Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Quando pensamos em Maria Antonieta, uma das primeiras imagens que conseguimos evocar é a da rainha extravagante, que no auge da sua frivolidade teria dito que, na falta de pão, o povo deveria comer brioches. Uma segunda cena nessa linha do tempo é a monarca despojada de todos os seus adornos, envelhecida precocemente, a caminho da guilhotina. Por séculos, as representações de Antonieta oscilaram entre a rainha de uma corte decadente e dispendiosa e a da mulher injustiçada, vítima da Revolução. Essa polarização, contudo, limitou os olhares sobre a figura histórica e a complexidade de seu caráter. A esposa de Luís XVI atravessou o tempo cercada por uma série de mitos, que custam a ser desconstruídos. Agora, a curadoria do Victoria & Albert Museum (V&A) prepara uma exposição que promete derrubar muitos desses tabus envolvendo a última rainha da França Absolutista.

Um detalhe de um retrato de Maria Antonieta pela pintora francesa Élisabeth Louise Vigée Le Brun. Fotografia: Artokoloro/Alamy
“Ela ainda é vista como sinônimo de excesso e frivolidade … é apenas esse tropo baseado na mitologia que é repetido continuamente”, disse a curadora do V&A, Lisa Grant. A mente responsável pela exposição O Estilo Maria Antonieta completou: “Essa ideia de que ela levou a França à falência e foi responsável pela Revolução [Francesa], o que obviamente não foi o caso”. Trata-se da primeira amostragem inteiramente dedicada a Maria Antonieta na Grã-Bretanha (e a terceira fora da França). Na opinião de Grant, a rainha é geralmente “vista com mais simpatia” pelos britânicos do que pelos franceses. Para justificar seu argumento, ela citou a recente abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, em julho, que contou com uma representação macabra da monarca segurando sua própria cabeça no parapeito de uma janela da Conciergerie (onde a rainha passou seus últimos dias encarcerada, entre agosto e outubro de 1793), cantando a “Ça Ira” (hino revolucionário).

A macabra aparição de Maria Antonieta decapitada na abertura dos Jogos Olímpicos de Paris.
A exposição pretende ressaltar a admiração recíproca de Maria Antonieta pela Inglaterra. Basta lembramos que uma de suas melhores amigas foi Georgiana Spencer, duquesa de Devonshire. Elas foram duas das mulheres mais elegantes do século XVIII e certamente estavam na vanguarda da moda no período. Era comum a esposa de Luís XVI enviar cortesãos para a Inglaterra, como a condessa de Polignac, para obter relatórios detalhados acerca das últimas tendências do outro lado do Canal da Mancha, fossem sobre roupas, móveis, casa e decoração. Os próprios jardins da monarca no Palácio de Versalhes foram embelezados ao estilo inglês e geralmente se atribui à rainha a popularização do robe à l’anglaise: um vestido inspirado na moda inglesa, com uma jaqueta curta, lapelas largas e mangas compridas. Antonieta também teria introduzido na corte do rei George III o vestido de musselina branca, preso na cintura por uma fita.

A atriz Kirsten Dunst posando como Maria Antonieta para a fotógrafa Annie Leibovitz, para revista Vogue em setembro de 2006.
A exposição no V&A estará aberta ao público entre os dias 20 de setembro de 2025 a 22 de março de 2026 e contará com um vasto acervo, incluindo peças do filme Marie Antoinette (2006), dirigido por Sofia Coppola. O longa-metragem trouxe a atriz Kirsten Dunst no papel da jovem arquiduquesa austríaca, que se casou aos 14 anos em 1770. A produção acabou vencendo o Oscar na categoria de Melhor Figurino, em 2007. Mais de 230 anos já se passaram desde que a rainha foi decapitada na Place de La Concorde, mas sua figura continua inspirando a arte de grandes designers e estilistas, como Jean Paul Gaultier, Dior e Vivienne Westwood. Atualmente, uma porção de filmes, séries e novas biografias celebram o seu legado, comprovando assim que ela permanece tão influente quanto o fora em seu tempo de vida. “A notoriedade dá a ela um pouco de seu fascínio”, disse Lisa Grant. “Ela realmente é o primeiro ícone da moda moderna e, sem dúvida, a rainha mais elegante da história”.

Maria Antonieta já serviu de inspiração para muitos estilistas, como Christian Dior, em 2000.
A pesquisa desenvolvida para a exposição, por sua vez, busca desmistificar a visão da rainha como uma “vilã glamorosa”. Muitos estudiosos, como Caroline Weber (autora de Rainha da Moda: como Maria Antonieta se vestiu para a Revolução), começaram a repensar as representações da esposa de Luís XVI nas últimas décadas, para apresentá-la como um ser humano passível de cometer erros e acertos. Esses estudos resultaram em múltiplas visões acerca do sujeito, seja da rainha como uma mulher amante de livros, da arte do paisagismo, patrona de pintoras como Madame Vigée-Le Brun, mãe carinhosa e filantropa. As acusações de gastos excessivos, que teriam levado o Estado à falência, não encontram comprovação entre as fontes. Mesmo a receita que ela recebia para aquisição de novas roupas era limitada e não sofria reajuste desde o reinado de Luís XV. Porém, na falta de um culpado para a péssima situação financeira em que a França vivia, Maria Antonieta parecia se encaixar perfeitamente, devido à fama de gastadeira, propalada por seus inimigos.

O vestuário de Maria Antonieta chocou as cortes da Europa e contribuiu para a sua queda.
Quando a filha da imperatriz Maria Teresa da Áustria (a Grande), atravessou a fronteira para se casar com o tímido delfim Luís Augusto, foi vítima de xenofobia da corte de Versalhes, que a apelidou pejorativamente de L’Autrichienne (em português, “A Austríaca”. A expressão funcionava também como um jogo de palavras: “L’Autre Chienne”, ou “A outra cadela”). Acusada de protagonizar verdadeiras orgias entre nobres e cavalariços, a sexualidade de Maria Antonieta se tornou alvo de pasquins de cunho pornográfico. Nesse tipo de publicação, a rainha consorte era retratada como uma mulher devassa, que traía o marido, lançando assim dúvida sobre a paternidade dos filhos do casal. Nos anos da Revolução, ela foi responsabilizada pelo desequilíbrio financeiro do país e apelidada de “Madame Déficit”. A jornada de Maria Antonieta terminou de forma violenta em 16 de outubro de 1793, debaixo da sombra funesta da guilhotina. Hoje, historiadores revisitam as fontes, na tentativa de encontrar o ser humano escondido por trás de tantos rótulos.
Fonte: Revista Tatler – Acesso em 22 de Outubro de 2024.













