Catarina II, a Grande, e o golpe de Estado que a tornou Imperatriz de Todas as Rússias!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

No mês de julho de 1761, a imperatriz Isabel Romanov, governante do território russo desde 1741, se encontrava muito doente e preocupada com a sucessão do trono. A monarca era acometida por ataques de depressão, que a deixavam inconsciente por horas, como ocorrera por ocasião das comemorações de sua subida ao trono. Com a saúde de Isabel abalada, diversas conspirações começaram a ser tramadas pelos corredores do inacabado Palácio de Inverno. Iria seu sobrinho e sucessor, Pedro, herdar todo aquele vasto império? Muitos políticos viam na ascensão do grão-duque uma ameaça à soberania do território, devido às suas tendências pró-prussianas. Naquela época, o exército russo estava infligindo várias derrotas às tropas de Frederico II e aos poucos se aproximando de Berlim, quando o inesperado então aconteceu: em 25 de dezembro, a imperatriz, depois de um longa vigília por parte de seus cortesãos, faleceu aos 50 anos, antes que pudesse alterar a ordem de sucessão e passar a coroa diretamente para o neto, Paulo. A grã-duquesa Catarina, por sua vez, podia ser vista chorando ao lado do corpo da defunta, enquanto seu marido corria imediatamente até o conselho para assumir o poder como Pedro III. Seu reinado, porém, teria vida curta.

A imperatriz Isabel em 1757, por Vigilius Eriksen.

Apesar de suas frivolidades, Isabel tinha sido uma imperatriz amada pela maioria do povo, que reconheciam nela as qualidade do pai e suas tentativas em devolver a Rússia ao mesmo status de grandeza deixado por Pedro I (o Grande). A forma como o novo imperador reagiu à morte da tia, porém, deixou sua esposa chocada. Ele convocou senadores, generais e cortesãos para que lhe jurassem lealdade. Em seguida, convidou 150 nobres para um banquete, onde brindariam ao novo reinado. Catarina assistiu àquela cena com a frieza que lhe era característica em certas ocasiões. Ela permaneceu por três dias rezando ao lado do corpo de Isabel, escondendo dentro das roupas volumosas sua gravidez de 6 meses, fruto de um relacionamento adúltero com Gregório Orlov. Enquanto isso, Pedro tentava revogar quase todas as políticas do governo anterior. O conflito com os prussianos foi imediatamente suspenso e o soberano logo demonstrou intenção de contrair a paz com Frederico, a quem ele via como um herói. Quando soube da notícia, o imperador da Prússia exclamou com alívio: “Graças a Deus, à beira da ruína […] mas uma mulher morre e a nação renasce […] São os caprichos do destino” (apud MONTEFIORE, 2016, p. 261-2). O exército russo se retirou da Prússia e uma trégua foi assinada.

Por outro lado, o novo czar começou a traçar planos para travar uma guerra contra a Dinamarca, com a finalidade de resgatar a região de Schleswig para o seu ducado alemão de Holstein. Essas medidas pró-alemãs deixaram muitos políticos bastante decepcionados. Pessoas influentes, como o príncipe Kiril Dáchkov, representando os regimentos das Guardas, enviou para Catarina a seguinte mensagem: “É só dar a ordem e nós a colocaremos no trono” (apud MONTEFIORE, 2018, p. 81). Uma vez que não era uma Romanov de sangue, exceto pelo casamento, Catarina (nascida Sofia Frederica Augusta, princesa de Anhalt-Zerbst), dificilmente teria uma reivindicação forte à Coroa. Como mãe do presuntivo herdeiro de Pedro III, havia então a possibilidade de que ela governasse na qualidade de regente, como certa vez conjecturou a própria imperatriz Isabel. Grávida na ocasião da oferta, a nova czarina desencorajou uma ação que ela via até então como um ato de traição. Porém, tal iniciativa só evidencia o fato de que planos para desentronizar Pedro já estavam sendo articulados desde quando ele assumiu o poder. No dia 25 de janeiro de 1762, o corpo de Isabel foi transportado pelas ruas até a catedral de Kazan, seguido por um rico cortejo, que incluía nobres, dignitários, o czar e czarina.

Com efeito, a atitude do imperador por ocasião do sepultamento de sua tia foi alvo de muitos comentários entre os que estavam ali presentes. De acordo com as testemunhas, ele diminuía o passo atrás do carro fúnebre a intervalos regulares, fazendo com que as pessoas que o seguiam de repente também parassem. Quando a carruagem estava a uns dez metros de distância, ele saia correndo atrás do veículo, deixando os cortesãos mais velhos bastante atordoados. As críticas ao seu comportamento infantil se espalharam rapidamente, causando revolta a muitos ouvintes. Um acontecimento que certamente aumentou ainda mais a indignação dos súditos foi o anúncio de que o imperador pretendia reformar completamente o exército, substituindo as fardas verdes da infantaria por túnicas de azul prussiano. Entre outras medidas, Pedro tinha abolido a Chancelaria Secreta, acabou com a obrigatoriedade do serviço militar para a nobreza, decidiu dissolver parte dos regimentos das Guardas e promoveu sua família alemã, os Holsteiner, a cargos importantíssimos. Não obstante, o novo monarca secularizou boa parte das terras da igreja, ultrajando assim o Sínodo. Todas essas ações deixaram muitos descontentes, principalmente soldados e nobres que perderam seus postos para estrangeiros.

Pedro III em 1761, por Lucas Conrad Pfandzelt.

O pior golpe, porém, foi a saída da Rússia da Guerra dos Sete Anos, pela assinatura do armistício com a Prússia. Tal atitude deu brechas para que os insatisfeitos se juntassem em torno de Catarina, que em 10 de abril de 1762 deu à luz a um filho com Gregório Orlov, batizado de Alexei. Além dos irmãos do pai da criança, faziam parte do grupo de conspiradores Nikita Panin, que era tutor do grão-duque Paulo, e a jovem princesa Dáchkova. Todos eles teriam algo a perder caso o novo monarca desse continuidade à sua política pró-prussianos: Panin perderia seu emprego, os Orlov passariam a receber ordens de oficiais estrangeiros, enquanto a princesa Dáchkova almejava uma posição de destaque na corte. Quando Pedro III ameaçou anular seu casamento com Catarina e consequentemente declarar seu filho com ela ilegítimo, então nenhuma outra alternativa restava para ela a não ser assumir seu lugar na trama para derrubar o czar. Este, por sua vez, havia deixado claro para todos que não via mais Catarina como sua esposa. No final de abril, quando concedeu um banquete para celebrar a paz com a Prússia, ele propôs um brinde à sua família Holstein. A imperatriz, por sua vez, não ergueu a sua taça. Quando o soberano a questionou sobre o motivo pelo qual ela não havia se juntado ao brinde, ela respondera simplesmente que não havia se sentido representada pela saudação. Furioso, o monarca de 34 anos bateu com força na mesa e gritou: “Dura” (idiota).

Com efeito, lágrimas rolaram pelo rosto de Catarina, ao passo em que ela tentava manter a compostura na frente de todos. Mais tarde naquela noite, já bêbado e cambaleante, Pedro ordenou que a esposa fosse enviada para a prisão de Schlüsselburg e ele só mudou de ideia devido aos apelos do príncipe Jorge Lewis de Holstein, que afirmou que o encarceramento da imperatriz geraria violenta indignação no exército. Depois dessa cena, Catarina escreveu a Poniatowski “que passei a ouvir as propostas [de depor Pedro] que as pessoas me faziam desde a morte de imperatriz” (apud MASSIE, 2013, p. 302). De acordo com Gina Kaus:

Nos primeiros dias do governo do novo czar, Catarina aparecia-lhe todas as manhãs no gabinete; via-se, porém, tão mal recebida e os seus alvitres eram acolhidos com desdém tão visível, que dentro em pouco ela interrompeu essas visitas. “Percebe-se hoje claramente”, escrevia Breteuil, em princípios de janeiro, para a capital da França, “que a imperatriz não goza do menor crédito e suponho que ela procura armar-se de filosofia. O imperador redobra de atenções com a senhorita Vorontsova e nomeou-a superintendente de todas as damas de honor. […] Pedro não se contentou com isso e exigiu que, a datar daí, todos tratassem a amante como sua esposa legítima (1941, p.164).

A hostilidade do czar e sua decisão de eliminar a czarina, muito mais inteligente e pragmática, da vida pública, acabou por joga-la de vez no centro da conspiração armada contra ele. O momento para agir apareceu quando Pedro partiu na companhia de sua amante, Isabel Vorontsova, em 12 de junho para Oranienbaum, com seus planos de uma guerra contra a Dinamarca. A imperatriz permaneceu na sua mansão de verão, Mon Plaisir. Assim sendo, Nikita Panin, os irmãos Orlov e a princesa Dáchkova se puseram a colocar o seu golpe de Estado em ação. Os conspiradores em São Petersburgo receberam ordens para sublevar a Guarda, enquanto Alexei Orlov, irmão de Gregório, partiu ao encontro de Catarina. Eram 6 da manhã de 28 de junho quando ele invadiu o quarto de dormir da imperatriz e disse: “Matushka, mãezinha, acorde! Chegou a hora!” (apud MASSIE, 2012, p. 306).

Catarina II em 1762, por Vigilius Eriksen.

Sem precisar ouvir mais uma palavra, Catarina se levantou e pôs um vestido preto simples. O tempo urgia, pois o capitão Passek, um dos membros do conluio e capitão da Guarda, fora detido no dia anterior por um oficial, que suspeitou da trama para destronar Pedro III. O medo de que Passek delatasse o plano completo era grande. O momento de agir era agora ou nunca! Se falhassem, todos certamente iriam parar no cadafalso. Alexei Orlov ajudou a imperatriz a entrar numa carruagem com destino a São Petersburgo. Durante o caminho, Catarina se arrumou apropriadamente para ser recebida na cidade. Quando o veículo parou no quartel do Regimento Izmáiloski, os “soldados”, conforme relatou a soberana, “correram para me beijar as mãos, os pés, a bainha do meu vestido, chamando-me salvadora. Dois […] trouxeram um padre com um crucifixo e começaram a prestar juramento” (apud MONTEFIORE, 2018, p. 88). Em seguida, ela subiu novamente no veículo, que partiu para o quartel do regimento Smionóvski. Gritos de “Viva!” foram entoados, à medida que um volumoso exército ia se juntado à sua comitiva. O comboio seguiu até o Palácio de Inverno, onde esperavam o Senado e o Sínodo, reunidos para divulgar o manifesto de Catarina e prestar juramento à imperatriz.

Com efeito, Orlov havia planejado com cuidado a entrada de Catarina na capital: passando primeiro pelos quarteis de regimentos até a sede do governo, garantido assim o apoio das Guardas à sua causa: “Matushka, mãezinha”, entoavam os soldados alegremente, que seguiam gritando, cantando e exortando os passantes a se juntarem à comitiva. Uma multidão se aglomerava em frente ao palácio para ouvir o discurso da imperatriz. O pequeno Paulo, ainda com gorro na cabeça e roupa de dormir, foi trazido para junto da mãe, enquanto seu manifesto era lido em voz alta para o povo aglutinado embaixo da sacada. “Nós, pela Graça de Deus Catarina Segunda, Imperatriz e Autocrata de Todas as Rússias”, assim começava o documento. Era a primeira vez em que o título era formalmente empregado àquela princesa alemã que havia se convertido à fé ortodoxa. O manifesto continuava da seguinte forma:

Todos os filhos leais da pátria russa perceberam com total clareza o perigo que ameaça o Império da Rússia. A segurança da Igreja Ortodoxa Grega cambaleava pela falta de respeito às nossas veneráveis formas de culto, incluindo a ameaça de ver-se obrigada a se conformar com outro credo. Nossa sublime Rússia tem sido traída, despojada de seus valiosos prêmios de guerra e seu pescoço posto ao julgo de seu antigo inimigo. E com que propósito? Para aceitar a uns termos de paz ignominiosos. […] Por esses motivos, devido ao perigo que correm nossos súditos leais, nos vimos na obrigação, com a ajuda de Deus e guiados por Sua justiça, e movidos pelo desejo sincero e evidente dos nossos súditos, de ascender ao trono soberano de Todas as Rússias, diante do qual nossos súditos juraram lealdade (apud ERICKSON, 2014, p. 226-7).

O documento ainda anunciava Catarina como defensora da Rússia e de seu povo, e prometia restituir o império, ameaçado pelas políticas de Pedro III, à sua antiga glória. A ideia da imperatriz atuar como regente durante a menoridade de seu filho tinha sido então abandonada. Como as leis de sucessão da Coroa criadas por Pedro I no início do século XVIII permitiam que o monarca nomeasse seu sucessor, independentemente da hereditariedade, então não havia empecilhos legais para a ascensão de uma princesa de origem alemã. A multidão ficou em júbilo com a ascensão de Catarina e os guardas arrancaram seus uniforme de cores prussianas para assumir novamente e com orgulho seus antigos casacos verde-garrafa. Quando o crepúsculo chegou, a soberana já se encontrava numa posição de comando quase completo, mas nem tudo ainda estava acabado.

Catarina II com o uniforme da Guarda Preobrazhensky, pronta para destronar Pedro III. Retrato pintado por Vigilius Eriksen.

Acompanhada de uma Guarda comprometida com sua causa, a Catarina marchou até Peterhof montada em seu corcel branco, Brilhante, vestida com uma farda masculina do regimento Preobrazhensky e de espada na mão. A figura da imperatriz-amazona liderou uma tropa de 12 a 14 mil homens para depor Pedro III. O czar sabia levemente do que estava acontecendo na capital. Quando encontrou o palácio de Peterhof vazio, ele retornou para Oranienbaum, onde recebeu uma acolhida bastante gélida. Decidido em partir às pressas para Konstradt, no intuito de conquistar um ponto de onde poderia controlar novamente São Petersburgo, Pedro III foi recebido pelas Guardas e criadagem com a mesma indiferença. “Não há mais imperador”, disseram os oficiais locais, que declararam sua lealdade a Catarina II. Cercado pelas tropas da czarina, às dez da manhã do dia 29 ele reconheceu a esposa como Imperatriz de Todas as Rússias e assinou sua abdicação: “Eu, Pedro, por minha livre vontade, declaro solenemente, não somente a todo o Império Russo, mas a todo o mundo, que renuncio para sempre ao trono da Rússia até o fim de meus dias. E jamais tentarei reconquista-lo a qualquer tempo ou com auxílio externo” (apud MASSIE, 2012, p. 314).  Acabava-se assim o reinado de meses de Pedro III e começava um novo período na história russa: a Era de Catarina II, a Grande!

Referências Bibliográficas:

ERICKSON, Carolly. Catalina la Grande. Tradução de Nora Watson. 2ª ed. Buenos Aires, Argentina: Editorial El Ateneo, 2014.

KAUS, Gina. Catarina II: retrato duma imperatriz. Tradução de Marina Guaspari. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1941.

MASSIE, Robert K. Catarina, a Grande: retrato de uma mulher. Tradução de Ângela Lobo de Andrade. Rio de Janeiro: Rocco, 2012.

MONTEFIORE, Simon Sebag. Catarina, a Grande, e Potemkin: uma história de amor na corte Románov. Tradução de Berilo Vargas. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

_. Os Románov: 1613-1918. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

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