Parte V.I – Uma garotinha para Ana.
Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Para o nascimento do futuro príncipe de Gales, foram planejadas inúmeras festividades, incluindo torneios, justas, queima de fogos e grandiosos banquetes. Os pais da criança estavam jubilosos e a nova rainha em uma posição extremamente vantajosa. Como era costume na época, é provável que no período de gestação Ana e o rei tivessem cessado de manter relações sexuais, por medo de prejudicar o bebê de algum modo. Os Bolena logo ficaram em alerta, por temer que nesse tempo Henrique tomasse uma amante para apaziguar seus desejos carnais. Todavia, não sobrou qualquer registro de aventura extraconjugal que ele pudesse ter mantido durante a gravidez de sua segunda esposa (FRASER, 2010, p. 265). Pelo contrário. Seu comportamento para com ela era dotado de extrema atenção e carinho, pois afinal ela carregava no ventre o rebento real, por quem o rei usara de intermináveis recursos para obter.

Ana Bolena, por artista desconhecido.
Em 11 julho de 1533, quando a rainha já estava em estado avançado de gestação, chegou de Roma uma bula na qual o Papa declarava quaisquer filhos provenientes da nova união do rei inválidos, e o excomungava, a menos que retornasse para Catarina de Aragão e repudiasse a “concubina” (FRASER, 2010, p. 263). Mas isso em pouco ajudava a situação da princesa viúva, ou de sua filha Maria, que era repudiada pelo próprio pai. Enquanto isso, mademoiselle Boullan abandonava a vida pública em 26 de agosto daquele ano, duas semanas antes de dar à luz o herdeiro do trono. Segundo Antonia Fraser, “a rainha Ana recolheu-se a seus aposentos com antecedência para aguardar o nascimento do filho homem. O precedente era extremamente importante naqueles casos, muito embora tivesse havido uma mudança de rainha” (FRASER, 2010, p. 267). O tempo que uma soberana passava no confinamento variava na medida em que esperava para sentir as dores do parto. No caso de Ana, pensava-se que a criança era prevista para depois de agosto, pois segundo o rumor, o rei e sua Lady se casaram em 14 de novembro de 1532.
Dessa forma, não necessitariam usar da desculpa de um parto prematuro para que a criança escapasse da acusação de bastardia, uma vez que um filho concebido antes do casamento era considerado ilegítimo. No dia 7 de setembro, Ana finalmente deu à luz um herdeiro para a coroa, mas não era o tão esperado menino que apaziguaria o reino da Inglaterra, e sim uma linda garotinha, que recebeu o nome de Elizabeth, em homenagem à mãe do rei (Se fosse homem seria nomeado de Eduardo ou Henrique). Segundo relatos hostis, o rei tomou-se de raiva e ressentimento ao saber da notícia, e teria culpado a esposa pelo infortúnio. Entretanto, a criança era perfeitamente saudável, e Henrique regozijou-se com esse fato: se Ana foi capaz de gerar uma filha bem formada logo na primeira vez que engravidou, então era um sinal de que filhos homens também viriam a seguir. Susan Bordo (2013, 75-76) aponta para o fato de que na Europa do século XVI, o índice de mortalidade infantil era muito alto, de modo que o nascimento de uma criança saudável, fosse ela do sexo masculino ou feminino, não constituía motivo pra tanta frustração. Não obstante, a pequena Elizabeth era a imagem viva do pai, com sua pele leitosa e bastos cabelos ruivos.

Thomas Cranmer, Arcebispo da Cantuária e padrinho da Princesa Elizabeth (por: Gerlach Flicke).
Entretanto, todos os festejos programados para a ocasião foram cancelados. Podemos avaliar a natureza do constrangimento causado pela situação através de uma carta em que a rainha emitiu para as demais cortes anunciando o nascimento de sua filha. Como se acreditava que a criança que Ana esperava era um menino, então o documento já estava preparado para ser entregue. Nela, continha o seguinte texto:
E por ter agradado a bondade de Deus Todo-Poderoso, em sua infinita mercê e graça, enviar a nós, neste momento, a bênção no parto e o nascimento de um príncipe (…). A Deus Todo-Poderoso, profundos agradecimentos, glória, louvor e exaltação; e rezar pela boa saúde, prosperidade e continuada preservação do referido príncipe (apud FRASER, 2010, p. 268).
O curioso desse trecho é que príncipe, em inglês, se escreve “prince”, enquanto que princesa “princess”. Desse modo, apenas acrescentou-se as duas letras “s” no final da palavra “prince” para reaproveitar as cartas que já estavam redigidas. Interiormente, o rei poderia estar desesperado. Afinal, arriscou seu reino e sua alma diante de Deus, por uma filha, quando tudo que ele queria era um varão? Os que pensavam assim começaram a caçoar dele, enquanto o mesmo tentava manter o equilíbrio pessoal.

Carta anunciando o nascimento da princesa Elizabeth
Contudo, Ana não se esqueceu da antiga rainha, Catarina de Aragão, que para ela estaria jubilosa com seu malogro em produzir um menino. Solicitou à reclusa princesa viúva, estabelecida em The More, a roupa de batismo que ela trouxe da Espanha especialmente para ocasiões como essa. Catarina prontamente recusou-se a oferecer qualquer ajuda a um “caso tão horrível como este”, segundo suas palavras. A pequena Elizabeth teve como padrinhos Thomas Cranmer e Agnes, duquesa viúva de Norfolk. Após a cerimônia de batizado, conforme a tradição, toda a corte se dirigiu ao quarto da rainha para prestar-lhe suas homenagens pelo fato de ter sobrevivido ao parto e dado ao rei uma prole saudável. A princesa logo foi declarada pelo arauto real como sendo o primeiro filho “legítimo” do rei, em detrimento da princesa Maria, filha de Henrique e Catarina. Segundo Antonia Fraser:
Na lei canônica, era possível que a situação de filhos cujos pais, como Henrique e Catarina, tivessem se casado de boa fé fosse regularizada: em situações assim, a Igreja não agira como rigor”. Antes de Ana dar á luz a situação da princesa foi tratada com cautela, visto que a rainha poderia morrer de parto ou a criança nascer defeituosa. Nesse caso, seria insensatez declarar uma herdeira saudável, como Maria, ilegítima. Só após o nascimento de Elizabeth que essa situação mudou (FRASER, 2010, p. 269-270)
Embora a dissolução formal do casamento de seus pais tivesse sido declarada em maio de 1533, até então nenhum passo tinha sido dado para declara-la teoricamente ilegítima. Por enquanto, a nova rainha se encontrava com um desafio nas mãos: precisava gerar um herdeiro varão para a coroa e o quanto antes, melhor.

Cena do nascimento de Elizabeth na série “The Tudors”
Referências Bibliográficas:
BORDO, Susan. The creation of Anne Boleyn: a new look at England’s most notorious queen. – New York: Houghton Mifflin Harcourt, 2013.
DUNN, Jane. Elizabeth e Mary: primas, rivais, rainhas. Tradução de Alda Porto. – Rio de Janeiro: Rocco, 2004.
FRASER, Antonia. As Seis Mulheres de Henrique VIII. Tradução de Luiz Carlos Do Nascimento E Silva. 2ª edição. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010.
IVES, Eric W. The life and death of Anne Boleyn: ‘the most happy’. – United Kingdom: Blackwell Publishing, 2010.
Nota Especial:
*O post de hoje é dedicado à memória de Catarina de Aragão, que faleceu a 7 de janeiro de 1536, assim como à de meu mui amado pai, Jorge Luís Ribeiro Tapioca, que hoje estaria completando 46 anos de vida!