Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Um dos principais deveres de uma princesa que se casava num reino estrangeiro, se não o mais importante, consistia em gerar uma prole de herdeiros saudáveis para o trono. A rainha que também fosse mãe era duplamente afortunada: além de cumprir com sua tarefa, também solidificava sua posição social. Na qualidade de mãe do próximo rei, ela podia inclusive opinar em assuntos de Estado ou mesmo governar, durante a ausência de um monarca adulto. Uma vez garantida a sucessão, as crianças reais eram colocadas sob a supervisão de tutores, com seus próprios aposentos e criadagem. Eram vistas pelos pais em apenas algumas ocasiões formais, até atingirem a idade adulta, quando sua obrigação para com o reino os reclamaria. Sendo assim, as noções de amor materno e fraterno entre os membros da realeza eram bastante diferentes do que concebemos atualmente. O dever sempre vinha em primeiro lugar. Os sentimentos eram, portanto, uma questão secundária. Exceção a essa regra foi a imperatriz do Brasil, Leopoldina de Habsburgo, que rompeu com o antigo costume e participou ativamente na criação e educação de seus filhos com D. Pedro I. Leopoldina daria para o século XIX um importante exemplo do que significava ser mãe, ajudando a difundir ideias de cuidado e amor materno.

Arquiduquesa Carolina Leopoldina (retrato na Biblioteca Nacional da Áustria).
O casamento entre uma arquiduquesa da Áustria e um príncipe português foi um dos maiores triunfos da diplomacia intercontinental, protagonizado pela casa imperial dos Habsburgo e a casa real dos Bragança. Educada desde cedo para bem servir aos princípios pátrios, Leopoldina encarava sua tarefa no Brasil com demasiada seriedade. Ao ser recebida pela sua nova família em novembro de 1817, ouvira de seu sogro, o rei D. João VI, que “a felicidade do meu filho está assegurada, bem como a de meus povos, pois terão um dia, como rainha, uma boa filha, que não pode deixar de ser boa mãe”. As palavras do monarca, assim registraras pelo artista Jean-Baptiste Debret, demonstram com clareza o que se esperava daquela princesa estrangeira. A união austro-portuguesa não estaria completamente selada até a produção de um herdeiro. Apesar das muitas tentativas do casal, Leopoldina ainda demorou alguns meses até ficar em “estado interessante”, como costumava se referir à gravidez em cartas à família. Em 14 de agosto de 1818 ela finalmente podia anunciar ao pai que estava grávida de seis semanas. A expectativa era de que fosse um menino, conforme a princesa confidenciou à tia Maria Amélia, duquesa de Orleans, em carta de 22 de outubro, “o que aumentará ainda mais meu prazer de ser mãe, felicidade que já estou apreciando sem a ter conhecido”.
Apesar do estado avançado de gestação, Leopoldina se recusava a ficar confinada em casa: “embora esteja no sexto mês de gravidez e tenha uma barriga enorme do tamanho de um barril, passo o dia caçando, o que me distrai muito”, disse à irmã, Maria Luisa, em carta de 6 de dezembro de 1818. Entretanto, a criança que a princesa carregava não era o tão esperado menino, e sim uma garota. A partida do seu médico, o Dr. Kammerlacher, semanas antes do parto, deixara-a muito preocupada. O médico português que o substituiu, segundo as palavras de Leopoldina, era “tão cruel, que quase me dilacerou”. O parto durou cerca de seis horas e foi uma provação muito grande para a princesa, pois “a cabeça de minha filha era muito grande e estava sobre a perna; além disso a cadeira onde dei à luz era muito ruim e minhas mãos ainda doem de todo o esforço”. Não obstante, Leopoldina constantemente se queixava da “crueldade do cirurgião português, que me retalhou horrivelmente com suas lindas mãos”. A criança nasceu na tarde de 4 de abril de 1819, no Paço de São Cristóvão, sendo batizada de Maria da Glória, em homenagem a Nossa Senhora da Glória do Outeiro, de quem a família real era muito devota. Em carta ao pai, Leopoldina contava que a filha se parecia com o príncipe, exceto pelos olhos azuis, que herdara da mãe.
Embora a coroa portuguesa não excluísse as mulheres da sucessão, a preferência era o nascimento de uma criança do sexo masculino. Até a vinda de um príncipe, a pequena Maria da Glória seria herdeira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, recebendo o título de princesa da Beira. Se os pais ficaram desapontados com a chegada de uma menina, não o demonstraram. Pelo contrário: a primeira filha do casal se mostrou um elemento de ligação entre eles, “um novo laço para a suprema felicidade”. Contrariando o costume de outras cortes europeias, Leopoldina decidiu amamentar a filha de seu próprio seio, embora por um prazo não maior do que oito dias, pois seu leite havia secado. A maternidade fora para ela uma “felicidade incomparável”. Em carta à tia, ela disse que passava o dia inteiro com “minha amada filhinha nos joelhos, ficando atenta aos seus mais insignificantes movimentos”. Em 27 de setembro, ela escreveu à duquesa de Orleans que:
Minha filhinha é a mais esperta e a mais linda menina que conheço; ela já balbucia e se endireita em suas pernas que têm uma força extraordinária; observo com prazer totalmente novo seus progressos cotidianos e posso gabar-me pelo fato de que ela me conhece, assim como meu adorado esposo, porque nossa única ocupação, quando ficamos em casa, é transporta-la alternadamente em nossos braços; exceto o cabelo que se parecem com os meus, ela é o perfeito retrato de meu esposo, o que faz duplicar minha afeição (apud KANN, 2006, p. 357).

Dona Maria da Glória, rainha de Portugal, em 1833 (artista desconhecido).
Por essa época, Leopoldina carregava novamente uma criança no ventre, para sua felicidade e a do príncipe. Infelizmente, ela sofreria um aborto em finais de novembro de 1819. Demoraria mais de um ano até que ela pudesse, orgulhosamente, anunciar em 11 de março de 1821, o “nascimento de um filho grande e forte”, ocorrido às duas da tarde do dia 6. A criança recebeu o nome de João Carlos, em homenagem aos avós paternos.
Semanas antes do nascimento do príncipe herdeiro, Leopoldina se preparava para fazer uma viagem clandestina rumo à Europa, uma vez que o rei pretendia enviar D. Pedro desacompanhado da esposa para Portugal, a fim de satisfazer as vontades das cortes portuguesas. Para a travessia, a princesa solicitava, no maior sigilo, ao secretário Anton von Schäfer, que providenciasse uma embarcação rápida, com cômodos para uma família alemã composta de seis pessoas, além de “uma boa ama de leite, saudável e jeitosa para o meu filhinho que nascerá no mar e que, dessa forma, não será nem português nem brasileiro”. Felizmente, não houve necessidade de uma fuga, já que a princesa havia convencido o rei a mudar de ideia. Enfim, foi o próprio D. João, sua esposa e filhos, que embarcou para Portugal, em 25 de abril de 1821, deixando D. Pedro como regente do Brasil, num quadro político bastante instável. Após o príncipe declarar, no dia 9 de janeiro de 1822, que pretendia permanecer no país, contrariando assim a decisão das cortes, Dona Leopoldina se viu na emergência de partir com os filhos para a Fazenda Santa Cruz, por causa das ameaças de invasão da capital pelas tropas do general Avilez. Ela retornaria ao Rio no dia 19, mas a viagem cansativa, sob um calor escaldante, foi demais para a delicada constituição física do herdeiro.
Havia uma superstição entre os membros da casa dos Bragança, desde o século XVII, pela qual todo primogênito do sexo masculino estaria destinado à morte precoce. Essa “maldição” ceifara as vidas de muitos herdeiros do trono português. Com o príncipe João Carlos não seria diferente. Aquele que ficou conhecido como “protomártir da independência” veio a óbito no dia 4 de fevereiro. Consternada, a princesa noticiou seu pai, o imperador Francisco, sobre a terrível perda:
Acho meu dever tanto que custoso a meu coração participar a Vossa Majestade a morte de meu muito amado filho que depois de uma doença de 16 dias expirou em um acidente de trinta horas. […] Vossa Majestade que é um Pai bom e carinhoso pode imaginar-se a grandeza da minha mágoa e a consternação acha um único recurso na religião que só o tempo pode sossegar-me (apud KANN, 2006, p. 390-1).

Princesa Dona Januária quando jovem.
Oito dias depois da morte de João Carlos, em outra carta ao pai, Leopoldina, em tom mais solene, disse que o príncipe padecera devido a uma hepatite mal curada, “culpa de nossa fuga forçada para Santa Cruz”. A criança teria “sofrido terrivelmente no calor de 98 graus, que, pode-se dizer, foi causa de seu fim precoce”. Os príncipes se atormentaram bastante com essa perda. D. Pedro, por sua vez, culpava a divisão auxiliadora portuguesa pela morte do herdeiro.
Com o fim precoce de João Carlos, Maria da Glória voltava a ser a herdeira do trono, até que um novo filho fosse gerado. Naquela ocasião, Leopoldina estava em adiantado estado de gestação, dando à luz, no dia 11 de março, a uma filha, a princesa Januária, também conhecida como “princesa da independência”, por ter nascido no mesmo ano em que seu pai proclamou a emancipação política do Brasil de Portugal. É curioso perceber que, a partir de Januária, batizada em homenagem à província do Rio de Janeiro, as próximas filhas do casal imperial receberiam seus respectivos nomes em honra de alguma província do império, que estivesse em evidência no momento do nascimento delas. A preocupação com o médico que ajudaria os príncipes a vir ao mundo era uma constante para Dona Leopoldina. Em carta ao marquês de Marialva, datada de 26 de março, ela lhe recomendava o cirurgião português Francisco José Milton, para estudar em Paris a arte de parteiro, visto que no Brasil eles eram “poucos e muito ignorantes”. Na mesma carta, ela dizia que o parto de Januária acontecera “em menos de duas horas, de maneira que eu ainda estava de pé, e, se [o médico] Picanço não estivesse presente, o assoalho teria sido o berço da minha filha”. Livra-se da sua “carga à maneira dos animais selvagens do mato”, disse ela sobre o parto da filha.
Uma vez o Brasil proclamado independente, Leopoldina foi aos poucos se distanciando da linha de frente das decisões políticas do pais e se dedicando cada vez mais às filhas. Em 17 de fevereiro de 1823, dera à luz mais um bebê do sexo feminino, batizada de Paula Mariana, em homenagem às províncias que apoiaram Pedro na sua decisão de separar o Brasil de Portugal, São Paulo e Minas Gerais. Recluída numa situação de quase solidão, as princesas se tornaram o único conforto e alegria de sua mãe. Numa cara para a irmã, Maria Luísa, ela anunciava com orgulho os progressos de Maria da Glória nos estudos: aos quatro anos, “já está falando muito bem o francês; agora quero lhe ensinar minha querida língua materna, pois na infância aprender línguas é uma brincadeira e mais tarde custa um esforço inacreditável”. Leopoldina deixava explícito nessa passagem sua intromissão no que dizia respeito à educação da herdeira do trono. Por intermédio dela, D. Pedro havia concordado em nomear a inglesa Maria Graham como preceptora de Maria da Glória, dando-lhe assim uma instrução digna de seu nascimento, e “educa-la como uma dama europeia – ensinar-lhe, já que terá que governar este grande país, que o Povo é menos feito para os Reis que os Reis para o Povo”, disse a inglesa em carta a Thomas Hardy, comandante britânico da frota do Atlântico Sul.

Princesa Francisca, por Franz Xaver Winterhalter.
Entretanto, a viajante não permaneceu por muito tempo no cargo de preceptora da princesa. Por causa de intrigas palacianas, foi forçada a deixar o Paço e a cidade, para grande tristeza de sua amiga, a imperatriz. No dia 2 de agosto de 1824, Leopoldina deu à luz a mais uma princesa, batizada dessa vez de Francisca Carolina, em honra ao Rio São Francisco. A história se recordaria dela, porém, como “a bela Xica”, por ser considerada, de longe, a mais bela das filhas de D. Pedro I com sua primeira esposa. A criança nasceu às 9 horas da noite, depois de muito esforço, pois “estava com os ombros deslocados no parto, de forma que me custou muito mais do que os outros, mas o parteiro era bom e coragem não me faltou”. A criança, por sua vez, era “muito forte e gorda e se parece totalmente com meu esposo”. Com quatro filhas vivas, a esperança de um bebê do sexo masculino ia diminuindo. Em 1825, porém, a imperatriz ficou novamente em “estado interessante”. Na madrugada do dia 2 de dezembro, ela finalmente pariu “um príncipe, com a maior felicidade possível”, conforme noticiou o boletim médico. Após a chegada de Pedro de Alcântara, Maria da Glória deixava de ser a herdeira do trono. A criança fora saudada com muitas aclamações pelos quatro cantos do país.
Com o nascimento de um filho, Dona Leopoldina, mais uma vez, cumpria um de seus deveres de soberana consorte. Porém, aquela criança estava fadada a desfrutar pouquíssimo tempo da companhia de sua genitora. A imperatriz faleceu no dia 11 de dezembro de 1826, dias depois de ter abortado um feto do sexo masculino. De suas filhas, a única que guardaria uma memória mais nítida da mãe seria Maria da Glória, com apenas 7 anos na época da morte. A pequena rainha de Portugal se lembraria até o fim do amor que a imperatriz sempre lhe devotou. Já as princesas Januária e Francisca Carolina, “a bela Xica”, estas se casariam com príncipes europeus, difundindo assim o sangue de Leopoldina entre as casas reais da França e de Nápoles. A princesa Paula Mariana, porém, morreria prematuramente, aos 9 anos de idade. Quanto ao pequeno Pedro, o chamado “órfão do Brasil” e mais tarde imperador Pedro II, conheceria Dona Leopoldina apenas pelos seus retratos expostos no Paço de São Cristóvão e através do que lhe falavam sobre ela: do amor que ela nutria pelo país, sua pátria de adoção, pelos filhos, pela natureza e pelo conhecimento, qualidades essas que eram compartilhadas pelo imperador. Em 13 de julho de 1847, Pedro II prestaria uma bela homenagem à mulher que lhe deu à vida, dando seu nome a uma menina de cabelos loiros e olhos azuis: Leopoldina de Bragança e Bourbon, princesa do Brasil.

Dom Pedro, Dona Francisca e Dona Januária, de Félix Émilie Taunay.
Referências Bibliográficas:
KANN, Bettina; LIMA, Patrícia Souza. D. Leopoldina: cartas de uma imperatriz. – São Paulo: Estação Liberdade, 2006.
OBERACKER Jr., Carlos H. A imperatriz Leopoldina, sua vida e época: ensaio de uma biografia. – Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1973.
PRANTNER, Johanna. Imperatriz Leopoldina do Brasil. Tradução de Hanns Pellischek e Elena Dionê Borgli. – Petrópolis: Vozes, 1997.
É pena que a aversão da corte portuguesa que circundava a vida do casal tenha sido tão forte a ponto de não permitir à Imperatriz o prazer de determinar o que pensava ser melhor para a vida das próprias filhas. Privou-lhe até da possibilidade de fazer amizades… como se já não bastassem os sofrimentos que passava no matrimônio… Pena também que tenha morrido tão cedo… Talvez, para ela, tenha sido melhor, para não sofrer por mais tempo, mas nunca saberemos o quanto poderia ter feito em favor de seus filhos e do Brasil.
Belo tema, Renato. Parabéns, mais uma vez!
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Vou partilhar, adoro as histórias dos tempos passados!
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Amo ler esses fatos históricos, onde encontro o livro com essas narrativas?
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Acho que poderíamos ter muitas coisas boas se a Imperatriz vivesse ,morreu tão jovem,D.Leopoldina da Áustria,a nossa Princesa,generosa,religiosa,nossa eterna princesa.!
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Adoro esses posts!
Nossa história contada através da saga de meninas transformadas em rainhas…imperatrizes!
Parabéns!!
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As histórias são simplesmente apaixonantes.
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