“Fazia uma bela manhã em Urbino (Itália), quando o embaixador inglês foi chamado às pressas para uma audiência no Palácio Ducal. No meio do caminho, ele encontra soldados franceses que, por sua vez, o seguem. Confiante em sua segurança, o diplomata continua a andar, quando, em um amplo salão de pedras brancas, é covardemente esfaqueado. Antes que pudesse finalmente tombar, murmura uma praga contra seus assassinos, até que morte lhe dá o seu fatal beijo e então o sangue da vítima jorra pelo chão, como uma mancha vermelha no meio da claridade imaculada”.

Violência e intriga moldam a primeira temporada de “The Tudors” (cena: o embaixador inglês assassinado no Palácio Ducal de Urbino).
É assim que se inicia uma das produções modernas mais conhecidas do público em geral sobre o polêmico reinado de Henrique VIII. Tal passagem passa ao telespectador uma mensagem bastante clara e que dará o tom dos capítulos seguintes da primeira temporada de “The Tudors”: violência e intriga. Entretanto, o recado não estaria completo, se não fosse pela ausência de um elemento que só se fará presente ao longo deste episódio, ou seja, o sexo. É essa a principal baliza que move a indústria audiovisual hoje em dia e que tem o poder de conquistar públicos. Mais interessante ainda seria trazer esses elementos para uma época passada, que tem como pano de fundo uma corte decadente e inúmeras conspirações. Nesse caso, aspectos como precisão histórica ficam para o segundo plano, pois o que Michael Hirst (escritor da série) quer é trazer conceitos do presente para determinado período que, em si, já é provocante o bastante, como, por exemplo, a Inglaterra da primeira metade do século XVI.
Entretanto, uma série que envolve sexo, violência e intrigas, não se faz sozinha. É preciso, por tanto, um elenco composto de atores esteticamente bem dotados, aliado a um figurino provocante, para assim fazer a mágica acontecer. Isso fica evidente nas cenas protagonizadas por Jonathan Rhys Meyers, que interpreta o jovem rei. O tipo de homem que pela manhã dorme com sua amante e em algumas noites com sua própria esposa, apenas para fazer um herdeiro para a coroa. Um dos aspectos mais caricatos de Meyers é que ele não faz exatamente o estereótipo de soberano que estamos acostumados a ver. Diferentemente do verdadeiro Henrique VIII, que era a pessoa mais alta da corte, Jonathan não se sobressai pela sua estatura; cabelos ruivos e lábios pequenos, ele não os possui. Porém, sua atuação brilhante consegue dar magnetismo ao papel que interpreta. Ele consegue captar perfeitamente todo o ardor da juventude de Henrique, assim como sua paixão pelos esportes, mulheres e pela guerra.

O sexo, por sua vez, é um dos elementos mais marcantes do episódio (cena: Henrique VIII com sua amante, Bessie Blount).
Ao seu lado, contudo, temos uma esposa calma e devotada ao catolicismo, ansiosa apenas por ser-lhe uma boa consorte em “todos os sentidos”. Assim como Meyers, Maria Doyle Kennedy não tem as mesmas características da real Catarina de Aragão, exceto pelos olhos de um pálido azul. Todavia, ela transparece perfeitamente a essência de sua personagem, sendo uma das atrizes que interpretaram a primeira esposa de Henrique VIII que eu mais gostei. A linhagem real de Catarina não deixava dúvidas quanto ao seu alto nascimento, tal como a do duque de Buckingham (vivido por Steven Waddington). Todavia, diferentemente da rainha, o duque tinha em sua consciência de que ele era o rei de direito e, sendo assim, começa a armar um complô para assassinar o “usurpador”, e assumir ele mesmo o trono. Esse aspecto, por sua vez, foi muito bem demonstrado por Waddington, inclusive as humilhações pelas quais Buckingham passa diante da intransigência de cortesãos como Charles Brandon (Henry Cavill), que deflorou a filha do nobre.
Em termos de precisão histórica, não foi à filha do duque que estava envolvida em tal escândalo, mas sim sua irmã, e não com Brandon, mas com o próprio rei. Outro aspecto bastante fictício é o fato de Buckingham conspirar com Norfolk (Henry Czerny) e Thomas Bolena (Nick Dunning) para matar Henrique. Porém, como “The Tudors” não é uma série que se preocupa com a veracidade dos fatos, então não vamos ficar nos atendo a detalhes como esse. Afinal, ela possui inúmeras características visuais que a tornam bastante interessante, principalmente os locais onde as cenas foram gravadas, como o Palácio de Greenwich e Hampton Court, lar do pomposo cardeal Wolsey. Sam Neill é um dos atores que compõem o núcleo central do elenco nessa primeira temporada, e interpreta um dos personagens mais interessantes da corte henriquina também. Suas intenções de ser responsável pela paz na Europa e com isso subir a trono de São Pedro foram muito bem demonstradas, assim como a função de estadista do dito cardeal.

A rainha Catarina de Aragão, representando o núcleo religioso da série (cena: Maria Doyle Kennedy, como a primeira esposa do rei).
Por falar em Thomas Bolena, foi praticamente desnecessária sua inclusão neste episódio, assim como de suas duas filhas, Mary e Ana Bolena. É certo que nos próximos capítulos elas terão uma função bastante significativa, mas não nessa fase inicial. Aqui, quem merece destaque é Elizabeth Blount, amante de Henrique. Até hoje não se conhece nenhum retrato contemporâneo dela, mas podemos imaginar que Ruta Gedmintas fez uma belíssima aparição no papel desta notável senhora, que depois de saciar o rei por alguns anos e engravidar dele, foi descartada pela política do cardeal Wolsey e também pelos desejos sexuais do Soberano. Como um homem jovem e também rei, Henrique procurava em outras mulheres algo que não encontrava no próprio leito conjugal. Com o tempo, passaria a se perguntar se seu casamento estava amaldiçoado, por ter desposado a viúva de seu irmão, mas, por hora, ele tinha apenas um desejo: tornar seu nome “imortal”.
Renato Drummond Tapioca Neto
Graduando em História – UESC
Oi Renato,estou achando fantástica sua análise sobre a série até mesmo porque a tenho e também sou fã desse período da época inglesa. o que tenho a mencionar se trata das características físicas da rainha Catharina,que segundo Antonia Fraser em As seis mulheres de HenriqueVIII
a descreve como loira e olhos azuis,e extremamente baixa além, de possuir uma voz retumbante….
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Muito obrigado, Juliana. Como eu falei no post, “Maria Doyle Kennedy não tem as mesmas características da real Catarina de Aragão, exceto pelos olhos de um pálido azul”, mas a atuação dela é uma das melhores. Pra mim, ela captou a essência da verdadeira Catarina, sua dignidade, orgulho espanhol, compassividade, religiosidade, entre utras características. Abraço! 😀
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Análise perfeita, que me deu vontade de rever a série (sim, ainda tenho ela no meu PC,kkkkkkk)!! E inicialmente o que comentar Jonathan Rhys Meyers é tão intenso, que ele compensa totalmente por não ter nenhuma característica física com o Henry VIII, ele é um dos meus atores preferidos e foi a escolha perfeita pro papel! Maria Doyle Kennedy foi a atriz q me fez gostar da Grande Rainha Catarina de Aragão, e me fez pesquisar mais sobre ela, ela é muito perfeita (e adoro o seu sotaque espanhol)! Sam Neil é esplêndido como Wolsey! Bjs e aguardarei ansiosa as outras reviews!
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Muito Obrigado, Camila. Provavelmente todo sábado estarei publicando uma. Mal posso esperar pra escrever sobre os capítulos em que a Natalie Dormer tem um papel significativo… rs. Abraço!
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Já tinha ouvido falar e visto muito conteúdo sobre The Tudors, mas só agora comecei a ver e estou a gostar bastante! Realmente, mais do que a juventude de Henrique VIII, faz-me um pouco de confusão a diferença nítida entre ele e Catarina Aragão. É certo que ela era 5/6 anos mais velha que o rei, mas ainda assim acho que essa diferença está demasiado acentuada.
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