Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Peça-chave no primeiro inquérito instituído contra Mary Stuart entre os anos de 1568 e 1569, um baú de cartas, confeccionado em prata e com belíssimas decorações entalhadas, acaba de ser adquirido pelos Museus Nacionais da Escócia. O recipiente possivelmente continha uma série de cartas de caráter comprometedor, trocadas entre Mary e seu terceiro marido, James Hepburn, IV conde de Bothwell. Nessa correspondência, os dois supostamente ofereciam provas de sua conspiração para assassinar Henry Stewart, Lord Darnley (segundo consorte da rainha) e tomar o controle do reino. Embora nenhuma das missivas originais tenham sido apresentadas no julgamento, o baú de prata acabou se tornando um objeto que colaborou para o início do longo confinamento inglês da soberana deposta. Como o plenário não conseguiu comprovar a culpa ou a inocência de Mary no assassinato de Darnley, a sombra da suspeita recaiu sobre seus ombros até o fim de seus dias, manchando assim sua reputação. Isso bastou para justificar seu afastamento físico da única pessoa que lhe estendeu a mão depois de sua fuga do castelo de Lochleven e que, mais tarde, selaria o destino da prima de forma trágica: Elizabeth I.

Possível evidência apresentada no primeiro julgamento de Mary Stuart, o baú de prata foi adquirido pelo governo escocês.
O baú, por sua vez, é uma verdadeira obra prima da arte em prata, tendo sido feito na França por volta dos ano 1493 e 1510. O objeto teria sido um presente oferecido a Mary por seu primeiro marido, o rei Francisco II. Considerando a riqueza de detalhes da peça, podemos facilmente supor que ela foi confeccionada para alguém da nobreza da espada ou da realeza. Mary teria trazido o baú consigo entre seus pertences para a Escócia no ano de 1561, após a morte prematura do rei em dezembro do ano anterior. Dizem que, além da correspondência de caráter conspiratório entre a monarca e Bothwell, o recipiente continha também poemas de amor e cartas apaixonadas, algumas de forte conotação erótica. Devido a esse motivo, os juízes que se reuniram em Westminster para avaliar o caso a partir de dezembro de 1568 privaram a rainha Elizabeth I dos detalhes mais sórdidos das missivas. Alguns biógrafos como Antonia Fraser, porém, acreditam na hipótese de que isso foi um ardil dos lordes ingleses para impedir um encontro entre as duas rainhas e assim frustrar os planos de Mary para conseguir a ajuda da prima na retomada de seu trono. Para Fraser, o conteúdo das cartas apresentadas no julgamento foi adulterado, o que explicaria o fato de as originais não terem sido utilizadas como evidência.
Com efeito, dentro do baú, entalhado com ricos padrões em arabescos que lembram trepadeiras, existe apenas uma nota manuscrita datada do final do século XVII, afirmando que aquela caixa se trata do objeto original apresentado como prova contra Mary Stuart no julgamento ordenado por sua prima, assim que ela cruzou a fronteira da Escócia em busca de asilo. Como o inquérito não chegou a uma conclusão favorável ou desfavorável contra Mary, decidiu-se que ela poderia permanecer na Inglaterra, mas, até que sua reputação fosse ilibada, ela não poderia se encontrar pessoalmente com Elizabeth. Esse talvez seja um dos fatos mais intrigantes na história das duas rainhas: por quase duas décadas residindo no mesmo reino, elas jamais se viram pessoalmente, abrindo assim espaço para que a imaginação aguçasse a curiosidade que uma tinha em relação à outra. Infelizmente, desde o momento em que chegou à Inglaterra, o nome de Mary Stuart foi usado como estandarte em uma série de conspirações para depor e assassinar a soberana reinante, razão pela qual ela deixou de ser uma refugiada para se tornar uma prisioneira. O resultado disso foi a execução da soberana escocesa, em 8 de fevereiro de 1587, após o veredito de culpabilidade dado em seu segundo julgamento.

A riqueza de detalhes contidos na tampa do baú. Acredita-se que ele tenha sido confeccionado na França, no início do século XVI.
O baú, porém, reapareceu no século XVII, quando foi comprando em 1674 por Anne, duquesa de Hamilton, que era uma ávida colecionadora de objetos relacionados a Mary Stuart. O objeto permaneceu entre as posses da família por mais de três séculos, até ser comprado pela soma de 1,8 milhões de libras esterlinas (cerca de 10.769.888,7 reais, em câmbio atual). Várias instituições contribuíram para a aquisição da peça. O governo escocês, por sua vez, doou 200 mil libras, enquanto o National Heritage Memorial Fund ofereceu 810 mil. Doações de particulares e de outras organizações ajudaram a formar o montante necessário para a compra da peça. Segundo Chris Breward, diretor dos Museus Nacionais da Escócia:
Este baú extraordinário é verdadeiramente um dos tesouros nacionais da Escócia. Venerado como uma relíquia de Mary por séculos, acredita-se que represente um momento importante e desastroso em sua vida turbulenta. Além disso, a magnificência da peça expressa uma rainha no auge de seus poderes, riqueza e posição.
O baú de prata, por sua vez, encontrava-se exposto na Lennoxlove House, em East Lothian, que contém outros objetos ligados à Mary, como uma de suas máscaras mortuárias. A venda da peça foi efetuada com o propósito de cobrir os gastos da Instituição e assim permitir sua manutenção por mais tempo. Neil Gray, Ministro da Cultura escocês, disse: “Além da história colorida associada ao item, dada a crença de que pertencia a Mary, rainha da Escócia, o baú de prata por si só é uma obra de arte impressionante”. O objeto poderá ser apreciado a partir de agora no Museu Nacional da Escócia, em Edimburgo.
Fonte: The Guardian – Acesso em 29 de maio de 2022.