O “Sanguinário” reinado de Maria I – Parte II

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Parte II – “Vida longa à rainha Mary”, e morte aos hereges!

A aliança com uma potência político e economicamente maior que a Inglaterra era vista com preconceito pelos súditos, uma vez que a nação encontrava-se enfraquecida pelos conflitos de reinados anteriores, incorrendo assim no risco de ser engolida pela ambição de estados mais fortes. Contudo, deve-se tirar do imperador o fardo de que fora por causa dele que tal união procedera. É certo de que teve decisiva influência, mas é necessário dissolver a áurea de que a rainha não era capaz de tomar suas próprias decisões sem ser guiada por alguém mais apto, pois era desejo da própria ligar-se ao país natal de sua mãe. Então, para acalmar os inquietos, fora estabelecido pelo tratado de casamento que Felipe seria rei, mas o poder executivo se concentraria nas mãos de Mary. Porém, muitos consideraram tais garantias insuficientes, porque pela lei bíblica, a mulher está subordinada aos desejos do marido e em decorrência, no mês de Janeiro de 1554 uma rebelião no Kent eclodiu tendo como figura de proa a irmã da rainha, Elizabeth.

Lady Jane Grey, a "rainha dos 9 dias", por artista desconhecido.

Lady Jane Grey, a “rainha dos 9 dias”, por artista desconhecido.

O Manifesto ficara conhecido como revolta Wyatt, sobrenome do líder do mesmo, Sir Thomas (filho do poeta da corte de Henrique VIII), que comandou um pequeno exército composto de membros dos condados do sul e País de Gales, intencionando depor a rainha católica em benefício da princesa protestante. Por falta de provas, até hoje não está clara a presença de Elizabeth Tudor no acontecimento. Todavia, Mary tomara-se de tamanha injúria por sua irmã a ponto de ordenar a prisão desta, mesmo a acusada alegando inocência e apelando para o parentesco entre as filhas do rei (teve sua liberdade condicional em 19 de maio). Em um ato de firmeza, a rainha ordenou a execução de todos os membros do motim, imitando a atitude de seus antecessores em causas semelhantes. Patíbulos foram erguidos em todo o reino e não raro se via neles corpos dependurados, em estado de putrefação. Foi o estopim para a instalação de um sentimento anti-Mary na Inglaterra, que culminou com o tão indesejado codinome de “A Sanguinária” (situação que se agravou após a decapitação de Lady Jane Grey).

As forcas seriam apenas removidas por ocasião da vinda do noivo da rainha ao reino, ainda naquele ano. Essa personagem ganha um destaque quase mítico no reinado de Mary, uma mulher de 38 anos perdidamente apaixonada por um homem de 27. Felipe, desde sua chegada, tornara-se alguém não muito bem-vindo entre os súditos, que preferiam um compatriota no trono a um estrangeiro. Não obstante, o príncipe espanhol matinha um ávido interesse pela irmã da esposa, muito mais jovem e atraente. A priori,

“… Maria deu pouca importância às gentilezas diplomáticas entre o marido e sua meio-irmã, pois julgava-se grávida e segura de ter seu próprio herdeiro. Mas à medida que o verão de 1555 avançava, tornava-se patente que a rainha, longe de esperar um filho, estava seriamente doente…” (BUSH, 1988, pag. 21)

Diante disso, fica evidente como Mary deve ter se sentido, ao ver seu marido enamorado da filha da mulher que para ela destruíra a estabilidade de sua família. Em um triste eco dos últimos anos de Catarina de Aragão.

Maria I e Felipe da Espanha.

Maria I e Felipe da Espanha.

Depois do malogro em produzir um herdeiro, Felipe partira da Inglaterra para cuidar de seus assuntos políticos. A ausência do cônjuge, aliado ao desejo de reaver a atenção do mesmo, fez Mary descontar suas frustrações nas intensas perseguições contra protestantes (em cinco anos estima-se que cerca de 300 “Hereges” foram queimados nos autos-de-fé). Em toda a Europa tornara-se famoso o apelido da senhora real inglesa (Bloody Mary). Em vista disso, o escocês Jonh Knox escreveria sobre a aberração que era o governo das Marias, referindo-se também à regente da Escócia Marie de Guise. Entretanto, a verdadeira mente por trás da terrível nomenclatura era Jonh Foxe, um escritor e clérigo evangélico que passara todo o reinado de Mary I no exílio, a compilar histórias sobre vítimas antipapistas em uma obra conhecida como “O livro dos Mártires”.

No entanto, ela não era a única responsável pelos massacres que se vinham ocorrendo. Ao lado da rainha, estava o arcebispo da Cantuária, Reginald Pole, ao qual ela teria dito:

“A punição dos hereges, deve ser feita sem pressa, deve, entretanto, aplicar a justiça para aqueles que, pela inteligência, procuram iludir as almas simples”.

É interessante perceber pela fala de Mary que, para ela, era sua missão salvar as almas de seus súditos da condenação eterna. Um comportamento idêntico também era característico de sua avó, Isabel I de Castela, que popularizou essa forma de expurgar os pecados do povo nas brasas da inquisição. Porém, a primeira rainha absoluta da cristandade passaria à imortalidade com a nomenclatura de “A Católica”, ao contrário da neta que fez muito menos vítimas do que ela; estimativas apontam que Henrique VIII, entre 1509 e 1547, ordenou a execução de mais de 72.000 pessoas, mas essa evidência é praticamente eclipsada pelo estereótipo de suas seis consortes; a Irmã da rainha, Elizabeth I, em 1570, exigiu nada menos que o enforcamento de 700 revoltosos do norte, que planejavam libertar Mary, rainha dos escoceses.

Execução de Hereges no reinado de Maria I.

Execução de Hereges no reinado de Maria I.

Contudo, dentre os seus familiares e membros de outras casas dinásticas, o título de sanguinária ficaria mais famoso na figura da malograda rainha Mary. A orgia de mortes na fogueira procederia até 1557, quando Felipe reaparecera no cenário Inglês, e depois. A intenção do novo rei da Espanha com sua repentina visita à esposa, que não via há dois anos, estava embasada na petição de recursos para a guerra que vinha travando com a França. Ansiosa por reaver os bons termos com o pretenso marido, Mary concordou, mal sabendo que essa empreitada lhe custaria a perda de Calais. Após a derrota, em 7 de julho Felipe já embarcava de volta e nunca mais tornaria a ver sua esposa, pois, quando de sua partida, Mary passara por mais uma falsa gravidez, só que desta vez suas forças já se esvaíam.  A rainha finalmente sucumbiu em 17 de novembro de 1558, nomeando Elizabeth sua herdeira.  Dizem que antes de dar o último suspiro, teria balbuciado: “Se abrissem o meu coração, encontrariam nele gravado o nome de Calais!”

Artigo editado a partir de: “Mary, sanguinária ou Filha das Circunstâncias?”.

2 comentários sobre “O “Sanguinário” reinado de Maria I – Parte II

  1. Os protestantes queriam a morte de Maria I sim,além de provocar tumultos
    pra derrubá-la fizeram propaganda contra ela de sanguinária.O propagandista
    de tudo foi Jonh Knox.O filme Elizabeth de 98 que inclusive é um filme tendencioso onde visa mostrar os protestantes e Elizabeth como as vítimas
    dos católicos,não mostra a perseguição contra os católicos,a proibição do
    catolicismo,a prisão e maus tratos de Maria Stuart por 20 anos,não mostra
    o plano de derrubar Maria I e ainda a mostra como louca e cruel. E claro,
    o iluminismo aprovou os historiadores do século 16 e modernos em demonizar os católicos.

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  2. No fim dá para entender a revolta do povo para com ela embora a nomenclatura realmente não esteja de acordo a personalidade da mesma mas tampouco as ações de Elizabeth I porém fazem as dela menos condenáveis, afinal Elizabeth não matou todas aquelas pessoas por obsessão religiosa ou algo assim, embora do meu ponto de vista ambas as chacinas tenham horríveis de fato, mais o fato também que não era do desejo de Elizabeth o banho de sangue tanto que a mesma sempre procurava evitar guerras (fora agrana também que gastaria). Nessa guerra aliás de católicos e protestantes sangue não faltou, é lamentável aliás que pessoas ponham seus próprios interesses na frente alegando ser a palavra de Deus, coisa aliás que fazem até hoje!

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