Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Quando pensamos na rainha Elizabeth II, facilmente evocamos a figura de uma senhora de cabelos grisalhos, mãos enluvadas, sapatos pretos e vestidos em tons monocromáticos, combinando com seus chapéus. Isso sem falar na inseparável bolsa, cujo conteúdo até hoje desperta a curiosidade de muitos. As escolhas de roupa da finada monarca nunca foram aleatórias. Cada detalhe, como um mero par de luvas, era estrategicamente pensado para criar um estilo inconfundível. Assim, ela poderia ser facilmente reconhecida como a soberana britânica. Ao longo de mais de 70 anos de reinado, a imagem da rainha passou por algumas evoluções a partir de seu guarda-roupas real. Começando pelos vestidos sobre crinolina desenhados por Sir Norman Hartnell para a jovem rainha em 1952, passando pelos vestido fluidos, estampados com cores vibrantes, imaginados por Ian Thomas para a monarca que já estava em sua terceira década no trono, chegando até a figura da avó da nação, mais conhecida pela maior parte de nós. A vida da rainha Elizabeth II, contada a partir da moda, será o tema de uma nova exposição na Galeria do Rei, no Palácio de Buckingham, com inauguração prevista para a primavera de 2026.

Vestido de Noite desenhado por Sir Norman Hartnell, de 1956. © Royal Collection Trust.
Se viva, Elizabeth II estaria completando 100 anos em 21 de abril de 2026. Para marcar o centenário do nascimento da rainha, a Royal Collection Trust está preparando uma grande exposição, que reúne cerca de 200 peças de seu guarda-roupas, incluindo o icônico vestido da coroação, além peças mais simples, como casacos, botas e capas de chuva. Elizabeth serviu como monarca por mais tempo do que qualquer um de seus antecessores e acumulou uma vasta coleção de peças de roupas, que hoje fazem parte do acervo da Coleção Real. Embora não tenha sido enaltecida em seu tempo de vida como um ícone da moda (tal como Diana, antiga princesa de Gales, ou sua nora, Catherine, esposa do atual herdeiro do trono), Elizabeth II também mobilizou a indústria têxtil do seu jeito. Tendo sido uma das mulheres mais fotografadas das últimas décadas, sua imagem causou (e causa) um apelo comercial muito grande. Figuras em miniatura da monarca foram fabricadas em porcelana, linhas de brinquedos colecionáveis foram montadas e até enfeites para árvore de natal vendidos na data festiva. Isso só denota o impacto que ele exerceu em países de economia capitalista, sobre os quais sequer reinava.

Fotografia da então princesa Elizabeth e de Philip, duque de Edimburgo, no dia de seu casamento, em 20 de novembro de 1947. Ao lado, o vestido usado pela rainha na cerimônia, desenhado por Sir Norman Hartnell. © Royal Collection Trust.
Com curadoria de Caroline de Guitaut, especialista das Obras de Arte do Rei, a exposição Queen Elizabeth II: Life in Style (Rainha Elizabeth II: sua vida em estilo) reunirá esboços nunca antes vistos de estilistas, feitos especialmente para a finada soberana. Além das roupas, suas joias da monarca, seus chapéus e demais acessórios do cotidiano também farão parte da exibição. De acordo com um comunicado emitido no site da Royal Collection Trust, Caroline disse:
Ao longo do reinado notavelmente longo da Rainha Elizabeth II, seu estilo distinto se tornou instantaneamente reconhecível em todo o mundo, reforçando a indústria da moda britânica e influenciando gerações de designers e costureiros. […] Só agora, quando o acervo de moda da falecida rainha está sob os cuidados da Royal Collection Trust, podemos contar a história de uma vida inteira de escolhas de estilo cuidadosas – desde seu papel prático e compreensão do soft power por trás de seus trajes, até o artesanato excepcional por trás de cada peça de roupa.
A exposição pretende abarcar várias fases da vida de Elizabeth, que faleceu aos 96 anos, em 8 de setembro de 2022. Uma das peças de destaque é o vestido de dama de honra em lamê prateado, desenhado por Edward Molyneux, que ela usou em 1934 aos oito anos para o casamento de seu tio, o duque de Kent, com a princesa Marina da Grécia. Nessa época, Elizabeth era apenas a terceira na linha de sucessão, atrás do tio David, príncipe de Gales, e do pai, Bertie, duque de York. Trata-se, portanto, de uma bela recordação dos tempos em que a possibilidade de um dia usar a Coroa ainda não era remota..

Esquerda: Vestido da dama de honra, Edward Molyneux,1934 (foto de Jon Stokes). À direita: Rainha Elizabeth II quando princesa Elizabeth de York, por Elliott & Fry, 1934. © Royal Collection Trust.
Talvez, uma das maiores parcerias da rainha tenha sido com o estilista Norman Hartnell, a mente responsável pelo seu vestido de casamento e por seu traje de coroação. Egresso do Eton College, Hartnell começou sua carreira desenhando para membros da aristocracia, como a americana Wallis Simpson, por quem o rei Edward VIII desistiu do trono, passando a responsabilidade para o irmão, George VI. Imediatamente, o novo monarca contratou os serviços do estilista para dar uma repaginada no visual de sua esposa, a rainha Elizabeth (futura rainha-mãe). O estilo inconfundível do artista misturava elementos dos contos de fadas, como flores, contas de cristas e borboletas, ao código de vestimentas da realeza. Dessa forma, ele acabou vestido não apenas a consorte, como também as filhas do rei, Elizabeth (futura soberana) e Margaret. Em 1947, Hartnell desenhou o vestido de casamento da herdeira do trono, todo bordado com padrões florais inspirados na tela A Primavera, de Sandro Botticelli. 13 anos depois, ele também desenhou o vestido de casamento de Margaret, que ainda hoje é elogiado por seu corte atemporal.

Vestido usado pela rainha Elizabeth II na sua coroação, acompanhado do manto da coroação foi trabalhado por nada menos que doze costureiras selecionadas da Royal School of Needlework, que usaram nada menos que 18 tipos de fios de ouro para bordar os padrões entrelaçados de espigas de trigo e ramos de oliveira na orla, que simbolizam prosperidade e paz. Ao todo, o robe demorou cerca de 3.500 horas para ficar pronto, entre março e maio de 1953 e possui seis metros e meio de comprimento. © Royal Collection Trust.
Para a coroação da jovem rainha de 27 anos, em 2 de junho de 1953, Hartnell fez mais de 8 croquis. O escolhido foi a magnífica peça costurada com fios metálicos e contas de cristal, bordada com emblemas florais que representavam os países sobre os quais Elizabeth II reinava na ocasião. Entre os elementos nacionais, destacavam-se a rosa da Inglaterra, o cardo da Escócia, o trevo da Irlanda do Norte e o alho-poró do País de Gales. Assim como o vestido de casamento, o traje da coroação da rainha voltará a ser exibo (sua última exposição foi no castelo de Windsor, em 2022, meses antes da morte da rainha). Hartnell, por sua vez, continuaria trabalhando para a monarquia até a década de 1960, criando peças magníficas, como o vestido que a soberana usou em 1961 para um banquete de Estado em Karachi. A peça, que incorpora as cores nacionais do Paquistão, apresenta uma enorme prega verde-esmeralda, que cai em formado de cascata sobre o tecido acetinado das costas do vestido. Quando em encontros com líderes mundiais ou em visitas a outros países, as escolhas de roupas da rainha sempre eram pensadas para homenagear a nação estrangeira.

Vestido branco desenhado por Norman Hartnell para um banquete de Estado de 1961 em Karachi, que incorpora as cores nacionais do Paquistão por meio de uma dramática prega verde-esmeralda em cascata nas costas. © Royal Collection Trust.
Contudo, seria errado supor que Elizabeth merece todo o crédito pela construção de sua imagem régia. Ela era o produto coletivo de um time de estilistas, costureiras e, principalmente, de sua dama do guarda-roupas. Por décadas, essa função foi assumida por Margaret “Bobo” MacDonald, sua antiga babá escocesa. Ela era responsável pelas roupas e joias da rainha, combinando as peças para as aparições públicas da monarca. Nos anos 1970, quando os trajes sobre crinolina de Hartnell não combinavam mais com a soberana de 45 anos, Margaret recorreu ao talento do estilista Ian Thomas, que usava na confecção de suas peças tecidos leves e fluidos, estampados com cores vibrantes. Parte da coleção dos vestidos de noite da soberana, da autoria de Thomas, também estará na exposição. Após 67 anos ao serviço da Coroa, MacDonald se aposentou com muitas honrarias, falecendo em 1993. Ela foi substituída no cargo pela perspicaz Angela Kelly, que acabaria ascendendo ao posto de assistente pessoal da rainha. Kelly foi responsável pelo estilo de Elizabeth II nas últimas três décadas de seu reinado, selecionando cuidadosamente o que ela deveria vestir em cada evento, de acordo com a hora e a estação do ano.

Vestido de noite de Elizabeth II, desenhados por Ian Thomas, c. 1970. Fotografia de Jon Stokes. © Royal Collection Trust.
Com efeito, Angela foi muito sábia ao desenvolver um estilo único para a rainha, que a tornasse facilmente reconhecida em qualquer mídia ou evento. No seu livro, The Other Side of the Coin (2022), ela conta detalhes sobre o processo de separação de trajes e acessórios para a monarca, em diferentes ocasiões. Talvez, poucas pessoas tenham desfrutado tanto da intimidade da finada rainha quanto ela. “Não olhe para mim, Angela faz o dinheiro”, disse Elizabeth sobre o trabalho de sua assistente. “Nosso papel como seus figurinistas é garantir que Sua Majestade esteja vestida adequadamente para cada ocasião – de eventos de Estado a trajes informais para o dia a dia, no Reino Unido e no exterior”. Sobre a escolha dos tons dos vestidos, ela acrescentou que “a cor é a chave, no entanto – a cor selecionada deve servir à rainha e a ocasião. Cores vibrantes funcionam bem durante a luz do dia: permitem que ela se destaque numa multidão e seja visível aos simpatizantes que vieram apreciá-la”. Conforme a rainha se desloca para um espaço interior e a incidência de luz muda, “terá um efeito na cor e na textura do tecido, e isso precisa ser levado em consideração” (2022, p. 73).

Vestido usado pela rainha Elizabeth II em 31 de outubro de 1960, durante a première de “Man in Moon”. O traje foi desenhado por Norman Hartnell, estilista da Coroa (o mesmo designer por trás do vestido de casamento e da coroação da soberana). Ele apresenta um padrão de contas de cristal bordadas sobre o tecido. Na ocasião, Elizabeth combinou a peça com a belíssima tiara Queen Mary’s Girls e com o colar da rainha Alexandra. © Royal Collection Trust.
Angela Kelly pensava as quatro estações do ano individualmente enquanto separava os trajes da rainha. Por exemplo, na primavera, dava-se preferência a cores delicadas, com padrões florais; já no verão, valorizava-se o uso de tons luminosos, dinâmicos e de tecidos mais leves; no outono, Elizabeth aparecia publicamente em tons mais sóbrios, enquanto no inverno era escolhido o dourado, azul real, púrpura e tecidos como veludo. Conforme disse Sali Hughes, a rainha era guiada pelo dever e isso, por sua vez, orientava suas escolhas de roupas:
Ela usa cores vibrantes porque acredita que é seu dever ser vista pelas pessoas que esperam, molhadas e com frio, atrás das barreiras por horas a fio. Ela prefere mangas três quartos porque acredita que é seu dever acenar para simpatizantes por várias horas, sem impedimentos. Em eventos internacionais, ela escolhe cores que não implicam lealdade a uma única bandeira, porque acredita que é seu dever ser neutra e respeitosa com todas as nações. Ela usa uma única ombreira corretiva, porque acredita que a monarca deve ficar ereta diante dos súditos. Tudo deve ser bainhando com pesos de cortina para evitar a vulgaridade e humilhação do que hoje chamamos de “vestido levantado” ( HUGHES, 2019, p. 11).
Assim sendo, quando Elizabeth II se vestia, suas escolhas de roupas não eram feitas apenas para si, mas principalmente para a monarquia. “Preciso ser vista para ser acreditada”, disse ela em certa ocasião. A exposição Queen Elizabeth II: Life in Style ficará aberta ao visitante da primavera ao verão de 2026, no Palácio de Buckingham, embora sem data de estreia confirmada. Contudo, os visitantes poderão adquirir seus ingressos a partir de novembro deste ano.
Fontes:
BBC. Fashion Queen: The Royal Collection Trust to put on exhibition of outfits for Queen Elizabeth II’s birthday anniversary. 2025 – Acesso em 05 de Agosto de 2025.
LA CRUZ, Johanna L. Añes-de. Queen Elizabeth II’s fashion to feature in Buckingham Palace exhibition. 2025 – Acesso em 05 de Agosto de 2025.
ROYAL COLLECTION TRUST. Centenary of Queen Elizabeth’s birth to be marked by largest exhibition of her fashion ever staged. 2025 – Acesso em 05 de Agosto de 2025
Referências Bibliográficas:
HUGHES, Sali. Our Rainbow Queen: a tribute to Queen Elizabeth II and her colorfoul wardobre. EUA: Plume, 2019.
KELLY, Angela. The other side of the coin: The Queen, the Dresser and the Wardobre. London, UK: Harper Collins, 2022.













