Por: Renato Drummond T. Neto
“Caro Schäffer, […] Mande mais 3.000 homens, todos solteiros e moços, sem descontar o número que lhe escrevi de outra vez”. Assim escreveu a imperatriz Dona Leopoldina em 12 de julho de 1824 ao seu credor, Georg Anton von Schäefer, acerca da vinda de imigrantes alemães para o Brasil. A partir de então, a esposa de D. Pedro I, entre os seus muitos epítetos, ficaria conhecida também como a “mãe da imigração alemã”, um elo entre o Brasil e a Europa. Contudo, seria possível que essa faceta da história de nossa imperatriz tenha sido romantizada, assim como tudo o mais ligado à sua atuação diplomática no Brasil? Tal versão foi reproduzida em muitos livros e biografias escritas sobre Dona Leopoldina, no intuito de exaltar sua importância na política do primeiro reinado. Por outro lado, algumas pesquisas têm contribuído bastante no esclarecimento dessa situação, como o importante trabalho de Johanna Prantner e, mais recentemente, a obra de Rodrigo Trespach, “1824”, publicada este ano pela editora LeYa e que aborda o processo de imigração de colonos alemães para o país, a criação das primeiras comunidades no sul, bem como sua participação no surgimento da Igreja protestante e, conforme o próprio subtítulo da obra sugere, de um plano para assassinar D. Pedro I.
Rodrigo Trespach possui vasta contribuição na área de História, tendo colaborado com diversos periódicos, além de ser proprietário de um blog bastante interessante (clique aqui). Autor de muitas obras, sua produção inclui a bem sucedida série “Histórias não (ou mal) contadas, que aborda fatos e acontecimentos pouco ou mal explorados pela narrativa dita oficial. Seu estilo narrativo possui um tem leve e dinâmico, de fácil acesso ao leitor, o que torna seus livros bastante acessíveis para o grande público. Na entrevista que segue abaixo, Rodrigo nos conta um pouco sobre sua paixão pela história e de como surgiu a ideia por trás da escrita de seus livros. Além de falar sobre a participação feminina na política brasileira e mundial e da pouca representatividade que as mulheres tiveram no espaço público até algumas décadas, ele também comenta sobre o protagonismo da imperatriz Dona Leopoldina na história do Brasil e desmitifica a imagem da “mãe da imigração alemã”. Por fim, ele fornece alguns detalhes sobre o lançamento de “1824” e seus planos para o futuro. O resultado dessa conversa você pode conferir logo abaixo:

Rodrigo Trespach (Reprodução: Facebook)
Rainhas Trágicas (R.T.): Rodrigo, muito obrigado por aceitar nosso convite para responder a algumas perguntas para o Rainhas Trágicas. Antes de iniciar nossa conversa, gostaríamos de saber o que o motivou a pesquisar temas ligados à história nacional e do mundo?
Rodrigo Trespach: Renato, agradeço o convite. É um prazer. Sempre fui apaixonado por história, desde criança. Estava no quinto ano no Ensino Fundamental e lia tudo que encontrava sobre história, lia livros que nem eram para minha faixa etária. Tive várias “fases”, lia sobre o Egito – tentei até decifrar hieróglifos, depois veio o interesse pela China, mais tarde pela Era dos Descobrimentos. Com o tempo fui me interessando sobre a história da minha família, comecei a fazer genealogia e isso abre muitos horizontes, muda a forma como vemos o mundo.
R.T: De onde surgiu a ideia para a série “Histórias não (ou mal) contadas”?
Rodrigo Trespach: Eu tinha escrito muito para revistas. Em um primeiro momento, no âmbito regional. Depois de alcance nacional. Sempre achei que a universidade no Brasil dialoga muito pouco com a população de modo geral; é elitista. E a revista é uma forma de aproximar esses dois públicos. Assim, eu tinha muito material sobre a Segunda Guerra e achava que o público leigo só conhecia o conflito por causa de Hitler e o Holocausto. E há muitas histórias que o leitor médio desconhece e, penso, são interessantíssimas – como a participação das mulheres e dos soldados que lutavam em lados contrários ao seu país de origem. Montei um projeto e levei ao Kaíke Nanne, que na época estava coordenando uma joint venture entre a Harper Collins e a Ediouro, para quem eu já escrevia. No lugar de um único livro, acabamos criando a série.
R.T: Em sua opinião, qual personagem da história brasileira teve sua narrativa mais deturpada por uma suposta versão oficial dos fatos?
Rodrigo Trespach: A história como ciência é algo novo, assim como analisar personalidades de um modo mais amplo e menos enrijecido. História não é matemática, embora algumas vertentes historiográficas queiram fazer parecer. O ser humano é complexo. Não sei se há uma “narrativa mais deturpada”, mas há muitas que foram vistas sob um único ponto de vista durante algum tempo e são complexas demais para ser colocadas dentro de um “padrão”. Talvez o maior exemplo dessa complexidade seja Getúlio Vargas.
R.T: Além de autor de livros, você também colabora com periódicos e revistas e possui um blog muito interessante. Pode nos contar um pouco sobre sua atividade como escritor? Quais os maiores desafios e delícias da profissão?
Rodrigo Trespach: O blog eu usei durante muito tempo para exercitar a escrita, divulgar temas de meu interesse e o meu próprio trabalho. Hoje tenho usado menos, salvo para divulgação dos meus livros e artigos. Para as revistas escrevo esporadicamente, já escrevi mais. Muitas revistas deixaram de existir, infelizmente, caso da Revista de História da Biblioteca Nacional, para quem escrevi várias matérias, incluindo reportagem de capa. Era uma revista que tinha a ideia de levar o conhecimento acadêmico para um público não especialista e estudantes.
Escrever ocupa muito tempo do meu dia, mas menos do que a leitura e a pesquisa em arquivos e bibliotecas. Só passo a escrita depois de muito trabalho de pesquisa, que é o lado mais trabalhoso e também o mais emocionante. Quando chego a fase de escrever o livro, já tenho a ideia toda na cabeça. Ai o mais interessante é encontrar um jeito de contar a pesquisa de um modo que atraia e “prenda” o leitor à narrativa. Um texto precisa ser rico não apenas em informações, mas também é necessário ter riqueza em como essa informação é transmitida. Aproximo-me da literatura, que acredito ser o diferencial de um bom autor e o lado ruim da historiografia brasileira. Temos poucos bons historiadores que conseguem “traduzir” suas pesquisas para o grande público. É uma grande falha da academia. Não é a toa que nossos best-sellers em história foram escritos por jornalistas.

A Princesa Real, Dona Maria Leopoldina, por artista desconhecido.
R.T: Em meio a duas guerras mundiais, golpes de estado e movimentos emancipacionistas, emerge a figura da mulher como protagonista do processo histórico. Nesse sentido, o que seus livros nos contam sobre as mulheres na história do Brasil e do mundo?
Rodrigo Trespach: Os quatro livros da coleção “Histórias não (ou mal) contadas” têm capítulos sobre as mulheres, justamente por que elas eram excluídas das narrativas passadas. Até bem pouco tempo, a história era contada (ou vista) sob a ótica do vencedor/herói, grandes personalidades. Isso mudou, a história tem dado campo a personagens marginais, ou antes, pouco explorados. É o caso das mulheres. Procurei contextualizar a participação delas nos quatro períodos tratados e trazer alguns nomes para o palco.
R.T: No caso específico do Brasil, como você avalia o protagonismo feminino, seja na política, na literatura, ou nas artes, durante os diferentes períodos da nossa história?
Rodrigo Trespach: Ele foi mais lento do que no resto do mundo. O Brasil é um país conservador. Mas avançamos muito nos últimas décadas. O que também permitiu resgatar pioneiras que estavam esquecidas ou apagadas. Temos ai uma série de nomes completamente desconhecidos e que estão saindo do garimpo de pesquisadores (as) voltados (as) a essa temática.
R.T: Dona Leopoldina pode ser considerada a primeira mulher a governar o Brasil independente, além de ter contribuído para a nossa formação política e cultural. Na sua opinião, qual seria o maior (ou os maiores) estereótipos ligados à figura da nossa primeira imperatriz?
Rodrigo Trespach: Com certeza o de ser frágil e gorda. Mas como comentei antes, a história e os historiadores eram simplistas. Hoje conseguimos entender muito melhor quem era Leopoldina e como sua imagem era vista por seus contemporâneos por que nos servimos de muitas ferramentas e ciências auxiliares. Junto de historiadores trabalham psicólogos, arqueólogos e outros profissionais que ajudam a pintar uma imagem mais próxima da realidade. E os estereótipos vão caindo.
R.T: Um fato pouco conhecido pelos leitores é que Leopoldina foi patrona da imigração alemã no Brasil. Pode nos contar um pouco sobre o envolvimento da soberana na vinda de alemães para o país, durante o primeiro reinado? Quais eram seus objetivos?
Rodrigo Trespach: Na verdade, tratei do assunto no meu novo trabalho, que está saindo pela Leya Brasil. Em princípio, d. Leopoldina não foi uma grande incentivadora do projeto de trazer alemães para o Brasil. Chegou a escrever ao pai afirmando que não via com bons olhos o projeto de Bonifácio e Schaeffer. Mas acabou se tornando a “Mãe da Imigração” por sua ligação com a cultura e a língua alemã – ela era austríaca e a Áustria liderava a federação de países de língua alemã. Ela chegou a receber os colonos no porto do Rio de Janeiro, servindo de intérprete a d. Pedro I. No imaginário popular, atravessar o oceano, deixar seu país e encontrar num país tão distante uma soberana que falava a mesma língua deles conquistou o coração dos imigrantes.
R.T: Além de Leopoldina de Habsburgo, quais personagens femininas da história do Brasil tiveram suas histórias não (ou mal) contadas?
Rodrigo Trespach: Ah, são muitos nomes. Nomes que está surgindo agora, como Maria Firmina dos Reis, a primeira romancista brasileira. O Brasil precisa conhecer também quem foram as Voluntárias da Pátria, que foram a Guerra do Paraguai, como Antônia Alves Feitosa, ou aquelas que lutaram pelo direito ao voto, como as sufragistas Bertha Maria Júlia Lutz, Luíza Alzira Soriano Teixeira e Mietta Santiago e Elvira Komel.

“1824”, o novo livro de Rodrigo Trespach.
R.T: Saindo um pouco do plano da história nacional, qual narrativa mais o impactou na composição do livro “Histórias não (ou mal) contadas: Segunda Guerra Mundial”?
Rodrigo Trespach: Algumas histórias são até chocantes, como saber que judeus lutaram ao lado de nazistas – havia oficiais de alto escalão do Exército que participaram das atrocidades. Ou, então, saber que a máquina nazista não assassinava somente judeus, mas uma série de minorias religiosas e étnicas e também homossexuais. O que o comunismo fez na Europa também é algo chocante. Toda política adotada pelo nazismo foi adotada também na URSS mesmo em tempos pré e pós-guerra. Stálin foi um dos maiores monstros da história moderna, senão o maior deles.
R.T: Quais são os seus planos para o futuro. Pretende dar continuidade à série “Histórias não (ou mal) contadas”?
Rodrigo Trespach: Estamos lançando 1824, com a história de como os alemães vieram parar no Brasil, com criaram aqui as primeiras colônias, trouxeram a experiência protestante e também como se envolveram em um plano para assassinar d. Pedro I. Livro sai pela Leya Brasil, pelo qual tenho admiração. Também estamos finalizando outro trabalho sobre o Brasil que deve sair no próximo ano. Por enquanto, “Histórias não (ou mal) contadas” vai ficar nos quatro livros atuais.
R.T: Rodrigo, mais uma vez, muito obrigado pelo seu tempo e interesse em responder às nossas perguntas. Antes de finalizarmos, qual mensagem você teria para a leitora e o leitor que estão acompanhando essa entrevista neste momento?
Rodrigo Trespach: Eu agradeço a oportunidade, Renato. E fico honrado com o convite. O Brasil é um país de não-leitores. E os que têm o hábito da leitura não leem muito, nossa média fica bem abaixo da de outros países. Precisamos multiplicar a ideia da leitura como meio de crescimento pessoal e da importância do conhecimento da nossa própria história para que possamos exercer cidadania de forma crítica e consciente. Sempre gosto de lembrar Saint-Exupéry, “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Vamos cativar leitura, educação e conhecimento.
Gostei, acho que já vi algo dele. Interessante como a coleção dele é análoga a História não contada do Paulo Rezutti, inclusive fica a dica, ele é uma pessoa de fácil acesso a meu ver, e tem livros sobre mulheres fantásticas, poderia convida-lo (o Paulo) para dar entrevista no blog.
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Gostei, acho que já vi algo dele. Interessante como a coleção dele é análoga a História não contada do Paulo Rezzutti , aliás fica a dica, ele me parece ser uma pessoa super acessível e tem livros sobre mulheres incríveis, seria uma boa uma entrevista com o Paulo para o blog.
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Oi, Eriberto! Já entrevistamos o Paulo em mais de uma ocasião, inclusive sobre o seu mais recente livro. Dá uma olhadinha no acervo de entrevistas do blog e depois me conta o que achou. Abraços! 😉
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