia Sant’Anna: O que sabemos é o que podemos depreender das cartas que ambos deixaram, e do relato de seus contemporâneos. Ela, uma mocinha romântica, gostaria de casar-se por amor. Às princesas não era dado esse direito, mas Leopoldina apaixonou-se pelo homem ao qual as conveniências políticas a destinaram. Não recebendo de Pedro, mulherengo, grosseiro, pouco afeito aos livros, a retribuição que esperava, restou-lhe tornar-se a principal colaboradora do marido na construção de um novo país. Quando até isso lhe foi negado, pois a rival Domitila passou a interferir também nos assuntos de Estado, foi tomada por uma profunda depressão, que talvez tenha contribuído para sua morte prematura.
R.T: Como você observa o papel da imperatriz Leopoldina dentro do cenário político do primeiro reinado?
Sonia Sant’Anna: É difícil resumir em poucas linhas o que foi o tratado da Santa Aliança e qual o interesse das nações europeias nos acontecimentos do Brasil. As nações participantes da Santa Aliança, e a Inglaterra, aliada de Portugal, não poderiam aceitar a independência do Brasil. Francisco I, imperador da Áustria e pai de Leopoldina, viu-se forçado a romper com a filha, já que ela e Pedro eram vistos como usurpadores do trono de D. João. Em inúmeras cartas, Leopoldina mostra ao pai que o Brasil de qualquer forma se tornaria independente, sob a forma de república. Ao se aliar aos partidários da independência, Pedro e ela haviam preservado a monarquia, e, mais, a coroa permaneceria na casa de Bragança. Finalmente a Inglaterra convenceu Portugal a aceitar a independência, mediante uma indenização. Mas Leopoldina, artífice da Independência junto com José Bonifácio, pouco participou dessa importante negociação, que aconteceu na corte paralela mantida pela marquesa de Santos.
Para além do seu envolvimento do processo de emancipação política do país, quais as outras contribuições da nossa primeira imperatriz no processo de formação cultural do Brasil?
Leopoldina foi criada na corte mais culta e sofisticada da Europa. Sua mãe cantava no coro de Haydn, Sua madrasta era amiga pessoal de Goethe. Ao vir para o Brasil, ela trouxe consigo livros, instrumentos científicos, coleções de mineralogia. Em sua comitiva vieram sábios e artistas. Nada disso foi muito valorizado pela corte, mas certamente deixou sementes que desabrochariam durante o reinado de seu filho Pedro II.
R.T: Além do primeiro reinado, qual outro período da história do Brasil você se interessa?
Sonia Sant’Anna: Meus conhecimentos de História são os de uma diletante. Me interesso sobretudo por uma boa história, quando a vejo. Já escrevi sobre as bandeiras e o ciclo do ouro em Goiás, meu estado natal.
Já reli não seis quantas vezes esse livro.
Seis vezes? Talvez. E em cada uma delas,
aventuras diferentes. Uma história, da História, construída de maneira magistral.
Viva a Sônia Sant’Anna!
Viva a Imperatriz Leopoldina!
CurtirCurtir
Parabéns pela entrevista, Sonia. Além do talento, você tem a simplicidades dos grandes.
CurtirCurtir
Gosto muito dos livros de Sonia, pois levam a gente por interessantes e desconhecidos caminhos da História. É uma grande escritora.
CurtirCurtir