Por: Renato Drummond T. Neto
A rainha Vitória e seu marido, o príncipe Albert, passavam muitas noites tranquilas juntos, compilando álbuns de aquarelas, gravuras e fotografias. Entre eles, existiam nove volumes que a soberana descreveu como “Meus valiosos álbuns… contendo as mais belas pinturas em aquarela dos primeiros artistas, e algumas de amadores, coletadas por meu amado marido e eu, e representando os diferentes lugares que visitamos e cenas de nosso vida”. As aquarelas extraídas da coleção pessoal da soberana (algumas das quais nunca vistas antes) estão agora em exposição no palácio escocês de Holyroodhouse, na Galeria da Rainha. A exibição, intitulada “Victoria and Albert: Our Lives in Watercolours”, contém cerca de 80 cenas que registram a vida cotidiana da família real em meados do século XIX. O conjunto, por sua vez, é composto de trabalhos criados e/ou encomendados pelo casal, compondo assim “um registro evocativo de suas vidas públicas e privadas juntos”. Tendo começado como uma turnê comemorativa ao bicentenário do nascimento da soberana e do seu consorte, a exposição fixou residência esse ano em Holyroodhouse. Atualmente, está dividida em quatro seções, que contemplam a intimidade da rainha em família, assim como suas viagens ao exterior, a países como França e Alemanha.

A rainha Vitória, o príncipe Albert e seus nove filhos, em 1857.

Aquarela feita pela rainha Vitória de Eos, o cãozinho de estimação do príncipe Albert (1840).
Com efeito, tanto a rainha Vitória quanto o príncipe Albert tinham conhecimento prévio da técnica da aquarela, uma vez que ambos tiveram aulas de Arte na juventude. A própria rainha Vitória gostava de fazer esboços de seus filhos e filhas, assim como daqueles que integravam seu círculo. Atualmente, existem edições in folio de seus cadernos de desenhos, publicadas pela Casa Real. Dessa forma, a exposição “Our Lives in Watercolours” inclui não apenas obras adquiridas e/ou encomendadas pela monarca, como também fichas práticas feitas por ela, pinturas do animal de estimação do príncipe Albert (Eos), e do príncipe Arthur usando fantasias. Alguns trabalhos do tutor de Vitória, William Leighton Leitch, famoso paisagista natural de Glasgow, também fazem parte da amostra. Artista autodidata, Leitch foi professor de aquarelas da soberana por mais de duas décadas, tendo falecido em 1888. Quando de sua morte, Vitória o descreveu em seu diário nos seguintes termos: “[meu] querido e velho Sr. Leitch, meu velho e gentil Mestre do desenho, um artista tão excelente, conhecido por mim há tantos anos, conectado com tempos felizes e tristes, e com a Escócia”.

Aquarela de Osborne House, vista a partir de seu terraço, por William Leighton Leitch (1851).

Vicky, princesa real, vestida de pajem, e sua irmã, Alice, em roupas do século XVIII. Aquarela de Franz Xaver Winterhalter, 1850.
Entre as aquarelas encomendadas pelo casal, agrupadas separadamente, podemos ver um conjunto de imagens que capturam momentos significativos de sua vida privada, tais como batizados, festas de aniversário e bailes oferecidos na corte. Vitória e Albert costumavam se presentear com essas pinturas, que continham uma pequena narrativa ou lembrança envolvida, como a aquarela em que Vicky, a princesa real, aparece fantasiada em trajes masculinos do século XVIII, segurando a pequena Alice pela mão. As duas crianças estavam vestidas para um baile, dado por ocasião do aniversário de sua mãe, em 1850. O tema fazia referência ao famoso “georgian ball”, que o casal ofereceu na corte no dia 6 de junho de 1845. A aquarela das princesas foi assinada pelo retratista favorito da rainha, Franz Xaver Winterhalter, responsável por quase todos os retratos oficiais da família real, pintados entre as décadas de 1840 e 1870. O casal também gostava de documentar o crescimento de sua família e mantiveram escultores, pintores e fotógrafos ocupados, registrando as aparições e atividades de seus nove filhos enquanto se desenvolviam. Vitória e Albert, por sua vez, mantiveram algumas dessas aquarelas em uma sequência separada de álbuns de retratos de família.

A princesa Louise com sua babá, Eliza Collins, por Franz Xaver Winterhalter (1850).

O banquete do batizado do príncipe Leopold, em 28 de junho de 1853, por Louis Haghe.
Além das pinturas de família, Vitória e Albert encomendaram aquarelas de cenas urbanas e paisagens que eles observavam durante suas digressões pelo interior do país e no exterior. Os trabalhos sobres suas habitações nas Terras Altas da Escócia são particularmente interessantes, pois nos passam uma ideia de como era o cotidiano da família real em suas propriedades fora de Londres, notadamente o castelo de Balmoral. Conhecidos em seu tempo como os membros da realeza que mais viajaram na história, a rainha e o príncipe consorte adoravam visitar as ilhas britânicas, quase sempre de forma incógnita, para poder interagir com os moradores locais da forma mais natural possível. O casal real convidava regularmente artistas às suas residências, para que assim pudessem documentar sua vida privada, com a presença das crianças, dos parentes próximos e dos amigos. Um bom exemplo disso é a aquarela feita por Carl Haag, que também se encontra em exposição e que retrata uma cena observada pela rainha e o príncipe, de pescadores no rio Dee.

Pescadores no rio Dee, por Carl Haag (1853).

A Festa das Terras Altas em Balmoral, por Egron Sellif Lundgren (c. 1859).
Outro exemplo é o esboço feito por Paul Jacob Naftel, do casal chegando a St. Pierre, em Guernsey. O artista, que tinha um estúdio localizado ali, aproveitou a ocasião e documentou esse momento. O trabalho foi posteriormente publicado no jornal “Illustrated London News”, onde certamente foi apreciado por Vitória e Albert. A rainha e o príncipe então entraram em contato com Naftel e encomendaram uma aquarela semelhante para sua coleção particular, embora com algumas diferenças: no esboço de “London News”, o casal aparece de costas para o observador, enquanto na pintura encomendada pela soberana eles aparecem de frente (uma mudança que provavelmente foi sugerida pela própria Vitória). Em outra aquarela, assinada por William Leighton Leitch e exposta pela primeira vez, o iate real navega em Granton Pier, durante sua primeira viagem à Escócia, em 1842. A pintura foi um presente do duque de Atholl e contém alguma licença artística, uma vez que o mal tempo, que marcou a travessia, foi substituído na aquarela por brilhantes raios de sol. A rainha escreveu depois: “Edimburgo nos impressionou muito, é muito bonito e totalmente diferente de tudo que eu já vi”.

O iate real navegando em Granton Pier em 1842, por William Leighton Leitch.

Destaque da exposição: “O pôr do sol sobre Edimburgo”, por Waller Hugh Paton (1862).
Com efeito, uma das pinturas de maior destaque na exposição é o pôr-do-sol em Edimburgo, feita por Waller Hugh Paton, um artista natural de Dunfermline. A monarca o contratou para registrar a paisagem que ela sempre apreciava olhando em direção ao oeste, quando estava na estação ferroviária de Edimburgo. Na imagem, podemos ver a região sobre St Margaret’s Loch e Holyrood Park, com a colina escocesa de Calton Hill e à distância o Monumento Nacional. Entre as cenas da natureza, misturam-se aquarelas que retratam momentos felizes do casal em suas viagens ao castelo de Balmoral, construído como um espaço de veraneio para a família real. Ali, eles se despojavam da pompa do palácio de Buckingham e vivam de forma mais tranquila, interagindo com os moradores locais e, muitas vezes, viajando disfarçados pelas Terras Altas. Tais pinturas, entretanto, foram encomendadas pela rainha Vitória após a morte do príncipe consorte, em 1861, para registrar os momentos que ela considerava como os mais felizes de sua vida. Parte dessas memórias foram publicadas no livro “Leaves From the Journal of Our Life in the Highlands: From 1848 to 1861”, título esse que serve de inspiração para o nome da exposição: “Our Lives in Watercolours”.

O castelo de Rosenou, por Douglas Morison (1845).

A rainha Vitória na inauguração da estátua do Príncipe Albert em Edimburgo, 1876, por William Simpson.
A vida do príncipe Albert, por sua vez, configura-se em uma parte importante da exposição, com ilustrações de sua terra natal, Rosenau, suas visitadas a Coburgo e imagens da Grande Exposição de 1851, arquitetada pelo marido da rainha e também uma de suas maiores realizações pessoais. Com a morte de Albert, Vitória passou a encomendar cada vez menos aquarelas. Quando fazia, eram trabalhos que geralmente exaltavam a memória do príncipe, a exemplo de uma pintura da soberana durante a inauguração de um memorial dedicado ao consorte em 1876, na Charlotte Square, em Edimburgo, feita por por William Simpson. A imagem se encontra em exibição pela primeira vez. A perda do marido foi um duro golpe para a rainha Vitória, na época com 42 anos e mãe de nove filhos. A partir de então, a vontade dele passou a ser sua lei e ela foi se ausentando cada vez mais da vida pública, eternamente enlutada pela partida de seu companheiro de mais de 20 anos. Nessa fase de sua vida, ela ficou conhecida como a “viúva de Windsor”. Demoraria anos até que a soberana retomasse suas obrigações com pleno vigor.

A Grande Exposição de 1851, por Joseph Nash.

A grande escadaria do palácio de Buckingham em um dia de baile, em 5 de julho de 1848, por Eugene Louis-Lami.
Todavia, nem toas as pinturas retratam a família como o foco principal da cena. Um exemplo disso é a aquarela de Joseph Nash, na qual a rainha Vitória e o rei Louis-Philippe da França partem de carruagem do castelo de Windsor, em 1844. O destaque da imagem vai para a própria construção medieval, com sua torre circular ocupando o centro da paisagem. Vitória encomendou uma cópia desse trabalho para dar de presente ao rei, juntamente com um álbum de aquarelas. Atualmente, esses registros nos servem como fontes importantes da vida cotidiana da família real, embora a soberana tenha encarado essa atividade mais como um passatempo, conforme ela mesma registrou no seu diário. Após a morte do príncipe consorte, os álbuns de aquarela assumiram uma papel importantíssimo na vida da monarca, representando uma memória tangível do seu tempo de vida juntos. Infelizmente, esses cadernos hoje não mais existem, tendo sido desmontados na década de 1930. A Royal Collection Trust, porém, organizou uma replica de um desses livros para expor aos visitantes.

A rainha Vitória saindo com Louis-Philippe do Quadrangle, castelo de Windsor, 1844, por Joseph Nash.

Aquarelas da rainha Vitória e do príncipe Albert, feitas por Franz Xaver Winterhalter, em 1855.
Destarte, não se sabe quem do casal encomendou mais aquarelas, se Vitória ou Albert, apesar de o príncipe consorte ter o olho mais aguçado para a técnica dessa arte. De acordo com o site da Royal Collection Trust: “o par real passou noites felizes juntos organizando suas aquarelas em álbuns”. O agrupamento desses trabalhos jogam luz tanto sobre aspectos da Era Vitoriana, como sobre a vida privada do casal. As cenas capturam a pompa e a majestade da corte britânica, o amor da realeza pelas Terras Altas da Escócia, suas viagens pelo Reino Unido e ao exterior, mas, principalmente, o sentimento de unidade que existia no seio da família real. A exposição “Victoria and Albert: Our Lives in Watercolours” estará aberta ao público na Galeria da Rainha, no palácio de Holyrrodhouse, de 26 de abril a 5 de setembro de 2021. Para maiores informações, visite o site da Royal Collection Trust, clicando aqui!
Fontes:
BALFE, Kate. “Victoria and Albert: Our Lives in Watercolours” opens at Holyroodhouse. 2021. – Acesso em 28 de abril de 2021.
DICK, Sandra. Slapstick chaos that greeted Queen Victoria’s first trip to Scotland revealed. 2021. – Acesso em 28 de abril de 2021.
Watercolours collected by Queen Victoria and Prince Albert to go on display. 2021. – Acesso em 28 de abril de 2021.