Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Em 8 de junho de 1867, o imperador Francisco José da Áustria e sua esposa, Elisabeth “Sissi” da Baviera, eram coroados como rei e rainha consorte da Hungria. A cerimônia aconteceu na Igreja de São Matthias, em Budapeste, e foi conduzida pelo conde Andrássy e pelo Primaz da Igreja Católica. Para o evento, Sissi usou um vestido de seda branca com avental de renda franzida, atado por um corpete de veludo escuro, costurado com fios de pérolas. Com seus cabelos trançados em cima da cabeça, como se fossem uma diadema natural, a imperatriz-rainha não poderia estar mais deslumbrante. Essa composição ofereceu a imagem definitiva da monarca em todo seu esplendor. Muitos artistas a retrataram com suas vestes da coroação, mas nenhum foi tão talentoso quanto György Raab, pintor oficial da família imperial. Mais de uma versão de sua tela de Sissi como rainha da Hungria foi produzida. Recentemente, uma delas voltou para o Palácio Real de Gödöllő, que era a residência oficial do casal de monarcas. O retrato foi adquirido em um leilão pela soma de 75.000 euros!

Tamás Ujváry, Diretor Executivo do Palácio Real de Gödöllő (esquerda) e Hankó Balázs, Ministro da Cultura e Inovação (direita). Foto de MTI/Illyés Tibor.
Embora não fosse tão querida pelos austríacos em seu tempo de vida, Sissi era bastante estimada pelos húngaros, que reconheciam seu empenho na causa nacional. Após uma série de derrotas na Itália, em 1859, e contra a Prússia, em 1865, a posição do imperador Francisco José ficou bastante enfraquecida. A Hungria, que se ressentia do governo central de Viena, buscava seu reconhecimento como reino independente e o restabelecimento da Constituição de 1848. Sabe-se que a imperatriz, amiga do Primeiro-ministro húngaro, conde Andrássy, era favorável a uma monarquia dual e teria convencido o marido a ratificar o Compromisso Austro-Húngaro de 1867. Assim, o Império austríaco foi dividido em duas partes, cada uma das quais com seu próprio Parlamento e forma de governo, embora ainda permanecessem unidas sob o cetro de Francisco José, que passava agora a ser rei da Hungria, além de imperador da Áustria.

A Coroação de Francisco José e Elisabeth como rei e rainha da Hungria, gravura em chapa de aço, 1867. (Acervo: Schloß Schönbrunn Kultur- und Betriebsges.m.b.H).
Como presente da coroação, Elisabeth e Francisco receberam o belíssimo Palácio em estilo barroco de Gödöllő. O edifício se tornaria a residência oficial do casal de monarcas como novos rei e rainha da Hungria. Sissi passaria algumas temporadas no Palácio, durante suas estadas na Hungria. Ela não apenas se identificou com os costumes locais, como também aprendeu sua história e idioma. Dessa forma, a soberana se tornou uma figura muito querida entre a população. Atualmente, o Palácio de Gödöllő recebe cerca de 356.107 visitas por ano, graças a essa conexão com a soberana. Sendo assim, seus curadores ficam de olho em qualquer artefato ligado à trágica imperatriz, que possa ser trazido para o caervo do Palácio. A tela de Raab foi colocada à venda no dia 12 de junho, em Viena, no leilão Kaiserhaus, da casa de leilões Dorotheum. Nascido em 1821, György Raab (também conhecido como Georg Raab) foi um dos mais proeminentes artistas do século XIX.

Sissi em seu vestido de coroação como rainha da Hungria, em 1867. Possivelmente, a tela de Raab se baseia nessa fotografia.
Antes de se tornar o pintor oficial da família imperial, em Viena, Raab tinha um ateliê em Budapeste, mantido desde o ano de 1842. Balázs Hankó, Ministro da Cultura e Inovação, e Tamás Ujváry, Diretor Executivo do Palácio Real em Gödöllő anunciaram a compra da tela na última terça, dia 01 de julho de 2025. Em uma conferência de imprensa realizada no Palácio Real de Gödöllő, foi dito que esta e outras duas telas foram adquiridas: uma litogravura de 1850 da arquiduquesa-mãe, Sofia, usando no braço direito uma pulseira contendo o retrato em miniatura do imperador; já a outra litografia, retrata a princesa Hildegard, que era a prima favorita da imperatriz Elisabeth. Balázs Hankó ressaltou que a equipe do Palácio Real de Gödöllő está sempre procurando formas de embelezar e expandir o acervo dessa maravilha da arquitetura húngara. Agora, os especialistas estão pesquisando mais a respeito do histórico da pintura, para oferecer maiores informações aos visitantes.

Uma das telas de Raab de Sissi em seus trajes de coroação, em 1867. Acervo do Sisi Museum, Hofburg Palace.
Na tela, Sissi aparece retratada numa pose 3/4, paramentada com suas vestes da coroação. As mãos enluvadas na altura do ventre seguram um leque. Possivelmente, o quadro foi pintado com base nas fotografias tiradas naquela ocasião. De acordo com um pequeno registro feito pelo arquiduque Rudolf, então com 9 anos, seus pais foram coroados com a coroa de Santo Estêvão:
Na igreja havia muitos magnatas e oficiais, então a música começou e o Primaz e muitos bispos católicos e gregos e muitos outros padres. Então vieram papai e mamãe. Mamãe sentou-se em uma espécie de trono, e papai foi até o altar, onde se lia muito latim … Depois, os tambores ressoaram e Andrássy e o Primaz colocaram a coroa na cabeça do papai. Em seguida, o orbe imperial e o cetro foram colocados nas mãos de papai.
Porém, outras testemunhas do evento não compartilharam do mesmo entusiasmo do pequeno herdeiro dos tronos da Áustria e da Hungria. O correspondente suíço, por exemplo, achou a cerimônia ultrapassada e exagerada: “Apesar de sua pompa e verdadeira magnificência, toda a procissão deu ao observador imparcial a impressão de um baile de máscaras de carnaval… Esse vestígio da Idade Média simplesmente não se encaixa em nossos tempos”. Além disso, ele observou com ironia o fato de Francisco José ser coroado pelo conde Andrássy, então Primeiro Ministro da Hungria:
Dá uma impressão extremamente estranha ver a maneira pela qual o homem cuja sentença de morte o imperador Francisco José assinou em 1849 e cujo nome foi pregado na forca em Pest, agora, dezoito anos depois, coloca a coroa na cabeça do monarca cuja maior confiança ele desfruta hoje.
A cerimônia foi conduzida pelo Primaz da Igreja Católica. Após coroar Francisco como rei da Hungria com a coroa de Santo Estêvão, ela foi colocada sobre a cabeça de Elisabeth, que estava sentada no trono. O vestido que a rainha usava foi desenhado por ninguém menos que Charles Frederick Worth, considerado o “pai da alta costura” e um dos estilistas favoritos de soberanas como Sissi e Eugénia de Montijo, imperatriz dos Franceses.

Hankó Balázs, Ministro da Cultura e Inovação (à esquerda), e Tamás Ujváry, Diretor Executivo do Palácio Real de Gödöllő, apresentam uma pintura até então desconhecida da Rainha Elisabeth ao lado de duas litografias em uma coletiva de imprensa realizada no Palácio Real de Gödöllő. Foto: MTI/Illyés Tibor
Até hoje, alguns especialistas se debatem sobre a cor exata do vestido, uma vez que o modelo original não sobreviveu e as fotografias do período não permitem discernir corretamente se a seda seria branca, marfim ou azul-bebê. O acabamento da peça segue a moda tradicional húngara do século XV. A tela pintada por Raab faz parte da coleção de mais de 500 obras de arte que o Palácio Real de Gödöllő adquiriu desde o ano passado, tanto por meio de compras, como por doações. Sissi permaneceu como rainha consorte da Hungria até o ano de 1898, quando foi brutalmente assassinada por um anarquista italiano, no dia 10 de setembro, em Genebra, na Suíça. Seu marido jamais voltou a se casar, falecendo em 1916, durante o período da Primeira Guerra Mundial. O império Austro-Húngaro se desfez dois anos depois. Apesar disso, a memória de Sissi continua mais viva do que nunca no imaginário coletivo.
Fontes:
GRUBER, Stephan. The Austro-Hungarian Dual Monarchy: the coronation of the Hungarian royal couple. – Acesso em 02 de Julho de 2025.
HUNGARY TODAY – Acesso em 02 de Julho de 2025.













