Comentários da série “The Tudors” – Capítulo 1×03

“Novos acordos são traçados na corte de Henrique VIII Tudor. Por uma virada de jogo, a real política tendeu desta vez para o lado dos espanhóis, em vez dos franceses. E para festejar tal acontecimento, uma belíssima peça é encenada, onde virtudes e vícios estarão à mercê de um ataque à fortaleza de papel. Esse, por sua vez, será o palco para um encontro entre duas almas selvagens, cuja força do amor mudará o destino da Inglaterra para sempre”.

O terceiro episódio de “The Tudors” é um dos mais complexos de toda a primeira temporada. Aqui, temos a presença de novos personagens (muitos deles sob a forma de releitura), e também de acontecimentos e passagens que não conferem com os registros históricos. Sendo assim, faz-se necessário apontar alguns desses “erros” de licença poética, a fim de compreendermos melhor os rumos da trama. Neste capítulo, temos a encenação do Château Vert, uma peça realizada no palácio do Cardeal Wolsey (Hampton Court) para receber os emissários imperiais, na qual Ana Bolena fez sua primeira aparição após retornar da França. A reconstrução do evento ficou magnífica, em minha opinião, especialmente pelo clima de magia que gira em torno de Jonathan Rhys Meyers (Henrique VIII) e Natalie Dormer (Ana).

Clima de amor à primeira vista no terceiro capítulo de "The Tudors": Jonathan Rhys Meyers como Henrique VIII, e Natalie Dormer como Ana Bolena.

Clima de amor à primeira vista no terceiro capítulo de “The Tudors”: Jonathan Rhys Meyers como Henrique VIII, e Natalie Dormer como Ana Bolena.

De acordo com Susan Bordo, foi essa a primeira vez em que o rei reparou com a devida atenção na filha de Sir Thomas Bolena. Entretanto, destoando do clima de romance, o que fica confuso é a fusão que Michael Hirst faz de dois personagens da história original, em apenas um: Margaret Tudor e Maria Tudor, irmãs de Henrique. Na série, o monarca tem apenas uma, Margaret, que deveria se casar com o velho e doente rei de Portugal, assim como Maria fez como Luís XII da França. Todavia, na época do Château Vert (1522), Maria já havia se casado, enviuvado, e então contraído segundas núpcias com Charles Brandon, duque de Suffolk, em 1517. Em termos técnicos, talvez tenha sido mais econômico para a produção cortar personagens secundários do enredo, mas historicamente falando, na série isso ficou um pouco confuso, de modo que é preciso esclarecer esse ponto antes de prosseguir com os comentários.

Com efeito, os fatos encenados se encaixam perfeitamente tanto na história de Margaret quanto na de Maria Tudor, exceto pelas datas e nomes dos agentes envolvidos nisso, uma vez que o rei de Portugal não estava entre os planos matrimoniais de Henrique VIII para a irmã mais nova.  Destarte, a aparente aversão que a Margaret da série (Gabrielle Anwar) sente por Charles Brandon (Henry Cavill) é muito interessante, pois ali temos um homem de baixo extrato social que, movido pelo seu irascível desejo sexual, corteja de forma sutil uma dama que estava proibida a ele. Também fica claro no olhar de Margaret a atração que a princesa sente pelo amigo de seu irmão, tão jovem e diferente do seu noivo velho e doente.

Em cena: Jonathan Rhys Meyers como Henrique VIII, e Gabrielle Anwar no papel da irmã do rei, Margaret.

Em cena: Jonathan Rhys Meyers como Henrique VIII, e Gabrielle Anwar no papel da irmã do rei, Margaret.

No outro vértice da trama, está Ana Bolena e seu “amante”, o poeta Thomas Wyatt (vivido por James Thomas King). Mais uma vez voltando para a história, quando retornou de França, Ana enamorou-se por Henry Percy, agente esse que foi cortado do enredo da série. Nesse caso, há outra fusão de personagens na trama: os dois supostos namorados de mademoiselle boullan. Segundo as biografias escritas por Eric Ives e Antonia Fraser, a referida jovem sequer tivera relações íntimas com Wyatt, tendo sido apenas a musa de alguns dos poemas dele; também não é provável que tivesse copulado com Percy. Mas, como disse em episódios passados, “The Tudors” não se destaca pela fidelidade aos fatos, mas sim pela readaptação dos mesmos, frente ao olhar do século XXI. Sendo assim, a série mostra Ana Bolena, incialmente, como um joguete nas mãos do pai e do tio, o duque de Norfolk, para seduzir o rei e derrubar o cardeal Wolsey. Nesse aspecto, então todo tipo de relação que Ana tivesse com outros rapazes, deveria cessar, pois uma missão mais importante lhe fora incumbida.

Com efeito, o enredo reforça a imagem que muitas pessoas fazem de Sir Thomas Bolena, como um homem capaz de prostituir as próprias filhas para conseguir o que queria. Sob esse aspecto, Nick Dunning agiu perfeitamente de acordo com o papel. As caras de maquiavélico e ambicioso que ele faz, por exemplo, passam para o telespectador justamente o perfil de um homem frio e pai desprezível. Outro personagem que também é extremamente odiado pelo público conhecedor da história, é Wolsey, um príncipe da igreja que mantem uma amante aos seus lençóis e que aceita todo tipo de propina para conseguir o que quer (inclusive trair seus cúmplices, como aconteceu com o secretário do rei, Mr. Pace, interpretado por Matt Ryan). Eu particularmente acho Sam Neill perfeito para o papel de Wolsey. Ele consegue passar para o indivíduo toda a essência do personagem, da mesma forma que Jeremy Northam faz com a mítica figura do religioso Thomas More.

Uma confissão no ar: Catarina de Aragão (Maria Doyle Kennedy) conta ao seu sobrinho, Carlos V (Sebastian Armesto), o medo que tem de ser abandonada pelo marido.

Uma confissão no ar: Catarina de Aragão (Maria Doyle Kennedy) conta ao seu sobrinho, Carlos V (Sebastian Armesto), o medo que tem de ser abandonada pelo marido.

Por falar em More, a cena em que ele queima os livros de Lutero em frente à Catedral de São Paulo a mando do rei, é um ótimo exemplo do catolicismo de Henrique antes do assunto do divórcio com Catarina de Aragão. Como a série mesmo mostra, o monarca escreve um livro condenando os escrito luteranos (conhecido como Em defesa dos sete sacramentos), e o mesmo tempo defendendo o papado e seus dogmas. Crenças essas, por sua vez, também compartilhadas por Catarina de Aragão, que, aparentemente, deseja o marido com todas as forças de seu ser. É impossível, nesse aspecto, não me render mais uma vez a Maria Doyle Kennedy: o modo como ela demonstra a frustração de seu personagem, ao mesmo tempo em que tentar manter a sua compostura, é perfeito.  Destarte, a cena em que ela fala com os embaixadores imperiais em excelente espanhol, é única, exatamente como a verdadeira Catarina fazia.

Antes de encerrar a análise do terceiro capítulo da primeira temporada de The Tudors, não poderia deixar de mencionar a maravilhosa escolha de Sebastian Armesto para o papel do Imperador Carlos V. Foi brilhante, uma vez que suas características conferem em muito com a do personagem original, especialmente pelo queixo protuberante dos Habsburgo. Em uma de suas últimas cenas, Carlos faz uma promessa à sua tia Catarina: de que nunca a deixaria desamparada, caso Henrique quisesse o divórcio. Mal eles suspeitavam que o rei já tivesse dado a largada para uma verdadeira epopeia, em busca de conquistar o amor de Ana Bolena, conforme seu sonho com a mesma lhe ensinara a fazer. Por meio de cartas, poemas e presentes, ele não cansará até ter seduzido a jovem e, nesse processo, o reino de Inglaterra sofrerá um tremendo abalo em suas estruturas, capaz de mudar o destino de todos os atores nesta presente trama.

Renato Drummond Tapioca Neto

Graduando em História – UESC

2 comentários sobre “Comentários da série “The Tudors” – Capítulo 1×03

  1. Como eu falei, resolvi rever a série, para comentar com mais propriedade, e tbm pq fiquei com sdds,kkkkkkkk! Enfim, esse ep fez minha alegria, pq mostrar um pouco mais de Natalie Dormer e sua magnífica Ana não tem preço! Adoro o primeiro encontro deles, os olhares, JRM e Natalie tem uma química incrível, n tem como o espectador n ser arrebatado junto nessa paixão. Quanto as fusões de Mary e Margaret, é uma questão q incomoda muitos fãs de história até hoje, mas como toda adaptação, é um mal necessário. A única coisa q me incomoda um pouco, é o fato de n ter tido o Percy, pois isso faria a jornada de Ana e a queda de Wolsey mais significativa, mas enfim, adaptações e seus cortes. Porém gosto muito do Thomas Wyatt criado pelo James, e acho a cena dele declamando um poema para Ana, particularmente uma das mais bonitas da série, o cenário romântico, a entonação da voz do James, sem contar q Natalie está particularmente mais bonita nessa cena, quase etérea eu diria, como uma boa musa inspiradora.
    Adorei o Carlos V, a escolha do ator foi realmente ótima, e Maria Doyle me emociona cada vez mais como Catarina. Sam Neil e seu Wolsey são fantásticos, tenho raiva e adoro ele ao mesmo tempo,kkkkkkkk!
    Ótima análise Renato,bjs!

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    • Muito Obrigado, Camila.
      Achei bastante interessante o seu comentário, especialmente por você ter citado a cena em que Wyatt declama um poema para Ana, pois mostra bem claro como ele a tomava por musa inspiradora. Também penso que Henry Percy deveria ter sido acrescentado na trama, pois dessa forma, mostraria que a raiva que Ana tinha pelo cardeal era algo mais pessoal, do que simplesmente movida pelas ambições de Norfolk e Thomas Bolena.
      Abraço!

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