Por: Renato Drummond Tapioca Neto
No início de 1603, a saúde da rainha Elizabeth I ia nada bem. Aos 69 anos (uma idade considerada avançada para as mulheres do período), a soberana já ocupava o trono inglês por mais de quatro décadas, tornando-se a monarca mais longeva de sua dinastia. Sem herdeiros diretos, Elizabeth se recusava a nomear um sucessor, gerando grande preocupação entre os membros do Conselho Privado. Seu receio, porém, era justificado. Afinal, poucos meses antes, ela havia enfrentado mais uma rebelião contra sua autoridade, liderada pelo conde de Essex. Embora tenha sobrevivido, a rainha estava visivelmente abatida pela morte de seu ex-favorito, que também era bisneto de sua tia, Maria Bolena. Dizem que a melancólica figura da monarca, com sua peruca ruiva e rosto embranquecido pelo uso da ceruse veneziana, podia ser vista pelos corredores de seus apartamentos no Palácio de Richmond, empunhando uma espada e lutando contra inimigos invisíveis. Sem forças para andar sob seus pesados vestidos de Estado, costurados com joias e pérolas naturais, ela precisava do auxílio de uma bengala para se locomover. Ao seu afilhado, Sir John Harington, ela disse que estava perdendo a vontade de viver. Por anos, a causa da morte de Elizabeth I foi um mistério para muitos historiadores. Agora, uma dupla de patologistas acredita ter encontrado uma resposta.
Com efeito, o clima frio e úmido daquele inverno fez com que a rainha contraísse um resfriado, debilitando ainda mais sua condição. Elizabeth, que outrora se orgulhara de seu corpo esguio e dos seus dedos longos e finos, teve que remover o anel de sua coroação, pois o aro de metal precioso estava incrustrado na carne. Era como se seu casamento com o reino, celebrado pomposamente na cerimônia de coroação em 15 de janeiro de 1559, tivesse sido dissolvido. Ao mesmo tempo em que se queixava de dores, a soberana também recusava a ajuda dos seus conselheiros. Às vezes, um braço oferecido para se apoiar enquanto descia da barcaça real era aceito com má vontade, ou afastado com impaciência. Deprimida com a gradativa perda do controle de seus movimentos, Elizabeth chegou a tropeçar e cair, machucando a perna. Com uma forte inflamação na garganta, ela tinha sede constantemente e dizia que estava sentindo “um grande calor no estômago”. Quando o véu escuro da noite caia, ela era acometida por insônia e então a ansiedade fazia com que sua mente divagasse. Teria se arrependido da execução de Mary Stuart, ocorrida 26 anos antes. Com medo dos pesadelos sobre sua própria cama, ela ordenou em 20 de março que algumas almofadas fossem colocadas sobre um tapete no chão. Ali, a rainha se acomodou, recusando-se terminantemente a retornar para o leito.

Alegoria de Elizabeth I. A tela expressa um memento mori, com um homem velho segurando uma foice à esquerda, a rainha com uma pose pensativa no centro e uma caveira à direita. Em cima, dois querubins seguram a coroa e o cetro. Cerca de 1610.
Por fim, quando seu conselheiro, Robert Cecil, insistiu para que ela recebesse atendimento médico na cama, dizendo: “Senhora, para contentar as pessoas, deveis ir para a cama”, Elizabeth respondeu, indignada: “Homenzinho, homenzinho. A palavra ‘dever’ não é usada para com príncipes”. A soberana passou dias naquela posição, jogada entre as almofadas de sua Câmara Privada. Com os olhos fixos no chão, ela falava muito pouco e comia menos ainda. Toda vez em que abria a boca para falar, um odor enorme saia de sua garganta. Após o terceiro dia, com todas as suas damas e gentis-homens em estado de vigília, ela colocou um dedo entre os lábios e raramente o removia, enquanto continuava sentada sobre o tapete, olhando para um ponto fixo no vazio. Em seguida, ela ficou tão fraca, que seus médicos conseguiram removê-la contra sua vontade e levaram-na para cama, onde um abcesso na garganta estourou. Sentindo-se um pouco mais aliviada depois disso, a rainha aceitou tomar um pouco de caldo, incapaz ainda de pronunciar qualquer palavra. Permaneceu deitada de lado, sem falar ou olhar para qualquer um dos que estavam presentes ali no quarto. Nobres e conselheiros como Robert Cecil, John Harington, o conde de Nottingham e Robert Carey, não tinham mais dúvidas: a rainha estava morrendo!
Na quarta-feira, dia 23 de março, Robert Cecil perguntou a Elizabeth I se ela concordava com a nomeação de seu afilhado, o rei dos Escoceses, James VI, como herdeiro do trono. Incapaz de responder, a monarca teria levantado a mão em direção à cabeça do conselheiro, algo que foi interpretado como um “sim”. Há alguns meses que Cecil e seus demais colegas haviam tomado todas as providências necessárias para que o filho de Mary Stuart ascendesse ao trono inglês como James I. Robert Carey, por sua vez, já estava a postos para partir para o palácio de Holyrood, em Edimburgo, com a notícia da morte de Elizabeth. Por volta de 1h30 da madrugada do dia 24, uma das damas da soberana avisou que ela tinha falecido. Enquanto Carey percorria uma distância de mais de 900 km até a Escócia para dar a notícia a James, o corpo da última herdeira do rei Henrique VIII era preparado para o funeral de Estado. Elizabeth I deixou ordens expressas para que seus médicos não procedessem a um autópsia do cadáver, para determinar a causa exata de sua morte. Tampouco permitiu que seus remanescentes humanos fossem embalsamados. A chamada “rainha virgem” levaria o segredo de sua suposta castidade consigo para o túmulo, preferindo ser lembrada como uma soberana de juventude etérea. Seu sepultamento ocorreu no dia 23 de abril de 1603, na Abadia de Westminster.

“A morte de Elizabeth I, rainha da Inglaterra”, tela do artista francês Paul Delaroche, pintada em 1828.
Por muitos séculos, a causa da morte de Elizabeth I foi atribuída erroneamente à ceruse veneziana, um composto feito à base de carbonato de chumbo, que era misturado ao pó branco que ela aplicava no seu rosto. Essa espécie de “maquiagem” dava à rainha uma aparência virginal e, ao mesmo tempo, camuflava os sinais de sua idade avançada. Porém, o uso contínuo da ceruse teria desencadeado alguns problemas de saúde na rainha, como perda de cabelo e dentes podres. Isso explica o abcesso dentário que explodiu assim que a monarca foi posta em seu leito, bem como suas glândulas cheias de pus. O chumbo do composto teria causado o envenenamento crônico do sangue da rainha, mas não foi o que a levou a óbito no dia 24 de março. Segundo o Dr. Brett Lockyer, patologista do Ministério do Interior, que realizou uma investigação das causas da morte da monarca com base em registros primários, Elizabeth faleceu de pneumonia. O uso da ceruse teria causado uma série de efeitos colaterais, como gengivite e acúmulo de infecção bacteriana na boca, o que dificultava sua fala e capacidade de ingerir alimentos, agravando seu estado físico. De acordo com a professora Alice Roberts, colega do Dr. Lockyer: “Os últimos meses da rainha devem ter sido uma agonia”.
Por outro lado, o inchaço na mão esquerda de Elizabeth I também indicava que seu coração não estava funcionando muito bem. Tanto, que o anel de sua coroação teve que ser cerrado. Segundo os patologistas, é possível que a sepse tenha se originado a partir daí. Extremamente magra e emaciada nas semanas que antecederam sua morte, a rainha também se encontrava em um profundo estado de melancolia. Algo que hoje está mais associado à depressão. Seus amigos mais próximos já haviam partido, como William Cecil, Francis Walsingham, seu primo Henry Carey e Robert Dudley. Seus maiores rivais também, como o rei Filipe II da Espanha e I de Portugal. Apenas Elizabeth havia sobrevivido para testemunhar o crepúsculo de uma Era na história inglesa, capitaneada por ela própria. A marinha estava mais forte do que quando havia assumido o governo, quase 45 anos antes, com seus corsários conquistando colônias em seu nome na América. As artes levaram o país rumo à modernização, com a valorização da pintura nacional e o desabrochar do teatro elisabetano, com nomes como o de William Shakespeare. Em seu último discurso ao Parlamento, a monarca havia reiterado que, embora o país viesse a ter governantes mais sábios, nenhum seria capaz de demonstrar tanto amor ao seu povo quanto ela.

Processo de manutenção e limpeza da efígie tumular da rainha Elizabeth I da Inglaterra. A soberana faleceu aos 69 anos em 24 de março de 1603 e se encontra sepultada em um magnífico túmulo na Abadia de Westminster, em Londres.
Com base nos sintomas que vinha apresentando em seus momentos finais, é possível que Elizabeth tivesse um acúmulo de líquido nos pulmões, o que dificultava sua respiração. Seu coração também não estava bombeando o sangue de forma correta. Após contrair um resfriado, que logo evoluiu para uma febre mais forte, com infecção na garganta e secreção, o corpo frágil da soberana sexagenária não foi capaz de resistir. Para o Dr. Lockyer, a causa final de sua morte foi pneumonia: “Essa foi a razão pela qual ela morreu. Acho que a infecção em seus pulmões, possivelmente entrando em seu sistema, causou envenenamento do sangue”. Fatores como insuficiência cardíaca, por si só, não seriam capazes de matar a rainha àquela altura de sua vida, embora certamente tenham contribuído. Segundo o patologista: “Seu coração estava trabalhando até certo ponto, até encontrar algo que significava que ele tinha que trabalhar mais para obter sangue ao redor do sistema, então a causa da morte seria pneumonia brônquica, sem sombra de dúvida, mas a insuficiência cardíaca teve um papel adicional”. Mais de 420 anos já se passaram desde o falecimento de Elizabeth I. Finalmente, uma explicação plausível para sua morte foi oferecida com a ajuda da ciência moderna, aliada à pesquisa histórica.
Assim que assumiu o trono, o rei James VI (agora James I da Inglaterra), ordenou a construção de um magnífico monumento funerário na Abadia de Westminster para sua antecessora. Um molde de cera do rosto sem vida de Elizabeth havia sido tirado para a confecção de sua efígie tumular. Talvez a obra seja a única indicação de como ela realmente se parecia antes de morrer. A soberana foi representada com seus trajes de Estado, segurando nas duas mãos o cetro real, símbolo de sua autoridade, e o orbe, que representava a extensão de seus domínios. Na cabeça, uma reprodução da coroa. Um pouco mais à frente, James edificou um monumento ainda mais imponente para sua mãe, a trágica rainha dos escoceses, decapitada em 1587 por ordem da prima. O caixão de chumbo com os remanescentes da falecida soberana inglesa foi depositado na mesma vala onde jazia o ataúde de sua irmã, a rainha Maria I. Antes de morrer, em 1558, Maria havia dado instruções claras de que desejava ser enterrada ao lado de sua mãe, Catarina de Aragão. Seus sucessores, porém, não acharam uma boa ideia a conjunção das duas monarcas católicas. Por fim, foi a própria Elizabeth quem terminou ao lado de Maria. O epitáfio na base do monumento tumular diz: “Consortes tanto em trono quanto na vida, aqui jazem duas irmãs, na esperança de uma única ressureição”.
Referências Bibliográficas:
FRASER, Antonia. The Warrior Queens: Boadicea’s Chariot. UK: Arrow, 1999.
GRISTWOOD, Sarah. Game of Queens: the women who made sixteenth-century Europe. Nova York: Basic Books, 2016.
HILTON, Lisa. Elizabeth I: uma biografia. Tradução de Paulo Geiger. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.
HIBBERT, Christopher. Elizabeth I: a personal history of the Virgin Queen. England: Penguin Books, 1990.
RIDLEY, Jasper. Elizabeth I. London: Constable, 1987.
WILLIX, Pierra. Queen Elizabeth I’s real cause of death finally determined after ‘red herring’ threw off pathologists. 2023 – Acesso em 21 de Julho de 2024.














Excelente texto, como de costume.
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Muito Obrigado. Fico feliz que tenha gostado!
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