Mademoiselle Boullan: Uma história de amor e ódio na corte dos Tudor – Parte III.I

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Parte III.I – Um casamento, a priori.

A bela e Jovem Catarina de Aragão, pintada por Sittow Michael.

Para compreender os motivos pelos quais Henrique VIII decidiu se separar da esposa, primeiro é preciso remontar os passos desta, compreendendo assim uma viagem que se inicia na Espanha, quando os Reis Católicos estavam em campanha contra os mouros de Granada. Catarina de Aragão (ou Catalina, como era conhecida em seu país de origem), por sua vez, era filha legítima dos dois mais famosos monarcas da História do cristianismo: Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão. Nascera praticamente no meio do campo de batalha, em 1485, e desde cedo fora prometida em casamento ao filho mais velho do rei Henrique VII da Inglaterra, Arthur. A dinastia Tudor acabara de chegar ao poder naquela ilha, há anos devastava pela guerra das duas rosas. Sendo assim, um casamento com uma potência estrangeira ajudaria a solidificar os alicerces da autoridade do novo rei, e a vítima já havia sido escolhida: a infanta mais jovem da casa real dos Trastâmaras. Destarte, sua mãe, a rainha Isabel, providenciou-lhe uma excelente educação, nos moldes do catolicismo; tornara-se fluente em mais de uma língua, como, por exemplo, o latim e o francês, e passava horas a deleitar-se com os inúmeros livros da biblioteca de seus pais, além de ser uma hábil costureira.

Em 1501, já com 16 anos, fora enviada à corte Inglesa e condecorada com o título de Princesa de Gales, em virtude de seu matrimônio com o Príncipe Arthur. Entretanto, para infortúnio de Catarina, o jovem príncipe era de saúde precária e morreu seis meses após a celebração de casamento. Contudo, uma dúvida pairava na cabeça de todos os cortesãos: teriam os dois jovens consumado ou não a união? Essa dúvida permanece até hoje aos olhos dos pesquisadores, que divergem em suas opiniões. Em nota final no romance “A Princesa Leal”, Philippa Gregory nos diz:

“… Acho que o seu casamento com Arthur foi consumado. Certamente todos assim acreditaram na época; foi a insistência de dona Elvira depois de Catarina enviuvar, e a própria insistência de Catarina na época de sua separação de Henrique que colocou a consumação em dúvida…” (GREGORY, 2009, pag. 443).

Rei Henrique VII da Inglaterra, por artista desconhecido.

De fato, quando o príncipe de Gales morreu, muitos acreditaram que Catarina poderia carregar seu filho, mas à medida que seu corpo não apresentava mudanças, essa esperança logo desapareceu. Dona Elvira, representante da rainha Isabel em Inglaterra, afirmou que sua protegida ainda era virgem, o que, em minha opinião, não era impossível, dada à precoce idade dos noivos (ela tinha 16 e ele 15) e à fragilidade física de Arthur.

Contudo, a afirmação que o príncipe teria feito após a lua de mel do casal, de que passara a noite “no meio da Espanha” é bastante confusa. O mais provável é que este estivesse a contar vantagens por uma coisa que não fez, pois se assumisse o fracasso, seria ridicularizado diante da corte, e reprimido pelo próprio pai. De acordo com Antonia Fraser,

“Num período em que os casamentos eram, com frequência, contratados por motivos de Estado entre crianças ou entre seres em torno das fronteiras da infância e da adolescência, tomava-se mais, e não menos, cuidado quanto ao momento da consumação. Uma vez oficialmente completado o casamento, poderiam passar-se alguns anos para que se julgasse que o momento adequado chegara…” (FRASER, 2010, pag. 44).

Para uma mulher de mentalidade extremamente cristã como a de Catarina, o que estava em jogo não era apenas o destino que acreditava ser o seu, o de tornar-se rainha da Inglaterra, mas sua alma imortal perante Deus. Confiando na palavra da filha, o rei Fernando recorrera ao papa Júlio II para emitir uma bula que liberasse uma nova união entre a princesa viúva e Henrique, irmão de seu finado marido. Porém, tal documento constava uma cláusula na qual o casamento tornava-se válido caso a princesa fosse virgem ou não.

Arthur Tudor, príncipe de Gales (cerca de 1500),por artista desconhecido.

Esse ponto demonstra diversas interpretações: primeiro que os reis católicos queriam sua filha no posto para o qual nascera, o de soberana; segundo, que Henrique VII queria garantir a outra parte do dote da noiva que ainda não havia sido paga. Então, com a dispensa pronta, começaram-se os preparativos para um novo contrato de casamento entre uma mulher de quase 20 anos e um rapaz de 11. Porém, muitos anos se passariam até que aquela princesa alcançasse seu destino. Desde a morte de Arthur, em 1502, até a coroação de Henrique VIII, em 1509, Catarina passaria anos difíceis na Inglaterra, com pouco orçamento para manter sua casa e criadagem. O rei, à medida que Fernando não pagava o restante do dote, pouco se interessava pelo destino dela (embora tenha cogitado a possibilidade de ser casar com a própria, o que foi duramente recusado pelos pais da moça). Quando sua sogra, Isabel de York, morreu, em 1503, e a rainha Isabel um ano depois, a princesa viúva não tinha ninguém que intercedesse a seu favor. Os embaixadores espanhóis pouco faziam para recomendá-la ao favor de Henrique VII, já muito doente. A situação da infanta havia-se tornado, então, um impasse para as coroas de Inglaterra e Espanha.

Todavia, logo a sorte agiria em seu favor, quando o seu sogro morreu, passando a coroa para o jovem príncipe Henrique, com apenas 17 anos. Tão logo subiu ao poder, o novo rei tratou de tomar por esposa a viúva de seu irmão, coroando-a Rainha. A nação podia orgulhar-se então de ter em seu trono uma piedosa senhora cristã e um soberano tão bem dotado que, à época, fora chamado de o monarca mais lindo da Europa. A felicidade daquela dama de 24 anos não podia ter mais fim, pois finalmente ela conseguira o que acreditava que era sua missão. Uma vez no poder, tornaram-se vivíeis as suas qualidades, tanto como esposa, quanto como soberana. Segundo um de seus principais biógrafos:

“Catarina pensou sempre que seu dever primordial era aconselhar o marido e o fato de que a caridade e a educação absorveram seu tempo, não significa dizer que parara de se interessar pela política externa. Porém, estava começando a compartilhar os ideais pacifistas de More, Colet e Erasmo…” (MATTINGLY, 1942, pag. 235). ¹

A partir do excerto acima, percebemos como a rainha se interessava pelos ideais do humanismo, legando seu patronato, inclusive, aos principais pensadores da época e a grandes universidades, com Cambridge. Tornara-se uma mulher cada vez mais amada pelos súditos, por seu caráter bondoso e compassivo. No entanto, ao passo em que não gerava um herdeiro saudável para a coroa, o desapontamento do rei começa a surgir.

Jovem Henrique VIII, em 1509, por artista desconhecido.

Em 1509, havia abortado uma garota, mas como era sua primeira gestão, não significava que algo estivesse errado. O ano de 1511 trouxera mais felicidade para o casal, quando um príncipe chegou. Organizaram-se torneios e festas para celebrar o nascimento do pequeno Henry, que, infelizmente, viveria pouco mais de um mês. Ao todo, Catarina engravidara sete vezes, das quais apenas uma menina sobrevivera: a futura Maria I. Mas Henrique não queria como sua sucessora uma mulher, e sim um varão capaz de domar aquele reino. Em sua concepção, parecia que Deus o amaldiçoara, e essa certeza se intensificou quando fora confrontado com um texto bíblico do livro Levítico, que condenava a união entre um homem e a mulher de seu irmão, com a penalidade de não vingarem filhos dos dois. Todavia, eles tinham uma garota, mas o rei relacionou a palavra “filhos” a rebentos do sexo masculino. Como conforto pra seu desânimo, passou a procurar aconchego nos braços de amantes, como Bessie Blount, que lhe dera um menino bastardo, batizado de Henry Ftzroy², e Maria Bolena, a filha mais velha de Sir Thomas Bolena, conhecida pela alcunha de “a grande prostituta”.

Notas:

¹ traduzido da edição em espanhol da obra pelo administrador

² Tradução: Henrique Filho do Rei

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