Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Neste dia de todos os santos, data seguinte à popular festa do dia das bruxas, na qual lembramos a vida dos chamados mártires, não consigo pensar em nada que não diga respeito às execuções de algumas das mais notórias soberanas decapitadas da história: Ana Bolena(1501? – 1536), Mary Stuart (1542 – 1587) e Maria Antonieta (1755 – 1793). De algum modo, é como se a sombra da lâmina ainda pairasse sobre suas personalidades, séculos após o falecimento delas. Embora cada uma das três apresentassem comportamentos próprios e descendessem de linhagens distintas, é no final da vida que a trajetória dessas senhoras se assemelham, principalmente pela fibra e determinação que demonstraram perante seus algozes e à sociedade em geral. Vitimadas por desejos pessoais e políticos, elas provaram que nunca deixaram sua coragem se abalar, e seguiram firmemente rumo ao trágico destino que lhes aguardava, demonstrando que apesar do estado degradante a que foram rebaixadas, eram rainhas, e como tal seriam imortalizadas. Sendo assim, partamos então para uma rápida análise das circunstâncias das mortes delas e dos meios utilizados para tanto.

A Execução de Ana Bolena, por Jan Luyken (cerca de 1664 – 1712)
Ana Bolena, segunda rainha consorte de Henrique VIII, por não dar à coroa o tão desejado filho homem, foi aos poucos sendo renegada pelo marido, acusada de crimes banais como traição, adultério e incesto. À época, o rei estava enamorado de uma nova dama, Jane Seymour, e para se casar com esta, necessitava se livrar da mulher indesejada. Encarcerada na torre de Londres em dois de maio de 1536, a outrora rainha de Inglaterra estava sozinha e desesperada, demonstrando variações de humor em intervalos de tempo muito curtos, ora rindo da situação, ora chorando e rezando. Julgada culpada de todas as acusações, para ela não restava mais nada nessa vida a não ser confessar-se e pedir a seu Deus que a perdoasse por todos os pecados cometidos. Talvez como gesto de boa vontade, Henrique mandou que lhe arrumassem um espadachim francês para que a morte daquela dama fosse rápida e sem dor. Em 19 de maio de 1536, ela subiu ao palanque localizado, acredita-se, em tower green, e dirigiu um discurso simbólico aos espectadores, agradecendo por tudo e pedindo para que rezassem pelo rei, que “para mim sempre foi um bom e gentil senhor”. Em seguida, se ajoelhou e proferiu suas últimas palavras: “em tuas mãos, Jesus, eu entrego a minha alma”. O local exato do assassinato até hoje recebe a visita de corvos, como espectros que sobrevoam em busca da carnificina que se acometera ali tantos anos atrás.
Mary Stuart, acredito, foi vítima de suas próprias tramoias para usurpar o trono da prima, Elizabeth, se envolvendo numa rede de intrigas da qual não mais conseguiu se livrar. Desde que veio fugida para a Inglaterra, em 1567, dos rebeldes escoceses, se viu submetida à vontade da mulher que, segundo suas convicções, lhe usurpara o trono. A verdade era que ninguém, exceto a rainha Elizabeth I, queria assumir a responsabilidade pela custódia da prima, nem mesmo sua família na França. Como fora criada sob o capricho de seus desejos, Mary fez o que pôde para tentar se livrar do cativeiro, mal sabendo que as mesmas correntes que lhe amarravam, seriam usadas para lhe arrancar a vida. Depois de encontrados documentos com sua assinatura, comprovando a participação dela em planos para matar a filha de Ana Bolena e Henrique VIII, o conselho real não teve alternativa se não impelir a soberana inglesa a expedir a ordem de execução da ex-rainha dos escoceses, feita com muita relutância. Então, em 8 de fevereiro de 1587, aos 44 anos de idade, ela fora decapitada pelo machado do carrasco no castelo de Fotheringhay.

A Execução pelo machado: Mary Stuart, no castelo de Fotheringahey , em 1587 (por autor desconhecido).
Remontar a morte de Maria Antonieta é sem dúvida fazer um regresso aos horrores da Revolução Francesa. A filha da imperatriz Maria Tereza d’Áustria representava uma união não muito bem vista perante os súditos de Luís XVI. Ansiosa por atenuar a formalidade e o tédio que sentia em Versalhes, passou a consumir demasiadamente com roupas e artigos de luxo, o que lhe valeu o título de Madame Déficit. Em 1793, depois de ter sido encarcerada e separada da família, o povo ainda clamava por justiça. Eles queriam mais sangue, só que dessa vez, da realeza. Antonieta acabou servindo de bode expiatório para toda a extravagância da corte. Ela representava os resquícios de um regime que fora veemente atacado desde 14 de julho de 1789, com a queda da Bastilha. Julgada pelo Tribunal Revolucionário, a ci-devant rainha só lamentava por ter que deixar seus filhos nas mãos dos inimigos. Envelhecida precocemente pelas circunstâncias, estava com as mãos atadas e o cabelo desregulamente tosado, escondido sob um toucado, quando fora transportada por uma carroça rumo à guilhotina, em 16 de outubro de 1793.
Ao contrário das outras duas rainhas citadas anteriormente, Maria Antonieta não proferiu quaisquer palavras quando subiu no palanque em que foi executada. Tampouco dirigiu um olhar para a população concentrada na Place de La Concorde. Mary Stuart, por sua vez, fez da própria execução um teatro onde se punha explicitamente como vítima. Dos objetos utilizados para a decapitação das três soberanas, respectivamente, o machado foi provavelmente o mais doloroso deles. Enquanto a espada e a guilhotina ofereciam uma morte mais rápida e, por assim dizer, tranquila, foram necessários três golpes do carrasco para que a rainha dos escoceses definitivamente se despedisse da vida. Após o último golpe, a cabeça dela, assim como aconteceu com Ana Bolena e Antonieta, fora suspensa diante dos espectadores. Porém, ao contrário delas, a de Mary Stuart caiu das mãos do executor, que ficou segurando apenas uma peruca. Então, quando acharam que aquela triste cena finalmente tinha acabado, notou-se um movimento estranho por baixo das saias do cadáver. Parecia que Mary não queria deixar esta vida, mas, para alívio de todos, constatou-se que era apenas o cachorro de estimação da rainha que estava escondido.

A Execução pela guilhotina: Maria Antonieta (por autor desconhecido).
A moda também exerceu um aspecto de expressão fundamental no ato do assassinato dessas damas. Enquanto Ana Bolena escolheu um vestido damasco preto, com saiote vermelho e manto de arminho (vestes dignas da realeza), Mary Stuart trajava uma camisola escarlate (a cor do martírio católico), para provar que morria por sua fé. Maria Antonieta não tinha à sua disposição tantas variedades de roupas, mas o simples traje branco que usou passou uma mensagem bastante direta aos republicanos, uma vez que aquela era a cor símbolo da monarquia. Anos depois, muitas histórias de fantasmas estariam vinculadas a elas. A segunda esposa de Henrique VIII, por exemplo, segundo o folclore popular, já foi vista inúmeras vezes na torre de Londres. “Em outras partes do país, no entanto, pessoas juravam ter visto lebres correndo – a lebre, o símbolo da feiticeira – e continuariam a vê-las no aniversário da execução de Ana Bolena” (FRASER, 2010, pag. 343). Dizem também que o espírito de Maria Antonieta vagueou pelos 200 anos desde que morreu. O relato mais interessante dessa aparição provém das inglesas Carlota Anne Moberly e Eleanor Jourdain, que, em 10 de agosto de 1901, se perderam no terreno de Versalhes e contam terem estado na presença de uma belíssima dama loura, de trajes antiquados, ao lado de alguns companheiros.
Mitos e historietas sobrenaturais à parte, em minha opinião as rainhas trágicas descansam em paz e repouso absoluto, tendo expurgado na morte os comportamentos maldosos de que foram acusadas em vida, em vez de vaguearem pelos cantos, como verdadeiras almas-penadas. “Em meu fim está meu começo”. Essa declaração feita por Mary Stuart serve-nos perfeitamente para ilustrar como hoje essas mulheres transcenderam em representações femininas de força e coragem para a posteridade. Ao elas, dedico a vocês, meus caros leitores, um poema cuja autoria é atribuída a Ana Bolena (que nas palavras do arcebispo Cranmer seria “rainha no céu”), provavelmente escrito enquanto estava encarcerada na torre:
“Morte, embala-me o sono
Traz-me o repouso final
Leva de mim o fantasma
Que foi causa de meu mal
Que o dobre do sino triste
Anuncie a minha morte
Que outro consolo não há…
O meu nome foi manchado
Com falsidade e rancor
O conforto terminado
Despedi-me do amor
Que o dobre do sino triste
Anuncie a minha morte
Que outro consolo não há…”
(ANA BOLENA, 1536, apud MAXWELL, 2002, pag. 262-263).
Referências Bibliográficas:
DUNN, Jane. Elizabeth e Mary: primas, rivais, rainhas. Tradução de Alda Porto. – Rio de Janeiro: Rocco, 2004.
FRASER, Antonia. As Seis Mulheres de Henrique VIII. Tradução de Luiz Carlos Do Nascimento E Silva. 2ª edição. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010.
FRASER, Antonia. Maria Antonieta. Tradução de Maria Beatriz de Medina. 4ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2009.
MAXWELL, Robin. Diário Secreto de Ana Bolena. Tradução de Maria do Carmo Romão. 3ª edição. Lisboa, Portugal: Planeta, 2002.
Ola
Muito interessante o seu documentário sobre estas rainhas mártir , no entanto quanto a grande rainha mártir Maria Antonieta , quando fala sobre o seu espirito andou no mundo até O passado 27 Dezembro de 2012 pois a sua missão estava inacabada na terra, pois o suposto herdeiro ao trono Luis. Carlos não morreu como reza. Lenda, existem descendentes dai o espirito da rainha andar até então para deixar o seu legado, pois após a sua confidencia pude ajuda lá a elevar se a níveis superiores. Pois durante 210 anos andou o seu espirito andou a vaguear pelo mundo para passar tal informação aos seus….
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Olá António!
Muito obrigado pelo seu comentário.
Acerca do Delfin Luís Carlos, segundo Antonia Fraser, testes de DNA feitos com o coração do principezinho, que está depositado em uma urna, comprovaram que ele realmente morreu. Todavia, quando da restauração dos Bourbon, a então única filha sobrevivente do casal de monarcas, Maria Tereza, viveu atormentada por inúmeros rapazes alegando serem Luís XVII. Mais um vez a ciência ofereceu uma mão preciosa à história e desmitificou mais esse rumor!
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Ao contrário do que afirmam muitos livros, Maria Antonieta se ressentiu após algum tempo dos gastos excessivos da corte. Inclusive existe, a uns 3 quilômetros do Palácio de Versailles, a mini fazenda em que ela trabalhava como uma camponesa qualquer e que foi mostrado no filme de Sofia Coppola, tendo sido restaurado uns 3 anos atrás e aberto a visitação. A tal frase atribuída a ela, “que comam brioches!” foi inventada por uma prima do rei. Muito da história de Maria Antonieta não foi contada, passando a rainha para a história como um personagem vil. Uma pena, porque, creio, não foi assim. Li uns relatos bem chocantes na Wikipedia e outros sites sobre ela. O interessante, é que foi Napoleão que ordenou construir um memorial à Rainha e ao Rei.
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na epoca nao existia direitos humanos que horror
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