“Seis Vidas”: nova exposição celebra o protagonismo das esposas do rei Henrique VIII!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Catarina de Aragão, Ana Bolena, Jane Seymour, Ana de Cleves, Catarina Howard e Catarina Parr entraram para a história como capítulos separados da biografia do rei Henrique VIII, que governou a Inglaterra de 1509 até sua morte, em 1547. Contudo, cada uma dessas mulheres tinha suas próprias peculiaridades, estilos de vida, crenças e costumes. É muito comum reduzi-las ao verso simplista: “Divorciada, Decapitada, Morreu. Divorciada, Decapitada, Sobreviveu”, para assim lembrarmos com maior facilidade sua ordem de sucessão. Contudo, as rainhas foram verdadeiras protagonistas do movimento político, cultural e filosófico no qual estavam inseridas e deixaram para trás um importante legado, valorizado hoje por meio de séries televisivas, filmes, romances e novas pesquisas biográficas. Agora, a National Portrait Gallery de Londres apresenta um pouco de suas trajetórias, por meio da exposição “Six Lives: The Stories of Henry VIII’s Queens”, que reúne objetos pessoais das soberanas pela primeira vez em quase 500 anos!

Fotografias em preto e branco, emolduradas, feitas por Hiroshi Sugimoto das representações em cera das soberanas, expostas na filial londrina do Museu Madame Tussaud’s.

Aberta ao público desde o dia 20 de junho de 2024, “Six Lives” é um mergulho profundo nas vidas de cada uma das consortes do rei. Nesta nova exibição, Henrique VIII deixa de ser o protagonista do enredo para dar espaço às suas esposas. Entre itens originais do século XVI, emprestados de coleções privadas e de outras exposições, a amostra também apresenta figurinos do musical SIX, inspirado nas vidas das rainhas, além de fotografias atuais feitas por Hiroshi Sugimoto, das estátuas de cera das soberanas, no Museu Madame Tussaud’s de Londres. Por meio de retratos pintados do século XVI, livros de Oras, cartas, documentos pessoais, joias, tapeçarias, entre outros pertences nunca antes vistos em público, “Six Lives” se propõe a tirar as monarcas de seu agrupamento homogêneo na sombra do rei, ressaltando sua agência, individualidade e suas representações modernas na cultura popular. Apropriadas pela Literatura e pelo cinema, as soberanas migraram do reino da História para o da Ficção, onde não param de receber centenas de súditos.

Retrato de Ana de Cleves, feito segundo aquarela de Hans Holbein, o Jovem, pelo francês Edgar Degas.

Algumas das peças em exposição incluem um retrato de Ana de Cleves, feito segundo aquarela de Hans Holbein, o Jovem, pelo francês Edgar Degas. Enquanto a obra que serviu de inspiração a Degas se encontra em exposição permanente no Museu do Louvre, em Paris, o artista impressionista ofereceu ao observador uma visão incomum sobre a quarta esposa do rei. O famoso retrato teria sido encomendado por Henrique VIII em 1539, durante as negociações de casamento com a filha do duque de Cleves. Convencido pela boa aparência da retratada, o rei teria aceitado se unir em matrimônio com ela. Porém, quando se conheceram em janeiro de 1540, Henrique teria achado a modelo muito diferente de sua versão em tela. Essa narrativa serviria tempos depois como base para o mito de que Ana de Cleves era tão feia quanto uma “Égua de Flandres” (algo que o soberano nunca disse). A partir de então, a quarta esposa de Henrique VIII ficou reduzida a essa anedota, em vez de representada como a mulher culta e economicamente emancipada que foi. A versão de Degas feita no século XIX, porém, nos convida a olhar para a história de Ana de Cleves sob uma nova perspectiva.

Retrato de Catarina Parr, atribuído a Mestre John. A rainha foi retratada numa pose em 3/4, com um vestido preto, que destacava suas joias e o tecido dourado da saia e das mangas do traje.

Outra obra importante, que se encontra presente na exposição, é o retrato de Catarina Parr, atribuído a Mestre John. A rainha foi retratada numa pose em 3/4, com um vestido preto, que destacava suas joias e o tecido dourado da saia e das mangas do traje. Um capelo em meia lua, ricamente engastado com pérolas, prende os cabelos loiros da rainha. Acreditava-se que a pintura tinha sido destruída em um incêndio no ano de 1949. Porém, o painel foi recentemente restaurado e está sendo exibido pela primeira vez desde a sua recente conservação e leilão. Ao lado desta peça, encontra-se outro retrato de Catarina Parr, também atribuído a Mestre John, que faz par do acervo do castelo de Sudeley, onde a sexta esposa do rei Henrique VIII veio a falecer no ano de 1549, após contrair febre puerperal em decorrência do parto de sua única filha com Thomas Seymour. Catarina Parr foi uma das mulheres mais cultas de seu tempo, chegando a escrever livros com temática religiosa e exercendo grande influência na formação de sua enteada, a futura rainha Elizabeth I.

O icônico retrato de Ana Bolena, feito por artista desconhecido na segunda metade do século XVI, no qual ela exibe o colar de pérolas com o pingente de ouro em forma de “B”, de Bolena.

Uma peça de destaque na exposição é o icônico retrato de Ana Bolena, feito por artista desconhecido na segunda metade do século XVI, no qual ela exibe o colar de pérolas com o pingente de ouro em forma de “B”, de Bolena. A joia acabou se transformando em um elemento intrínseco na construção das representações póstumas de Ana. Segundo Charlotte Bolland, curadora sênior de pesquisa e coleções do século XVI na National Portrait Gallery:

Ao encontrar a cultura da corte em que desempenharam seus papéis de rainhas, as imagens de suas famílias e pares, as obras que encomendaram, os objetos que possuíam e até mesmo as cartas e bilhetes que escreveram, não podemos deixar de vislumbrá-las como indivíduos. Nesta exposição, os tênues traços sobreviventes de cada rainha são exibidos ao lado dos retratos que ajudaram a transformá-las em ícones.

Outros itens em exposição, que merecem destaque nessa matéria, são uma caixa de escrita, que teria pertencido a Catarina de Aragão, o livro de Oras com a assinatura de Ana Bolena (acervo do Castelo de Hever, em Kent), uma Bíblia ilustrada encomendada por Thomas Cromwell após a morte de Jane Seymour, o livro de contas de Ana de Cleves, um possível retrato em miniatura de Catarina Howard, da autoria de Hans Holbein, o Jovem, e um livro de Oras de Catarina Parr com uma inscrição de Henrique VIII, exibido em Londres pela primeira vez.

Figurino de Catarina de Aragão no SIX the Musical.

Com efeito, as esposas do rei Henrique VIII contribuíram de forma significativa para as artes dramáticas. Não é à toa que a exposição “Six Lives” também contemple este aspecto. Entre as representações póstumas das rainhas, temos o figurino de Catarina de Aragão no SIX the Musical, cenas do filme alemão “Anne Boleyn”, de 1920, figurinos da Royal Shakespeare Company e apresentações da Royal Opera House. Além disso, a exposição conta com os belíssimos designs feitos especialmente para a produção da BBC, “The Six Wives of Henry VIII”, série em seis capítulos que foi lançada em 1970. Os figurinos seguiram à risca os retratos pintados de cada uma das consortes reais, sendo uma das adaptações mais fidedignas da história do rei Henrique VIII e de suas rainhas. Por fim, mas não menos importante, temos as fotografias em preto e branco, emolduradas, feitas por Hiroshi Sugimoto das representações em cera das soberanas, expostas na filial londrina do Museu Madame Tussaud’s. As imagens capturam um lado bastante sensível de cada uma das estátuas.

Carta de baralho representando a rainha de copas, feita no final do século XVI.

Catarina de Aragão, Ana Bolena, Jane Seymour, Ana de Cleves, Catarina Howard0 e Catarina Parr conviveram em seu tempo de vida com as narrativas de outras representações de figuras femininas formidáveis. Seja a rainha de Sabá, ou a heroína bíblica Judith, elas entraram em contato com modelos de mulheres que exerceram o poder. “Six Lives”, por sua vez, resgata esse aspecto interessante do século XVI, para demonstrar que as rainhas não eram casos isolados em seu meio. Fazendo uso de símbolos como a rainha de copas do baralho e da pintura “Lucretia”, de Joos van Cleve, essas mulheres foram verdadeiras protagonistas no palco da corte. Nicholas Cullinan, diretor da National Portrait Gallery, comenta que a exposição “espera gerar empatia, lembrando-nos de considerar as histórias que construímos coletivamente e a facilidade com que podemos definir as pessoas por um único momento em suas vidas”. “Six Lives: The Stories of Henry VIII’s Queens” estará aberta ao público na National Portrait Gallery, em Londres, até o dia 8 de setembro de 2024.

Para conhecer o site oficial da exposição, acesse: Six Lives: The Stories of Henry VIII’s Queens

Fonte:

Medievalists.net. Six Lives: The Stories of Henry VIII’s Queens begins at the National Portrait Gallery. 2024 – Acesso em 12 de agosto de 2024.

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