Por: Renato Drummond Tapioca Neto
No sábado, dia 02 de novembro (quando a tradição católica celebra o “dia de finados”), a socialite, atriz e filantropa norte-americana, Kim Kardashian, compareceu ao tapete vermelho da edição de 2024 do LACMA Art And Film Gala usando um acessório inusitado. Conhecida por homenagear mulheres que lhe serviram de inspiração vestindo algo de uso pessoal delas, Kim surgiu no evento com uma peça de joalheria que havia sido utilizada pela princesa Diana: uma cruz de ametistas engastadas em ouro! Em 2022, Kardashian causou alguma polêmica quando compareceu ao Met Gala usando um vestido de 60 anos, que havia pertencido a Marilyn Monroe. Um ano depois, ela adquiriu num leilão a joia originalmente usada por Diana em 1987, por cerca de 1 milhão de reais. Tanto o vestido quanto o crucifixo tinham sido usado anteriormente uma única vez. Entretanto, Kardashian resolveu escrever um novo capítulo na historicidade de casa peça!
Até então, a socialite não havia usado publicamente a peça, quando surgiu com o crucifixo entre seus seios, parcialmente expostos por um decote bastante generoso, em seu vestido branco justo, que valorizava suas curvas. As pérolas do crucifixo, por sua vez, foram utilizadas numa espécie de gargantilha por Kim, para fazer referência a outra peça de joalheria icônica da finada princesa de Gales. Diana usou esse colar para compor um visual adaptado da moda do século XVI, bastante parecido com os trajes de Mary Stuart, a trágica rainha dos Escoceses, durante um evento de caridade. A princesa era conhecida por comparecer em bailes temáticos, usando reinterprecões contemporâneas da moda da época. Naquela ocasião, a cruz de ametistas combinou perfeitamente com seu traje desenhado pela estilista Catherine Walker, costurado em tecido preto e púrpura.

Kim Kardashian usando o mesmo crucifixo que Diana usou em 1987.

A fina princesa de Gales compareceu em um evento beneficente, usando a joia de ametistas.
Segundo o site L’Officiel, a escolha de Kim Kardashian em um evento beneficente em Los Angeles, que reúne várias estrelas de Hollywood, foi uma forma de reunir passado e presente, numa combinação de estilo de história. O LACMA Art And Film Gala promove a arrecadação de fundos para exposições de arte e programas do museu. Como Diana era patrona de muitas instituições de caridade, a escolha do crucifixo por sua atual proprietária certamente foi uma forma de homenagear o trabalho social da mãe dos príncipes William e Harry. De acordo com site da TMZ, a peça foi arrematada em um leilão da Sothebys por um valor aproximado de 1 milhão de reais ($197,453). A joia foi confeccionada pela Garrard, a mesma joalheria responsável pelos mais belas ornamentos da família real britânica.
Também conhecida como Attalah Cross, a peça pertencia originalmente a Naim Attallah, um antigo amigo da princesa, que emprestou a cruz a ela para combinar com seu vestido. Desde então, a joia nunca mais havia sido vista publicamente, até o dia do leilão, em 18 de janeiro de 2023. Ramsay Attallah, filho de Naim (que já faleceu), revelou numa entrevista para Vogue em dezembro do ano passado que “poucas pessoas poderiam levar esta peça, mas Diana realmente poderia”. Além disso, “nunca foi usada por ninguém além de Diana e não foi vista em público desde que ela morreu”, complementou. O fascínio de Kardashian por objetos que pertenceram a mulheres que sofreram tanto em vida é, no mínimo, curioso!

Diana adaptou o crucifixo a um traje desenhado por Catherine Walker, que lembra as roupas de Mary Stuart, a trágica rainha dos Escoceses.

Kim Kardashian reapareceu com o crucifixo usado uma única vez por Diana, no sábado, diante de novembro de 2024, no . O LACMA Art And Film Gala.
Ironicamente, Marilyn Monroe e a princesa Diana figuram na lista das mulheres mais perseguidas e fotografadas da história. Ambas foram extremamente assediadas pela imprensa, passaram por vários transtornos de natureza psicológica, uso de antidepressivos, e morreram tragicamente aos 36 anos de idade, em circunstâncias que muitos consideram ainda misteriosas. Lembremos que em 2022 Kardashian conseguiu usas dois vestidos com mais de 60 anos, que pertenceram ao guarda-roupas de Marilyn. A concessão do chamado vestido “Parabéns Para Você”, para o MET Gala 2022, causou alguns danos históricos à peça (mesmo que não intencionais), assim como para a escrita biográfica de sua proprietária original.
Em várias páginas sobre Moda, já se disse que a roupa foi costurada especialmente para a diva holywoodiana, combinando com seu tom de pele. Ela a usou para cantar “Parabéns pra você” ao presidente J.F. Kennedy, em 1962. Poucos meses depois, a atriz morreu por abuso de medicação. Sendo assim, o vestido, coberto de brilhantes, fez parte de uma das últimas grandes aparições públicas de Marilyn, estando intimamente ligado à construção de sua memória e imagem póstuma. A peça (adquirida num leilão em 2016 pelo Ripley’s Believe It or Not! Museum, localizado em Orlando, por 4,6 milhões de dólares), foi emprestada para a empresa de Kardashian de forma bastante irresponsável. Ao fazê-lo, Kim conseguiu dar o golpe publicitário que tanto buscava. Afinal, o vestido foi criado para se adequar à identidade de Monroe, não da socialite.

Conhecida como Attalah Cross, a joia é composta sete ametistas de corte quadrado e branco uma base de ouro. Foi leiloada em janeiro de 2023 pela Sothebys.

Kim Kardashian usando o vestido “Parabéns Para Você”, de Marilyn Monroe, no Met Gala de 2022.
Roupas como essa não são simples acessórios, mas carregam consigo traços indeléveis de quem as possuiu.
Imaginem, por exemplo, o vestido Elvis da princesa Diana saindo do mostruário no Palácio de Kensington para ser usado por alguma celebridade?! Em sua insensatez, Kardashian reescreveu a historicidade da peça, apenas para incluir seu nome da biografia de Marilyn Monroe. Toda vez em que o episódio no qual a estrela canta para o presidente dos Estados Unidos for mencionado, Kim certamente será mencionada como a única usuária do vestido após Marilyn. Embora vários Museus do Traje espalhados pelo mundo tenham alertado para a insensatez da Instituição que emprestou a roupa, o fato é que isso abriu um precedente para que absurdos como esse voltem a acontecer.
O Comitê de Vestuário do ICOM (Coselho Internacional de Museus), manifestou uma nota pública sobre a polêmica protagonizada por Kim Kardashian, ao usar o vestido de Marilyn Monroe no MET Gala 2022. Após consultar vários historiadores e museólogos, a Instituição chegou à seguinte conclusão:
Sobre essa situação em particular, o vestido que pertenceu à Marilyn Monroe foi feito pelo designer francês Jean Louis numa cor que combinasse com seu tom de pele, foi costurado nela antes de ser usado no evento em que cantou Parabéns para o então presidente dos Estados Unidos John F. Kennedy, em 1962. Ela não usou qualquer roupa de baixo, para dar uma sensação mais vívida de que estava nua. Algumas considerações sobre os estragos derivados do uso há uma semana: A diferença entre as medidas de Marilyn e da nova usuária demonstram desigualdades na tensão do ajuste, então pode-se inferir que o tecido foi colocado sob intenso estresse de uso. O material é seda soufflé, que não se encontra mais disponível, de modo que é insubstituível. Apesar de o vestido pertencer a uma coleção privada, a herança pode ser entendida como patrimônio da humanidade, independentemente de qual instituição possua a custódia da propriedade. Como museólogos, nós recomendamos fortemente a todos os Museus que evitem empréstimos de peças históricas para serem usadas, uma vez que são artefatos da cultura material de seu tempo, e devem permanecer preservadas para as futuras gerações.
Contrariando as opiniões daqueles que não acreditavam que ela havia usado a peça de fato (a despeito do vídeo dos bastidores postado pela socialite), foi divulgada uma foto da parte traseira do traje, atualmente em exposição no Ripley’s Believe It or Not Museum, em Orlando. Como podemos observar, o tecido foi estragado. Kim, cujo quadril é mais largo do que o de Marilyn, precisou de emendas para que o vestido coubesse em seu corpo. Para escondê-las, ela utilizou um casaco na entrada do MET Gala 2022, posou para as fotos e em seguida trocou o original por uma réplica. Porém, os danos causados ao tecido de 60 anos (mesmo que usado por poucas horas), foram grandes.

A atriz, filantropa e socialite sofreu várias críticas por usar uma peça que tinha sido vestida uma única vez por sua antiga proprietária.

Após seu uso, a peça sofreu danos, como rasgos no tecido e perda de cristais.
Costurado em seda soufflé no corpo na própria atriz, o material daquele que ficou conhecido como o “Vestido do Parabéns Para Você” não é mais fabricado hoje em dia. Não obstante, embora muitos tenham relativizado o caso, a peça foi usada uma única vez por Marilyn. Poucos meses depois, a estrela foi encontrada morta em seu quarto. Nos anos 1980, um inquérito sobre a morte de Monroe foi reaberto, para avaliar se as causas de seu falecimento estariam ligadas a um assassinato. Até hoje, algumas teorias que apostam nesse viés ligam o nome da família do presidente ao possível crime. Sendo assim, o vestido (um dos mais caros do mundo, diga-se de passagem) possui uma importância histórica que vai além da cultura material da época em que ele foi produzido. Infelizmente, Kim Kardashian, no seu desejo de atrair atenção dos holofotes, danificou uma importante evidência para a escrita da biografia de Marilyn Monore e das circunstâncias que levaram à sua morte precoce em 4 de agosto de 1962, aos 36 anos.













