A intriga do colar da Rainha – Parte I

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Napoleão uma vez falou que a chamas da Revolução Francesa foram insufladas por desastres domésticos, envolvendo altos membros da corte. Contudo, uma peça fundamental nesse processo fora um caso envolvendo uma jovem plebeia, um cardeal da Igreja, um membro da família real, e o mais magnífico colar de diamantes de toda a Europa. A trama, que ficou conhecida como L’affair Du Collier (o caso do colar), fora a gota final que faria transbordar um rio de calúnias contra Maria Antonieta, acabando por desacreditá-la de forma irreparável perante seus súditos. Essa estória já serviu como tema de diversos romances e produções cinematográficas, principalmente por seu caráter escandaloso, e ainda hoje consegue envolver o indivíduo com uma verdadeira áurea de difamação e curiosidade pertinente ao comportamento dos homens. Mas como uma joia poderia causar tamanho alvoroço em meio à população e às outras cortes do continente? Essa pergunta sugere inúmeras repostas, porém nenhuma completamente definitiva. O fato é que a monarquia jamais conseguiria expiar este duro golpe, que em muito contribuiu para a derrocada do sistema no ano de 1792, flagelando para sempre a figura da Rainha da França.

Em 12 de julho de 1785, Maria Antonieta estava completamente absorta com as preparações para a peça O Barbeiro de Servilha (da autoria de Beaumarchais), peça em que ela e sua troupe des seigneurs estaria encenando para um grupo seleto de cortesão no pequeno teatro do Petit Trianon, com a rainha no papel de Rosine. De repente, fora notifica de que seu joalheiro, Carlos Augusto Boehmer, requisitava-lhe uma audiência. Recebendo-o rapidamente depois da missa, ele entregou nas mãos da soberana uma confusa nota, em que dizia:

“Madame,

“Estamos no ápice da felicidade ao ousarmos pensar que a última combinação que nos foi proposta e à qual nos submetemos com zelo e respeito seja uma nova prova de nossa submissão e devoção às ordens de Vossa Majestade. Temos real satisfação ao pensar que o mais lindo conjunto de diamantes do mundo estará a serviço da maior das rainhas” (apud FRASER, 2010, pag. 256).

Maria Antonieta, por Adolf Ulrich Wertmüller.

Maria Antonieta, por Adolf Ulrich Wertmüller.

Por anos, Boehmer, juntamente com seu sócio Paulo Bassenge, havia prestado seus serviços para a coroa francesa. Uma de suas maiores clientes fora Madame Du Barry, outrora amante de Luís XV. Para ela, a dupla havia criado um adereço batizado com o nome de “O Colar do Escravo”, composto de 647 diamantes e pesando 2.800 quilates, mas infelizmente não conseguiram concretizar a venda devido ao fato do falecimento do rei. Sendo assim, seus olhos e esperanças haviam-se voltado para uma nova compradora: Maria Antonieta, que agora ascendia ao trono.

Sabendo dos gostos extravagantes e dispendiosos da nova rainha da França, a dupla finalmente acreditara ter encontrado a pessoa perfeita para vender aquele estupendo artefato, nascido da vaidade humana. Porém, o colar era extremamente complicado e com muitas voltas, o que, por sua vez desinteressou Maria Antonieta, além do fato dele ter sido pensado originalmente para alguém de quem ela não gostava. Seu marido oferecera-se para pagar pela joia, que era muito cara, mas ela mesmo assim recusara. Segundo Antonia Fraser, a rainha não era o tipo de mulher que costumava utilizar adereços no pescoço, algo que pode ser comprovado pelos retratos da mesma. Sua resposta, na ocasião, era que já considerava seus porta-joias “ricos o bastante”. Boehmer, entretanto, não se desesperou: tratou de enviar uma cópia do colar para as demais cortes da Europa. Mas à medida que recebia respostas negativas das mesmas, e os juros pela compra das pedras aumentava, sua situação passou a mudar. Tentara, então, uma nova entrevista com a rainha, em que esta categoricamente o rechaçava mais uma vez ao dizer que a França necessitava mais de navios de guerra do que de diamantes. Como era o joalheiro oficial da corte, Boehmer se sentiu frustrado, pois Antonieta decididamente não queria o colar, o que poderia diluir a reputação dele.

Louis Auguste Le Tonnelier, Barão de Breteuil (por François-Guillaume Ménageot)

Louis Auguste Le Tonnelier, Barão de Breteuil (por François-Guillaume Ménageot)

Dessa forma, a carta que a soberana recebera do joalheiro era bastante confusa, e por isso resolveu ateá-la ao fogo. Nem ela, nem sua primeira dama do quarto de dormir haviam entendido o significado da missiva, e passaram a acreditar que Boehmer estaria ficando louco, ou criara alguma nova joia para a rainha, e por isso Maria Antonieta resolvera deixar bem claro de que não gostava mais de diamantes e que “se tiver dinheiro para gastar, prefiro aumentar minhas propriedades em Saint Cloud”. Mas a verdade era que as duas estavam completamente enganadas, pois o fio que tecia aquela estória era muito mais cumprido do que qualquer uma podia imaginar. Pouco tempo depois de entregar a estranha carta para a rainha, Boehmer voltara em completo alvoroço, dizendo a Madame Campan que se Antonieta não pagasse pelo colar que adquirira de suas mãos, ele estaria arruinado. Sem saber como agir, pois até onde sabia sua senhora não comprara quaisquer joias, a dama escutou com atenção o que aquele homem falava. Ele lhe dissera que o cardeal de Rohan, antigo desafeto da rainha, havia comprado no nome desta o famoso colar, e lhe entregara promissórias assinadas por ela. O joalheiro queria garantias de que a primeira prestação da compra (de 400 mil livres) seria paga em primeiro de agosto, conforme o combinado. Suspeitando de que ele havia sido enganado, madame Campan disse a Boehmer para que ele fosse dizer tudo o que sabia para o Barão de Breteuil, ministro da residência do rei.

Boehmer e Bassenge contaram para Breteuil tudo o que sabiam sobre a venda do colar. Afirmaram que resolveram se dirigir à Maria Antonieta com aquela nota devido ao fato de em 10 de julho o cardeal os ter convocado, em nome da rainha, para pedir-lhes um desconto no valor da peça, que custava 1.800.000 livres (em câmbio atual, aproximadamente oito milhos de dólares). Além de conseguir fazer com que a peça passasse a custar 200.000 livres a menos, Luís de Rohan pedia aos vendedores uma prorrogação no prazo do pagamento da mesma, e em compensação a primeira parcela em vez de ser de 400 mil, seria de 700 mil livres. Como estavam atolados de dívidas, os joalheiros não tiveram como recusar. O Ministro da casa, por sua vez, lhes aconselhou cautela e que agissem como se nada estive acontecendo. Todavia, algum tempo depois, o banqueiro Saint-James informara que o cardeal pedira a ele um empréstimo de 700 mil livres em nome da soberana, e que só não cedera à quantia porque deseja ordens diretas de Antonieta para assim proceder. Ao saber do ocorrido, a rainha ficou chocada. Há anos que ela e Rohan não trocavam uma palavra, devido ao fato das maldosas falácias que este fizera da corte de Viena no período em que atuou como embaixador. Tomada pelo desejo frenético de deixar o rei inteirado dos acontecimentos, ela só fora atrasada devido às conversações do ministro da residência com o Abade de Vermond.

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Madame Campan, por Joseph Boze (1786).

Em 14 de agosto, véspera do dia da Assunção (onomástico da rainha), Breteuil contou a Luís XVI sobre a maquiavélica trama. No dia seguinte, uma grande multidão enchera a Galeria dos Espelhos do Palácio de Versalhes. O Cardeal de Rohan esperava com impaciência os soberanos para saber o protocolo da missa daquele dia, quando fora avisado de que o rei o aguardava no salão do conselho. Ao chegar lá, o clérigo se viu numa espécie de tribunal, com Luís XVI, a rainha, acompanhados por Breteuil, Vergennes e Miromesnil (lorde chanceler), com seus olhos inquisidores voltados para a figura de escarlate que acabara de adentar no recinto. Indignado, o rei perguntara ao cardeal se ele comprara diamantes de Boehmer em nome de Maria Antonieta e o que fizera com eles…

“– Tenho a impressão de que foram entregues à rainha – responder Rohan”.

“– Quem vos encarregou disso? – perguntou o rei”.

“– Uma dama chamada Condessa de Lamotte Valois – foi a resposta do cardeal . Ele acrescentou que, ao receber uma carta da rainha das mãos da condessa, acreditou que agradaria Sua Majestade aceitando a missão” (apud FRASER, 2010, pag. 260).

Enraivecida, a rainha se dirigiu ao cardeal com amargas palavras, ressaltando que a mais de oito anos não lhe dirigira sequer uma letra, e que, portanto, não confiaria a ele qualquer tarefa. Sem entender nada do que estava se passando, Rohan olhou para sua soberana com tanta falta de respeito que ao ser expulso da sala, Maria Antonieta caíra em lágrimas. Em seguida, enquanto cruzava novamente a Galeria dos Espelhos, fora surpreendido com os gritos do lorde Chanceler de “prendam o cardeal”.

4 comentários sobre “A intriga do colar da Rainha – Parte I

  1. “Os três mosqueteiros, eram protetores da rainha de acordo do livro de Alexandre Dumas.E assisti vários filmes sobre essa passagem deste famoso colar.Atos, Portus e Aramis lutaram muito para defender a rainha do roubo do colar.Mas não sabia da verdadeira historia do ourives. Gostei, Renato….

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    • Oi, Mary. Na verdade, esse é outro colar, não o da História dos três mosqueteiros de Alexandre Dumas, que envolveu a rainha Ana (esposa de Luis XIII) e o cardeal de Richelieu. O caso do Colar de Maria Antonieta se passa já no final do século XVIII, enquanto o outro em princípios do século XVII 😀

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