Redescobrindo Domitila de Castro, a Marquesa de Santos

REZZUTTI, Paulo. Domitila: a verdadeira história da Marquesa de Santos. – São Paulo: Geração Editorial, 2013.

Famosa por seu relacionamento de sete anos com o primeiro Imperador do Brasil, Domitila de Castro Canto e Melo, nobilitada pelo seu amante com o título de Marquesa de Santos, constitui-se num dos personagens mais fascinantes da História nacional. Até hoje, muitos associam sua imagem à de uma mulher devassa, que agenciava cargos políticos na cama, e que foi responsável pela impopularidade de D. Pedro I após a morte da Imperatriz D. Leopoldina (1826). Entretanto, será que devemos dar ouvidos a toda e qualquer falácia inventada acerca desta figura? Domitila foi um exemplo de mulher emancipada, que rompeu com a moralidade hipócrita de uma época de falsos pudores, para viver a vida conforme ditava sua consciência. Dessa forma, ela ressurge para nós, na segunda década do século XXI, não como uma pessoa sem cultura ou desprovida de qualquer atributo intelectual que a recomendasse. Muito pelo contrário. Analisar a trajetória da Marquesa de Santos é empreender uma verdadeira viagem, que começa em São Paulo e segue seu roteiro até Minas Gerais, Rio de Janeiro, para depois retornar ao ponto de origem. Pelo menos é essa a sensação do leitor ao ler as páginas do novo livro do arquiteto e pesquisador em história Paulo Rezzutti, sobre a vida e os amores daquela a quem podemos chamar de a amante do Brasil.

Paulo Rezzutti

Paulo Rezzutti

Em 2011, Paulo Rezzutti publicou sua primeira obra, intitulada Titília e o Demonão: Cartas inéditas de D. Pedro I à Marquesa de Santos, que, por sua vez, constitui-se num dos achados documentais mais importantes sobre a primeira fase do império brasileiro. Pesquisando no acervo da Hispanic Society of America, ele encontrou nada menos que 94 correspondências do imperador à sua amante, até então desconhecidas no Brasil. Tais cartas revelam o sentimento de Pedro pela sua “Titília”, além de estabelecer um paralelo entre os autos e baixos no relacionamento de ambos. Mostra também um pouco mais da linguagem amorosa do monarca, contrastando assim com a imagem de bruto e ignorante que até hoje muitas pessoas fazem dele. Com notas impecáveis e um acabamento belíssimo, Titília e o Demonão se faz- hoje indispensável para todo aquele que queira discorrer sobre a vida de D. Pedro I, da mesma forma que o mais recente trabalho de Rezzutti, Domitila: a verdadeira história da Marquesa de Santos, um dos livros mais completos acerca da grande dama Paulista que, segundo o romancista Paulo Setúbal, “encheu um Império com o ruído do seu nome e o escândalo do seu amor”.

A obra, composta de mais de 300 páginas, traz prefácio assinado pela historiadora Mary Del Priore, que no primeiro semestre do ano passado lançou o livro A carne e o sangue, sobre o triângulo amoroso envolvendo D. Leopoldina, D. Pedro I e a Marquesa de Santos. Da mesma forma que a Del Priore, Paulo Rezzutti possui uma escrita bastante leve e acessível, características essas que tornam o seu trabalho bastante apreciado pelo grande público. Entretanto, em vez de romantizar ainda mais a história de Domitila, o autor empreende uma verdadeira busca por tentar desconstruir os muitos estereótipos ligados ao nome dessa personagem, incluindo a suposta alegação de que ela teria tido uma parcela de responsabilidade pela morte prematura da primeira imperatriz consorte do Brasil. Rezzutti vai lapidando a Marquesa de Santos aos poucos, até apresentá-la como uma verdadeira joia da sociedade paulistana, patrona do ensino e das artes, e também bastante caridosa.

Divido em três partes mais apêndices, Domitila: a verdadeira história da Marquesa de Santos é desses livros que se lê de um só fôlego. No primeiro momento, temos como cenário principal a São Paulo do ano 1797 (nascimento de Domitila) até 1822 (ano da emancipação política do Brasil). Paulo Rezzutti traça, então, um interessante perfil da sociedade paulistana daquela época, de como as pessoas se vestiam, quais eram seus pratos típicos, a distribuição geográfica e espacial da cidade, etc. É a fase também em que o autor narra os dissabores do primeiro casamento de Domitila com o mineiro Felício Pinto Coelho de Mendonça, que chegou a esfaquear sua esposa, sob alegação de que ela o traíra. Não obstante, o leitor observa o nascimento do romance entre o Imperador e sua Titília, contado de maneira direta e emocionante, tendo como cenário ao brado da independência. A partir de então, a vida da futura marquesa mudaria para sempre, assim como a de toda a sua família. Na medida em que ela deixa a pacata São Paulo e se muda para corte carioca, é quando termina o seu anonimato e tem início a lenda que a consagraria (ou macularia?) pelos anos vindouros.

Domitila - Paulo Rezzutti

Domitila – Paulo Rezzutti

A segunda parte da obra, que engloba os sete anos em que Domitila viveu no Rio de Janeiro, ou seja, de 1822 a 1829, é uma das mais extensas. Como é a parte mais conhecida da história da Marquesa de Santos, então muitos fatos surgem à cabeça do leitor, como o suposto envolvimento da amante na queda dos Andrada; sua ascensão social; e também a imaginária rivalidade entre ela e a Imperatriz D. Leopoldina. Até hoje, muitos associam os infortúnios da soberana à influência da Marquesa de Santos. Mas qual seria a culpabilidade de Domitila? Com efeito, a filha de Francisco II da Áustria sabia qual era o papel a desempenhar em um casamento dinástico, e amor, nesse caso, era uma coisa com que ela não poderia contar. Sentimento esse que D. Pedro reservaria com mais intensidade à Domitila, apesar do carinho e respeito que sentia pela esposa e mãe de seus herdeiros.  Contudo, em momento algum Dona Leopoldina perdeu sua compostura diante das infidelidades do cônjuge, granjeando assim a estima da população.

Sob esse aspecto, um dos pontos mais positivos do livro é que o autor não apresenta D. Leopoldina simplesmente como uma mulher traída, colocando-a no seu lugar de brilhante estadista. Trabalhando com os dados da pesquisa da arqueóloga e historiadora Valdirene do Carmo Ambiel (feitos com os remanescentes humanos da família imperial, em 2012), Paulo Rezzutti desconstrói com respaldo científico a falácia de que a imperatriz teria vindo a óbito graças a um ato de violência física por parte de seu marido. Particularmente interessante é a análise que o autor faz da última carta da soberana para sua irmã, Maria Luísa, ressaltando os vários pontos incoerentes da mesma, como o tratamento pessoal da imperatriz à irmã, que diferenciava de outras missivas; o fato de ter escolhido a marquesa de Aguiar para ditar a correspondência e não seu conterrâneo, o barão de Mareschal, etc. Dessa forma, Rezzutti aponta para o fato de que o documento pode ser fruto de uma possível falsificação, algo a que outros historiadores e biógrafos de D. Leopoldina não prestaram atenção.

De acordo com o livro, também fica passível de dúvida o poder que Domitila exercia sobre o amante, mandando e desmandando no mesmo ao seu bel prazer. Pelas suas conclusões bem embasadas, Paulo Rezzutti demonstra que D. Pedro I não era tão manipulável como se supunha, chegando mesmo a negar alguns favores à amada e aos familiares dela. Entretanto, seja através da impopularidade do relacionamento junto ao povo, ou devido à chegada da segunda imperatriz do Brasil, D. Amélia de Leuchtenberg, o caso entre o “Demonão” e sua “Titília” chegou ao fim.

Com isso, têm-se início a terceira parte da obra, quando Domitila retorna para São Paulo, e sua imagem de Pompadour dos trópicos sofre uma mutação, para a de uma benfeitora ou mesmo santa. Esse, acredito, é a fase mais inusitada do livro, pois poucas produções se destacaram por contar a vida da marquesa de Santos após sua partida definitiva da corte, em 1829. Retornando à cidade onde nasceu, ela se casou novamente, com o brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, e constituiu nova família, tornando-se uma das damas mais notáveis daquela sociedade da qual saíra tantos anos antes, como uma simples mulher, e que retornou bastante rica. Até sua morte, em 03 de Novembro de 1867, Domitila havia se destacado como uma pessoa caridosa, bastante querida entre os pobres e necessitados, além de protetora de muitos artistas e escritores.

Domitila de Castro Canto e Melo, Marquesa de Santos,por artista desconhecido.

Domitila de Castro Canto e Melo, Marquesa de Santos,por artista desconhecido.

Todavia, engana-se quem pensa que essa história acaba no cemitério da consolação. Paulo Rezzutti vai muito mais além, ao evidenciar a presença da Marquesa de Santos na cultura popular (rádio, cinema, teatro, literatura, brinquedos, etc.), apresentando as muitas faces da marquesa: amante, devassa, exemplo de mulher forte e emancipada, capitalista e religiosa. Sendo assim, para cada pessoa, há uma Domitila diferente. Rezzutti nos conta essa história não apenas por palavras, mas também pelas várias imagens distribuídas ao longo das páginas do livro. Um quadro, por exemplo, é um texto que não necessariamente precisa estar escritor para passar uma mensagem. É o que podemos observar no famoso retrato da Marquesa, de autor desconhecido, que nas palavras de Paulo Rezzutti, olha para o indivíduo com um enigmático sorriso de Monalisa. Quantos segredos aquela mulher ali pintada nos conta, e quantas perguntas ela deixa sem resposta…?! Mesmo 150 anos depois de morta, Domitila segue ainda uma das personagens mais misteriosas e encantadoras de nossa história, granjeando a estima de uns, assim como a antipatia de outros.

Renato Drummond Tapioca Neto

Graduando em História – UESC

9 comentários sobre “Redescobrindo Domitila de Castro, a Marquesa de Santos

  1. oi como vai? a estoria è òtima porèm queria saber mais sobre domitila de castro tenho onde comprar o livro? ou ou posso consseguir em postilas? me avisem abraços… xomenes

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  2. Havia feito um pequeno comentário, sobre importância da pesquisa na história, de um modo geral e particularmente na nossa história, na historia do Brasil,que parece que se perdeu.Refaço agora,destacando mais uma vez, a sua importância.

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