Princesa de Gales e da Moda: Alexandra da Dinamarca e o glamour da Era Vitoriana!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Em 10 de março de 1863, Bertie, o príncipe de Gales, se casava na Capela de São Jorge, no castelo de Windsor, com a princesa Alexandra da Dinamarca. Nascida em 1 de dezembro de 1844, Alix (como era chamada pelos familiares) era filha do rei Christian IX da Dinamarca com Luísa de Hesse-Cassel. Era considerada uma das mulheres mais bonitas da Europa na década de 1860 e cortejada por muitos príncipes estrangeiros. Os planos de casá-la com o herdeiro do trono britânico começaram a ser feitos dois anos antes, pelo próprio pai do noivo, o príncipe Albert. Contudo, a morte repentina do consorte da rainha Vitória, em 14 de dezembro daquele ano, atrasou as negociações. Em seguida, Vitória incumbiu sua filha mais velha, Vicky, princesa herdeira da Prússia, de inspecionar a jovem Alix. Os diagnósticos feitos pela Princesa Real foram muito positivos e a jovem dinamarquesa aceitou a proposta matrimonial de Albert “Bertie” Edward de Gales (futuro rei Edward VII). Com 19 anos, Alexandra sabia falar vários idiomas, além de costurar e bordar suas próprias peças de roupa. Com seu gosto apurado para a moda, ela se tornaria em breve uma das princesas mais glamorosas de seu tempo.

Fotografia da princesa Alexandra da Dinamarca, futura rainha, no dia de seu casamento com o príncipe de Gales. Ao lado, o vestido que ela usou na cerimônia. A peça, infelizmente, passou por modificações.

Alexandra da Dinamarca, princesa de Gales, por Richard Lauchert.

Destarte, a família real dinamarquesa não era tão rica quanto seus parentes ingleses, razão pela qual muitos viram aquele casamento como desigual. A rainha, por outro lado, admirou bastante a simplicidade de sua futura nora, seus modos agradáveis e sua beleza. A única preocupação era uma cicatriz que Alix trazia no pescoço. O receio de que a filha do rei Christian pudesse introduzir algum tipo de anomalia para as futuras gerações da família real era grande, embora a marca não tivesse qualquer ligação com doenças. Uma vez dissipadas quaisquer dúvidas a respeito da cicatriz, herdada da infância, as negociações para o matrimônio tiveram seguimento. Para que a família real pudesse conhecer a aparência da próxima princesa de Gales, Vitória enviou seu segundo pintor favorito, Lauchert (seu favorito era Winterhalter), até Copenhague, para pintar um retrato da jovem. A tela apresenta Alexandra sob uma luz bastante favorável, envolta em um vestido de seda branca, com camadas e camadas e tule sobre armação de crinolina. A soberana considerou a jovem “adorável”. Já a princesa herdeira da Prússia, fez a seguinte descrição da futura cunhada:

Uma figura adorável, mas muito magra, uma tez tão bela quanto possível. Dentes brancos muito finos e regulares e olhos grandes e muito finos – com sobrancelhas extremamente marcadas. Um nariz muito fino e bem formado, muito estreito, mas um pouco comprido – todo o seu rosto é muito estreito, sua testa também, mas bem formada e nem um pouco plana. Sua voz, seu andar, porte e maneiras são perfeitos, ela é uma das pessoas de aparência mais elegante e aristocrática que eu já vi e é “escandalosamente bonita”

Assim que o contrato de casamento foi arranjado, Alexandra recebeu de presente do rei Leopoldo dos Belgas um belíssimo vestido de casamento, todo decorado com laços e rendas de Bruxelas (uma das mais caras do período). A rainha Vitória, porém, não achou de bom tom que a noiva se casasse com um traje estrangeiro. Afinal, a roupa com a qual ela caminharia até o altar deveria passar uma mensagem patriótica, tal como a própria monarca havia feito quando se casou com seu primo, em 1840. Dessa forma, Alix guardou o belíssimo vestido que ganhou de presente do rei Leopoldo (provavelmente se trata da mesma peça com a qual ela posou para os pinceis de Franz Xaver Winterhalter, em 1864) e entrou na nave da Capela de São Jorge usando um traje fabricado na Inglaterra e bordado por costureiras locais. A peça é composta em seda cor de creme com rendas de Honiton e guarnecida com ramos de flores de laranjeira. Originalmente, o traje possuía mangas curtas bufantes, saia com frente plana e seis frisos; franzidos nas costas, com amplo acabamento em renda e musselina.

Com efeito, a princesa Alexandra foi o primeiro membro da família real a ser fotografado em seu vestido de noiva. Naquela época, as imagens eram monocromáticas e geralmente coloridas à mão para parecerem pinturas. Os cartões de vista também eram uma mania entre os colecionadores. Com base nos registros fotográficos feitos após a cerimônia de casamento, os artistas começaram a pintar telas do evento. William Powel, pintor da corte, conseguiu emprestado quase todas as peças de roupas usadas pelos convidados da festa, exceto o vestido da noiva. Pouco depois das bodas, Alexandra mandou reformar o traje no ateliê de Mme Elise, para que ela pudesse usá-lo mais tarde como um vestido de gala noturno, com um decote vantajoso, que permitia a visão de seu colo desnudo. Ao longo dos anos, a peça passaria por mais algumas reformas, antes de cair em desuso devido à mudança das tendências pós-década de 1860. Isso revela a versatilidade das roupas durante o período vitoriano, que poderiam ser transformadas para se adaptar perfeitamente a uma ocasião diferente. Atualmente, o vestido de casamento de Alexandra da Dinamarca costuma ficar em exposição nos Palácios Históricos Reais.

Com o advento da fotografia em meados do século XIX, a prática da produção de retratos pintados se tornou mais dinâmica. A modelo não precisava mais ficar horas na mesma posição, esperando o artista capturar seu perfil na tela. O mesmo resultado podia ser obtido de forma mais rápida através da análise de uma foto. Na imagem em destaque, temos uma comparação da famosa tela de Franz Xaver Winterhalter, retratando Alexandra da Dinamarca, princesa de Gales, em 1864, ao lado da foto que lhe serviu de inspiração. Como podemos observar, os traços da modelo foram suavizados pelo pincel do artista, que lhe deu uma expressão mais cândida.

Vestido de gala noturno confeccionado em cetim de seda tartan vermelho, verde e creme, feito por Madame Elise. A peça possivelmente foi usada pela princesa Alexandra para um evento no Palácio de Holyroodhouse. O traje, por sua vez, reflete o amor da sogra de Alix, a rainha Vitória, pelas Terras Altas da Escócia. A peça também foi pensada para disfarçar a deficiência de Alexandra ao caminhar.

Infelizmente, nem mesmo os encantos da bela princesa dinamarquesa foram capazes de corrigir o comportamento do herdeiro do trono. Bertie se tornou famoso por seus escândalos extraconjugais e por uma vida sem limites, regada por diversões em cassinos e hotéis na companhia de atrizes famosas. Uma de suas amantes mais conhecidas e duradouras foi Alice Keppel (bisavó da atual rainha Camilla). A despeito do caráter irresponsável de seu marido, Alix sustentou a compostura da casa real de Gales até o fim (mesmo quando a Prússia, cuja princesa consorte era a filha mais velha da rainha Vitória, entrou em guerra contra sua família na Dinamarca para tomar o ducado de Schleswig e Holstein). De sua parte, a rainha admirava bastante esse traço do caráter da nora e passou tomar seu partido em detrimento do próprio filho e herdeiro, que ela considerava inapto para o exercício dos deveres reais. Quanto mais a estrela de Alix brilhava, mais prestígio ela trazia para o Palácio. Em seu tempo, chegou a ser comparada com duas famosas beldades: Eugénia de Montijo, imperatriz dos Franceses, e Elisabeth da Baviera, imperatriz da Áustria.

Durante a primeira visita que a famosa Sissi fez à Inglaterra, em 1874, a rainha Vitória achou Alix “muito mais bonita” do que a esposa do imperador Francisco José, conforme a monarca escreveu em carta para sua filha, Vicky. A princesa e a imperatriz tinham muito pouco em comum, exceto seu amor por cavalos e por belas roupas. Certa vez, Sissi ouvira dizer que apenas ela e a futura rainha consorte do Reino Unido sabiam realmente como se vestir. Ao lado de Eugénia, esse verdadeiro triunvirato da moda patrocinou muitas das criações do estilista Charles Worth, considerado o pai da alta-costura. Worth criou muitas das belíssimas peças que mais tarde poderíamos admirar nas fotografias de Alix, especialmente seus trajes usados nas décadas de 1870 e 1880. Conforme ia envelhecendo, a esposa de Bertie passou a valorizar tecidos de cor mais escura, pois seus detalhes eram facilmente capturados pelas câmeras e valorizavam mais o seu rosto. Além disso, Alix conhecia perfeitamente quais eram seus melhores ângulos e nenhuma imagem sua era divulgada antes de passar por sua aprovação.

Retrato oficial de Alexandra da Dinamarca como princesa de Gales, feito por ocasião do Jubileu de Ouro da rainha Vitória. Detalhe para as joias que ela usa na imagem, como a gargantilha e os colares de diamantes, para esconder sua cicatriz no pescoço. Uma peruca, penteada especialmente para acomodar a diadema, escondia seu cabelo ralo. No colo, estrelas de diamantes, uma moda entre as mulheres aristocráticas do período.

A rainha Elizabeth II usando a Kokoshink Tiara, criada em 1888 para a sua bisavó, a rainha Alexsandra. A joia fazia par com uma da imperatriz Maria Feodorovna (nascida Dagmar da Dinamarca). Infelizmente, a outra peça se perdeu com o desmonte das joias dos Romanov, durante a Revolução Russa.

Entre os anos de 1864 e 1871, a princesa de Gales deu à luz seis crianças, entre elas o futuro rei George V e a rainha Maud da Noruega. Em decorrência do parto de seu segundo filho, o príncipe George, ela contraiu febre reumática, que deixou sequelas na sua compleição física. Além de ter emagrecido muito e perdido cabelo, Alix ficou manca. Isso significava que ela teria que abandonar duas de suas maiores paixões: dançar e montar à cavalo. Uma vez recuperada, ela passou a usar a moda também para disfarçar sua deficiência, perceptível apenas quando caminhava. Gargantilhas de diamantes e outras pedras preciosas também ajudavam a esconder sua cicatriz no pescoço. Na juventude, ela costumava deixar duas madeixas de sua vasta cabeleira caindo sobre seus ombros para cobrir a marca, conforme podemos observar na tela de Winterhalter. Mas, com a queda de alguns de seus fios, a princesa teve que recorrer ao auxílio de perucas, estrategicamente montadas para assentar as belíssimas tiaras em estilo russo Kokoshnik que ela usava, feitas para fazer par com as joias de sua irmã, Maria Feodorovna.

Com efeito, Alix nutria um carinho especial por sua irmã, Dagmar, que se tornou a czarina Maria Feodorovna, graças ao seu casamento com Alexandre III da Rússia. Em 14 de janeiro de 1892, o filho mais velho de Alexandra, Albert Victor, morreu devido a uma epidemia de gripe que ceifou a vida de milhares de pessoas naquele ano, deixando sua mãe extremamente abatida. Com a morte da rainha Vitória, em 1901, ela e Edward se tornaram os novos soberanos da Grã-Bretanha, até 1910, quando o rei faleceu. Para sua coroação, em 9 de agosto de 1902, Alexandra escolheu um vestido em tecido indiano metálico, na cor dourada, bordado na Índia com elementos que ressaltavam sua ascendência dinamarquesa e seu patriotismo britânico. O colo, coberto de diamantes, evocava a imagem de uma rainha-imperatriz em seu auge. Ela havia deixado instruções expressas para que nenhum aspecto de seu vestido fosse “demasiado convencional”. Sua escolha não poderia ter sido mais certeira. Os retratos pintados e as fotografias a apresentam em todo o seu esplendor. Porém, as imagens foram manipuladas, para apresentar a nova rainha mais jovem do que aparentava.

Traje de seda e veludo preto, enfeitado com contas e lantejoulas, que permaneceu guardado em uma coleção privada por mais de seis décadas. Acredita-se que o vestido tenha sido costurado no intuito de ser utilizado como um traje de gala, pela marca Londrina Barolet.

Vestido de seda forrado com lantejoulas que pertenceu a Alexandra da Dinamarca, rainha consorte do Reino Unido. Acervo dos Palácios Históricos Reais.

Curiosamente, embora Alexandra tenha ficado conhecida como ícone de moda e beleza feminina na segunda metade do século XIX, poucas peças do seu gigantesco guarda-roupas sobreviveram aos dias de hoje. Exceção rara para um traje de seda e veludo preto, enfeitado com contas e lantejoulas, que permaneceu guardado em uma coleção privada por mais de seis décadas. Acredita-se que o vestido tenha sido costurado para ser utilizado como um traje de gala pela marca Londrina Barolet. A peça acima, porém, usada possivelmente no início do século XX, foi comprada nos anos 1950 pela tia-avó de Francesca Councell Risius, residente em Tunbridge Wells. Francesca, por sua vez, encontrou o vestido abandonado no sótão de sua residência e, suspeitando que poderia se tratar de algo valioso, entrou em contato com o Museu de Moda de Bath, no dia 8 de setembro de 2018. Após análises do material, concluiu-se que o vestido se tratava de fato de uma peça rara do enxoval da rainha Alexandra. Hoje, o traje faz parte do acervo da mencionada instituição e está em exposição para todos os visitantes locais e estrangeiros.

Outra peça, digna de nota, é um vestido de seda púrpura, forrado com lantejoulas. A escolha dos tecidos para a confecção dos vestidos, por sua vez, tinha o propósito de acentuar as diferenças entre as classes sociais. Na história da monarquia, materiais como seda, cetim e veludo eram de uso restrito a membros da nobreza e da realeza. Porém, com as revoluções liberais dos séculos XVIII e XIX, a burguesia conseguiu difundir seus modos e hábitos até mesmo dentro das tradicionais família reais, a exemplo da inglesa. Nesse caso, o uso exagerado das joias por parte das rainhas e princesas buscava estabelecer um limite entre os padrões de vestuário da monarquia e aquilo que costumava ser utilizado pelas burguesas ricas. Por isso que observamos uma quantidade incomensurável de pérolas, diamantes, entre outras pedras preciosas, ornamentando o colo da rainha Alexandra e o de sua sucessora, a rainha Mary de Teck. Com a morte de Edward VII, sua finada esposa viveria tempo suficiente para presenciar a Revolução que colocou um fim na monarquia russa, culminando com o assassinato de seu sobrinho, Nicolau II, juntamente com a czarina Alexandra, filhas e filho. Após a Primeira Guerra, estavam desfeitos tanto o império alemão, quanto o austríaco.

Retrato oficial de Estado da rainha Alexandra do Reino Unido, pintado em 1905 por Sir Samuel Luke Fildes. Na tela, Alexandra foi retratada usando seu manto da coroação sobre um vestido dourado, com a diadema de George IV na cabeça. Pérolas e diamantes em volta do pescoço completam o seu visual, enquanto sua coroa repousa sobre uma almofada à direita.

Fotografias da rainha Alexandra do Reino Unido, tiradas por ocasião da coroação do rei Edward VII, em 9 de agosto de 1902. Àquela altura, a esposa do monarca tinha 57 anos, mas todas as fotos oficiais do evento a apresentam com uma jovialidade impressionante. Durante um workshop realizado recentemente pela Galeria Nacional de Londres, foi descoberta uma foto que escapou ao retoque dos fotógrafos, que apagavam do negativo as linhas e marcas de expressão no rosto da soberana, provando assim que a juventude atemporal de Alexandra era um recurso técnico de edição de fotos já utilizado na época. A imagem à esquerda foi divulgada pela Dra. Kate Strasdin, em sua conta no antigo Twitter.

Na época de sua coroação, Alexandra tinha 57 anos. Contudo, suas feições nas fotografias e quadros apresentam um aspecto quase etéreo. Muito consciente de sua imagem, ela não desejava que o povo notasse sinais do avanço da idade em seu rosto. Assim, artistas e fotógrafos editavam o perfil da soberana, para deixá-la com aspecto mais jovial. Em público, Alexandra usava um véu para cobrir seu rosto, enquanto passeava de carruagem distribuindo rosas para os súditos, uma prática que ela adotara desde seus tempos como princesa de Gales. Após a morte do rei Edward VII, ela continuou exercendo bastante influência no reinado de seu filho, especialmente nos anos da Primeira Guerra Mundial. Alexandra aconselhou George V a romper qualquer ligação com a família imperial alemã. Em 1917, o rei fundou a atual dinastia dos Windsor. Com a mesma graça que tanto a caracterizara em seus anos como esposa do herdeiro do trono¹, ela manteve um senso de elegância e compostura até o fim de seus dias. Faleceu tranquilamente aos 80 anos, no dia 20 de novembro de 1825. No ano seguinte, seu neto, outro príncipe Bertie, duque de York (futuro rei George VI) se tornava pai de uma garotinha, batizada de Elizabeth Alexandra Mary, em homenagem à bisavó que ela nunca chegou a conhecer.

Referências Bibliográficas:

BATTISCOMBE, Georgina. Queen Alexandra. United States of America: Houghton Miffin Company Boston, 1969.

HARTE, Rosie. The Royal Wardrobe: a very fashionable history of the monarchy. Great Britain: Headline, 2023.

Notas:

¹ Alexandra da Dinamarca foi a mulher que por mais tempo usou o título de Princesa de Gales, entre os anos de 1863 e 1901.

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