“Divorciada, Decapitada, Sobreviveu”: onde estão sepultadas as seis esposas do rei Henrique VIII?

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Henrique VIII da Inglaterra entrou para a História como um dos monarcas mais controversos de todos os tempos. Na busca desesperada por um herdeiro do sexo masculino, ele rompeu com a Sé de Roma e fundou uma nova Igreja, da qual ele era Defensor e Chefe. Dentro dessa instituição, acabaria se casando cinco vezes, após anular seu matrimônio com Catarina de Aragão. A filha de Isabel de Castela e Fernando de Aragão foi a primeira das seis esposas do rei, cujas trajetórias têm inspirado diversas produções cinematográficas e biográficas. Existe até mesmo um versinho popular, que lembra a ordem de cada uma delas: “Divorciada, Decapitada, Morreu. Divorciada, Decapitada, Sobreviveu. Assim foram as vidas de Catarina, Ana Bolena, Jane Seymour, Ana de Cleves, Catarina Howard e Catarina Parr. Seis mulheres tão diferentes, ligadas pelo mesmo destino biológico. Seis indivíduos que tiveram a má sina de se casar com o monarca inglês para tentar garantir a sucessão do trono para um príncipe. No final, foram as duas princesas que Henrique teve com suas duas primeiras esposas, Mary I e Elizabeth I, que se mostraram monarcas mais eficientes do que seu próprio pai.

Diferentemente do imperador Francisco I da Áustria, que está sepultado na Cripta dos Capuchinhos, em Viena, ao lado de suas quatro esposas, as consortes do rei Henrique VIII estão separadas. Viajando pela Inglaterra, é possível visitar cada um dos seu locais de sepultamento. Desprovidas de seus títulos régios, a posteridade foi mais generosa com elas em morte do que em vida, restaurando sua dignidade e privilégio. Vejamos quais histórias seus túmulos reais podem nos contar:

  • 1. Catarina de Aragão, “Divorciada”

Túmulo de Catarina de Aragão, na Catedral de Peterborough. Originalmente, ela foi sepultada como princesa-viúva de Gales.

Na madrugada de 7 de janeiro de 1536, Catarina pedia ao seu capelão, Jorge Athequa, bispo de Llandaff, para que ouvisse a sua confissão, antecipando assim a hora canônica. Às 10 da manhã, ela recebeu a extrema-unção, fazendo com suas damas uma oração “que teria partido qualquer coração”, pedindo perdão a Deus “para o rei, seu marido, pelo mal que ele lhe fizera”. As horas se arrastaram por mais um pouco e quando deu 2 da tarde, ela disse aquelas palavras finais proferidas por Cristo e com as quais todo católico da época desejava morrer: In manus tuas, Domine, comendo spiritum meum (Em tuas mãos, Senhor, entrego a minha alma). Pouco depois, faleceu, assistida pela amiga Maria de Salinas. Sua morte causou verdadeira comoção popular na Inglaterra. Porém, uma última humilhação lhe estava reservada, pois Catarina não seria enterrada como rainha e sim como “princesa viúva de Gales”, um título que ela rejeitou a vida toda. Tampouco foi sepultada no convento dos Frades Observantes, conforme seu desejo final, mas na catedral de Peterborough, onde jaz até hoje. Com efeito, o embaixador espanhol Eustace Chapuys, que recebeu a notícia da morte de sua senhora no dia 9, se recusou a comparecer ao cortejo fúnebre, por causa das honras de princesa viúva prestadas a ela.

Quando sua filha, Mary I, se tornou rainha reinante após a morte do irmão, Edward VI, em 1553, ela validou o casamento de seus pais e ordenou que os restos mortais de sua mãe fossem trazidos para serem sepultados ao lado dos seus, na Abadia de Westminster. A sucessora de Mary, Elizabeth I, porém, não achou uma boa ideia essa comunhão das rainhas católicas. No final, foi a própria Elizabeth quem compartilhou com Mary um imponente túmulo na Abadia. Mas, no século XIX, a rainha Vitória, em um gesto louvável, restituiu a Catarina o título de rainha da Inglaterra, depois de uma reforma na Catedral. Décadas depois, outra soberana estrangeira, a rainha Mary de Teck, ordenou que o túmulo da filha de Isabel de Castela e Fernando de Aragão fosse reformado, para torná-lo digno da mulher ali enterrada. Letras em latão dourado, com os dizeres “Catarina Rainha da Inglaterra”, foram acrescentadas. De todas as esposas de Henrique VIII, foi Catarina quem teve a sepultura mais imponente. Periodicamente, um festival local celebra a sua vida, com os moradores vestidos em trajes de época. Flores e romãs (o símbolo de Granada) são finalmente deixadas em sua lápide, em sinal de compaixão e respeito.

  • 2. Ana Bolena, “Decapitada”

Lápide marcando o local de descanso final de Ana Bolena, na Capela de St. Peter Ad. Vincula, na Torre de Londres.

Na sexta-feira, dia 19 de maio de 1536, por volta das 8 da manhã, Ana Bolena, Senhora Marquês de Pembroke, recebeu um grupo de guardas liderados pelo guardião da Torre, William Kingston. Vinham para escolta-la até o patíbulo. “A rainha morreu corajosamente. Deus a tome em sua misericórdia”, escreveu Kingston em uma carta ao secretário Cromwell, relatando os últimos instantes de Ana Bolena em vida. Logo após o golpe certeiro, que seccionou a cabeça daquela mulher quase que num piscar de olhos, suas damas de companhia rapidamente trataram de dar destino aos despojos da vítima. De acordo com uma carta escrita por um expectador português para seu correspondente em Lisboa: “uma de suas damas [de Ana] pegou a cabeça e as outras o corpo, cobrindo-os com um lençol e a colocaram dentro de um baú que estava preparado, levando-a para a igreja dentro da Torre, onde, dizem, ela jaz sepultada com os outros”. A igreja que consta no seguinte trecho é nenhuma outra senão a capela de Saint Peter ad Vincula, onde eram enterrados os nobres executados por traição.

Em 1876, foi aprovada pela rainha Vitória a restauração da capela, que naquela altura estava bastante dilapidada. A rainha, porém, impôs como condição para que os trabalhos tivessem prosseguimento de que os remanescentes humanos que ali fossem encontrados, recebessem a maior reverência e cuidados possíveis. Descobriu-se uma pilha de ossos enterrados apenas dois pés embaixo do chão do coro, pertencentes a uma mulher de 25 e 30 anos, com uma compleição delicada, fina e de proporções perfeitas. A cabeça e o maxilar inferior eram muito bem formados e a vértebra era particularmente pequena, tal como o pescoço. O crânio, por sua vez, tinha um formato oval, testa alta, cume orbital reto, olhos grandes e um queixo quadrado. Convencido de que todos aqueles ossos pertenciam à mesma pessoa, o Dr. Mouat, que examinou os remanescentes, disse que as características “coincidiam com todas as descrições publicadas da rainha Ana Bolena”. Os ossos foram então sepultados novamente e, num gesto de solidariedade, a rainha Vitória restituiu a Ana Bolena em seu novo túmulo o título de Rainha da Inglaterra. Sob o chão do coro da Capela, uma lápide marca o novo túmulo da mãe da rainha Elizabeth I, com seu brasão de armas.

  • 3. Jane Seymour

Lápide sobre o pavimento da Capela de São Jorge, no castelo de Windsor, marcando o local de sepultamento de Jane Seymour, do rei Henrique VIII e do rei Charles I.

Em 24 de outubro de 1537, falecia no Palácio de Hampton Court, na Inglaterra, a rainha Jane Seymour, terceira esposa do rei Henrique VIII. Os dois haviam se casado em 30 de maio do ano anterior, exatamente 10 dias depois da execução de Ana Bolena, a mulher que havia precedido Jane no posto de soberana consorte. Assim como Ana, Jane também servira no séquito de Catarina de Aragão e era muito simpática à causa da princesa Mary, exilada da corte e privada do título de princesa desde o nascimento de sua meia-irmã, Elizabeth. Geralmente recai sobre a rainha Jane o crédito por reconciliar pai e filha. Onde antes havia uma família real despedaçada, a nova consorte juntou os destroços encontrados pelo caminho e trouxe um pouco de tranquilidade para a corte, pelo menos no período de um ano e meio em que ela foi rainha. As circunstâncias da morte de Jane Seymour em 1537, assim como as de Catarina Parr em 1549, dizem muito sobre a precariedade do tratamento médico concedido às mulheres gestantes no período.

Com efeito, a própria mãe do rei, a rainha Isabel de York, também havia falecido de febre puerperal, pouco depois de dar à luz no dia 11 de fevereiro de 1503 a uma menina que não sobreviveu. Agora a história se repetia com Jane. Henrique VIII providenciou para ela um funeral magnífico, como nunca se vira em Londres desde a morte da consorte do rei Henrique VII, fundador da dinastia Tudor. Por um período de dois anos, ele viveu um luto intenso. Seu único consolo era o filho varão que Jane dera à Coroa, o futuro rei Edward VI. Henrique VIII havia planejado um magnífico túmulo conjunto para ele e a mãe de seu herdeiro. Porém, nenhum dos sucessores do rei demonstraram interesse em concluir a obra após sua morte, em 1547. Assim, uma lápide no chão da Capela de São Jorge, no Castelo de Windsor, indica que sob o pavimento existe uma vala contendo os caixões da rainha Jane, do rei Henrique VIII, do rei Charles I, e de um infante da rainha Anne.

  • Ana de Cleves, “Divorciada”

Túmulo de Ana de Cleves, na Abadia de Westminster. O local de sepultamento da quarta esposa do rei Henrique VIII passa quase despercebido aos olhos do visitante.

Em 16 de julho de 1557, falecia aos 41 anos na propriedade de Chelsea Manor, Ana de Cleves, quarta esposa do rei Henrique VIII. Filha de João III, duque de Cleves, com Maria de Jülich-Berg, Ana entrou para a história inglesa sob um prisma não muito positivo. Seu casamento com o rei se deu por razões estritamente dinásticas, para assegurar a linhagem masculina do trono após a morte da rainha Jane Seymour. O rei, porém, permanece apenas seis meses casado com ela e logo tratou de arrumar um pretexto para anular a união. As incompatibilidades entre o casal contribuíram para que o monarca, já doente, procurasse outra esposa. Temendo o mesmo destino de suas antecessoras, Ana de Cleves resolveu aquiescer. Em deferência, Henrique lhe concedeu uma pensão, terras e propriedades, incluindo o castelo de Hever (antigo lar da família Bolena) e o direito de ser chamada de “irmã do rei”, estando abaixo apenas da rainha e de Lady Mary e Lady Elizabeth na hierarquia de mulheres da corte.

No final, Ana sobreviveria ao próprio monarca, bem como às suas duas últimas esposas, Catarina Howard e Catarina Parr. Ela ainda presenciou a ascensão de dois dos herdeiros do soberano ao trono, Edward VI e Mary I. Em seus anos finais, com problemas de saúde ligados à obesidade, ela lutou para que fosse reconhecida com o título de rainha-viúva, algo que não lhe foi concedido. Foi uma figura presente no reinado de Mary I e acabou se convertendo ao catolicismo. Quando faleceu, Ana foi sepultada em um túmulo quase escondido na Abadia de Westminster. Uma caveira sobre dois ossos cruzados e a coroa ducal de Cleves marcam a pedra de sua sepultura. Entre tantos túmulos imponentes que se encontram na Abadia, o de Ana de Cleves passa quase despercebido aos olhos do visitante, emparedado atrás da parede de cadeiras. Talvez, tenha sido a mais esquecida das esposas do rei, tanto em vida quanto em morte.

  • 5. Catarina Howard, “Decapitada”

Lápide marcando o local de sepultamento de Catarina Howard, no pavimento do coro da Capela de St. Peter Ad. Vincula.

Em 13 de fevereiro de 1542, era decapitada na Torre de Londres a rainha Catarina Howard, quinta esposa de Henrique VIII. Prima de Ana Bolena, Catarina possivelmente tinha 18 anos quando se casou com o rei. Na época do casamento, o monarca tinha 49 anos. A historiografia inglesa dispõe de poucos detalhes sobre sua vida, pois a maioria dos dados foram retirados do processo movido contra ela em 1541, por traição e adultério. De acordo com eles, a jovem crescera na casa de sua avó, a duquesa viúva de Norfolk, ao lado de outras garotas e num clima de pouco rigor educacional. Possuímos poucos registros de próprio punho da rainha, de modo que não se pode fazer um julgamento mais preciso acerca de suas faculdades mentais. Com seu casamento, o clã dos Norfolk ganhou novamente muito poder e prestígio na corte.

Contudo, não demorou muito e alguns rumores de que a rainha mantinha um caso com o pajem do rei, Thomas Culpeper, chegaram aos ouvidos de Henrique, alimentados por facções rivais à família Howard. Um inquérito fora instaurado e outro nome fora implicado no processo, Francis Dereham, com quem Catarina mantivera alguma afinidade durante os tempos em que viveu na casa da duquesa. Julgada culpada, ao lado de Cupeper e Dereham, Catarina Howard foi decapitada dezoito meses após se tornar rainha da Inglaterra. Hoje, seus remanescentes humanos jazem no mesmo local dos de sua prima, Ana Bolena, e de Jane Rochford (também decapitada) na Torre. Uma placa no pavimento do coro da Capela de St. Peter Ad. Vincula indica o local exato de seu túmulo. No século XIX, a rainha Vitória comissionou uma grande reforma no local, restituindo à Catarina o título de rainha consorte post mortem, juntamente com seu brasão de armas.

  • 6. Catarina Parr, “Sobreviveu”

Efígie tumular de Catarina Parr, esculpida no século XIX, na Capela de Santa Maria, no Castelo de Sudeley, onde ela faleceu, em 1548.

Em 5 de setembro de 1548, falecia no castelo de Sudeley a rainha-viúva Catarina Parr, sexta esposa do rei Henrique VIII. Viúva de dois maridos, ela tinha 31 anos quando se tornou rainha consorte. Henrique, por sua vez, tinha 52. Nascida em 1512, Catarina era filha de Thomas Parr e Maud Green, que foi dama no séquito de Catarina de Aragão. Possivelmente, a filha do casal foi batizada em homenagem à primeira esposa do soberano e, tal como a filha de Isabel I de Castela, Catarina Parr atuou como regente enquanto seu marido estava em campanha militar na França, no ano de 1544-45. Catarina se casou pela quarta vez com Thomas Seymour, irmão da falecida rainha Jane. Ela morreu em decorrência de uma febre puerperal, contraída logo depois do nascimento de sua única filha com Thomas. Foi então sepultada na Capela do Castelo de Sudeley, em túmulo pouco imponência. O destino do corpo de Catarina Parr é mais sombrio do que o de suas antecessoras. O Castelo de Sudeley ficaria praticamente abandonado com o passar dos séculos e a vegetação tomou conta do prédio e da Capela.

Em maio de 1782, o caixão de chumbo da rainha foi encontrado por um grupo de turistas, que estavam a examinar as ruínas da Capela de Santa Maria, no castelo. Quando removeram a tampa do invólucro, “deram com as feições e, especialmente, o rosto [do corpo] em perfeito estado de conservação” (HUTCHINSON, 2010, p. 254). Alarmados com o acontecido, os turistas trataram de devolver o sarcófago ao seu lugar, sem, contudo, fechá-lo cuidadosamente. Dois anos depois, os restos mortais da viúva do rei foram novamente incomodados por outro grupo, que descobriu que o corpo, outrora conservado e perfumado, já tinha se decomposto e estava cheirando a putrefação. Em 1786, um antiquário conseguiu recuperar amostras do cabelo e da roupa da morta. Apenas durante o período vitoriano, um monumento para a sepultura da rainha foi construído na Capela do castelo de Sudeley, assinado pelo arquiteto George Gilbert Scott (monumento esse que marca o local onde finalmente repousa Catarina Parr), em 1863. Uma efígie da soberana, esculpida de acordo com seus retratos, repousa sobre a tampa do sarcófago, com as mãos unidas em oração.

Referências Bibliográficas:

FRASER, Antonia. As Seis Mulheres de Henrique VIII. Tradução de Luiz Carlos Do Nascimento E Silva. 2ª edição. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010.

LINDSEY, Karen. Divorced, Beheaded, Survived: A Feminist Reinterpretation of the Wives of Henry VIII. – Cambridge, M A: Da Capo Press, 2013.

LOADES, David.  As Rainhas Tudor – o poder no feminino em Inglaterra (séculos XV-XVII). Tradução de Paulo Mendes. – Portugal: Caleidoscópio, 2010.

STARKEY, David. Six Wives: The Queens of Henry VIII. – New York: Perennial, 2004.

TREMLETT, Giles. Catherine of Aragon: The Spanish Queen of Henry VIII. – Pennsylvania: Walker & Company, 2010.

WEIR, Alison. The Six Wives of Henry VIII.  – New York: Grove Press, 1992.

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