Maria de Saxe-Coburgo-Gota: a rainha mais influente da história da Romênia – Parte I

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Em 1882, a rainha Vitória encomendou ao pintor John Everett Millais um retrato de sua neta de 7 anos, Marie de Edimburgo. A criança aparece na tela se dedicando a um trabalho com uma agulha de tricô, atividade essa que fazia parte da formação educacional das mulheres aristocráticas do período e que valorizava seus dotes como futura noiva em potencial. Millais capturou com suavidade os traços cândidos da princesinha, como seu cabelo loiro-arruivado preso por um laço e um vestido de rendas brancas, decorado com fitas na cor rosa. A cor valorizava não apenas seu tom de pele, como também destacava as bochechas coradas do rosto rechonchudo da garotinha, com seus belíssimos olhos azuis. A monarca gostara tanto do resultado, que colocou o quadro em exposição na Academia Real Inglesa. Educada desde cedo para desempenhar seu papel em uma possível aliança matrimonial com outra Casa Real, na época, poucos podiam prever que Marie, filha do príncipe Alfred, duque de Edimburgo, com a grã-duquesa Maria Alexandrovna da Rússia, se tornaria rainha consorte da Romênia e uma das personalidades mais influentes na política, nas artes e na Literatura de seu tempo!

Retrato da pequena princesa Maria de Edimburgo, futura rainha da Romênia, pintado em 1882 por John Everett Millais.

Nascida em Kent, no dia 29 de outubro de 1875, Marie Alexandra Victoria recebeu em batismo o nome de sua mãe, assim como os de seus avós: o czar Alexandre II da Rússia e o da soberana do Reino Unido. O casamento de seus pais fora celebrado no ano anterior, dentro das magníficas paredes do Palácio de Inverno, em São Petersburgo. A união, porém, fora indesejada pela mãe do noivo, em decorrência das inimizades entre o Reino Unido e o Império czarista, que se acentuaram durante a guerra da Crimeia (1853-1856). Vitória considerava os russos um povo “sujo”, enquanto seus governantes, os Romanov, eram “falsos”. Assim, ela se recusou terminantemente a comparecer à cerimônia de casamento de seu filho e demonstrou preocupação quando o czar Alexandre exigiu que sua filha recebesse o tratamento de Alteza Imperial na corte do Palácio de Buckingham, o que a colocaria acima de Alexandra da Dinamarca, princesa de Gales, na hierarquia. A situação só foi resolvida quando a soberana recebeu formalmente do Parlamento o título de Imperatriz da Índia.

Em razão dessa política de casamentos dinásticos, a pequena Marie era aparentada com as famílias reais mais importantes da Europa antes da Primeira Guerra Mundial. Na época de seu nascimento, seu pai atendia pelo título de duque de Edimburgo. Porém, seus compromissos como capitão e depois como comandante-em-chefe da Marinha Real o mantinham constantemente longe de casa. Dessa forma, a princesa passara boa parte de sua infância na casa onde nascera, em Eastwell Park, Kent, e na residência preferida da duquesa de Edimburgo, a Clarence House, sob o atento cuidado da grã-duquesa. Para distingui-la de sua mãe, a família real a apelidou carinhosamente de Missy. Como tinha pouco contato com seu pai, a mãe acabou assumindo um papel proeminente na vida de Marie e de seus irmãos, tomando decisões a respeito de sua educação, atividades e companhias. Outro modelo inspirador na vida da pequena Missy foi sua própria avó, a rainha Vitória, cuja figura acabou se tornando um guia que ela procuraria seguir nos anos vindouros, quando ocupou um papel importante no seio da família real romena.

Mais tarde, nas suas “Memórias”, Missy se lembraria da sua “querida vovó, com seus vestidos de seda preta parecidos com crinolina, seu capelo branco de viúva, sua risadinha tímida e aquele pequeno encolher de ombros que se tornou quase um truque”. Sob a supervisão da rainha Vitória e de Maria Alexandrovna, Missy recebeu uma educação adequada para uma princesa anglo-russa. Além das chamadas “prendas do sexo feminino”, como os trabalhos de agulha, ela aprendeu Literatura, Idiomas, Desenho, História, entre outros componentes curriculares. Assim que atingiu uma idade casadoura, Missy conquistou a reputação de ser uma das mais belas princesas da Europa. Seu charme havia conquista, inclusive, ao jovem Winston Churchill (futuro Primeiro-Ministro), que ela descreveria como um rapaz “ruivo, sardento e atrevido, com um grande desdém pela autoridade”. Já sobre seu primo, o kaiser Guilherme II da Alemanha, ela diria: “Ele gostava de assumir aquela atitude de tirano ou déspota, nunca deixava você esquecer que ele era o primeiro”.

Fotografia digitalmente colorida da princesa Maria de Saxe-Coburgo-Gota, futura rainha da Romênia, tirada no final do século XIX.

A franqueza da jovem Missy, por sua vez, seria um traço indelével de seu caráter. Mais tarde, ela reconheceu que “durante toda a minha vida fui quase perigosamente sincera e não posso me afastar dessa sinceridade absoluta”. Embora a obediência e o recato fossem características esperadas de uma princesa, Missy tinha em sua mãe autoritária e em sua avó verdadeiros exemplos de força feminina. Por outro lado, o casamento dinástico era uma realidade da qual ela não poderia escapar. Em 1893, com a morte do duque Ernest de Saxe-Coburgo-Gota, Alfred herdou os títulos e propriedades de seu tio. Isso significa que tanto Missy quanto sua irmã, Vitória Melita, de quem ela sempre foi muito próxima, elevaram seus status como noivas reais em potencial. Vivendo no belíssimo castelo de Rosenau, as duas completaram sua formação com Música e Pintura. Ao final, Missy foi considerada uma esposa adequada para seu primo George, príncipe de Gales. As diferenças entre ambos, porém, fizeram com que aquele consórcio não seguisse adiantei. George acabou se casando com a noiva de seu finado irmão, a princesa Mary de Teck, enquanto Missy foi desposada pelo príncipe Fernando da Romênia.

Dentro da família real, porém, comentava-se que a união de Missy e George não dera certo devido à inimizade existente entre suas mães, uma vez que a grã-duquesa Maria considerava Alexandra da Dinamarca como filha de um monarca de menor importância (além de não ser a favor do casamento entre primos em primeiro grau, segundo os preceitos de sua fé ortodoxa). Já a princesa de Gales, era contra o sentimento pró-alemão que existia na família real britânica. Com isso, Missy recusou George como marido, para desapontamento da rainha Vitória (“George esperou demais”, disse a monarca). Assim sendo, Missy foi enviada para longe do Reino Unido, conforme o desejo de sua mãe. A princesa havia conhecido Fernando da Romênia em 1892, durante um jantar de Gala, no qual os dois conversaram em alemão. Apesar de achar o príncipe tímido, Missy o descreveu como “bom” em carta para sua prima, a princesa Victoria de Hesse. Convencida da necessidade do casamento após conhecer Fernando na Inglaterra, a rainha Vitória concordou com a união, desde que Missy completasse seu aniversário de 17 anos, e concedeu ao filho do rei Carol I a Ordem da Jarreteira (a mais alta honraria da Inglaterra).

Maria e Fernando se casaram em três cerimonias diferentes: uma anglicana, uma católica e uma civil, realizadas no dia 10 de janeiro de 1893. Estava presente, entre outros convidados, o kaiser Guilherme II da Alemanha, que foi a primeira testemunha a assinar a certidão civil. Aquela união era muito desejada pelo rei Carol, não apenas para garantir o futuro de sua dinastia, como também para apaziguar as relações da Romênia com o czar Alexandre III, tio da noiva, em torno do controle da região da Bessarábia. Em seguida, o casal partiu para a lua de mel, viajando pela Europa Oriental e pelo império Austro-húngaro, onde conheceram o imperador Francisco José, em Viena. Também passearam pela Baviera e pela Transilvânia, até retornaram para a Romênia. A nova princesa herdeira foi muito bem recebida pelo povo, que admirou sua simpatia e capacidade de aproximação. A partir de então, um vínculo seria firmado entre Maria e seus futuros súditos, que perduraria pelos anos vindouros. Durante décadas, ela seria o membro mais popular da família real romena.

Contudo, após seu casamento com o príncipe herdeiro Fernando, Maria enfrentou muitas dificuldades para se adaptar à sua nova vida como consorte real, principalmente por causa das divergências entre o casal. Tal situação era muito comum em casamentos dinásticos, quando príncipes e princesas representavam uma aliança entre dois países. Em suas “Memórias”, ela disse a respeito de seus primeiros anos de casada

[…] nós temos temperamentos completamente diferentes, somos incapazes de compreender certas coisas porque nossas mentes funcionam de forma completamente diferente. Em nossa juventude, fizemos sofrer um ao outro sofrer; éramos como dois cavalos mal emparelhados, apesar de sempre ter havidos questões sobre as quais concordamos […].

Fotografia oficial de noivado da princesa Maria de Saxe-Coburgo-Gota com o príncipe Fernando da Romênia, em 1893.

Mais tarde, Maria acabaria reconhecendo nas suas reminiscências as qualidades de seu marido que, por sua vez, passaria a apreciar cada vez mais a presença e as opiniões políticas da esposa. Ela aprendeu a falar o romeno com facilidade e se adaptou perfeitamente à cultura local. O nascimento do primeiro filho e herdeiro do casal, Carol (futuro Carol II), ocorreu no dia 15 de outubro de 1893 e foi um processo bastante doloroso para mãe, uma vez que os médicos se recusaram a usar o clorofórmio para aliviar suas dores. “As mulheres devem pagar em agonia pelos pecados de Eva”, disseram.

Estarrecida com isso, a avó da princesa, a rainha Vitória, e sua mãe, a grã-duquesa Maria Alexandrovna, insistiram que a droga fosse ministrada nos futuros partos da esposa do príncipe. Em decorrência desse início problemático, Maria teve sérios problemas de adaptação na corte. Sua personalidade extrovertida não combinava com aquele universo frugal para o qual ela havia sido enviada. A futura rainha descreveria mais tarde seu estado de espírito naqueles anos como bastante solitário, uma vez que “por longas horas [ela] ficava deprimida, enquanto [seu] jovem marido fazia o serviço militar, sozinha em quartos [que ela] odiava”. A princesa Maria e o príncipe Fernando foram aconselhados por seu sogro, o rei Carol I, a manter um grupo seleto de amigos. Nem mesmo fora permitido a ela opinar na educação de seu primogênito, algo que afetaria bastante a relação entre mãe e filho. Aquela atmosfera severa e isolada em Bucareste preocupava bastante aos familiares de Maria na Inglaterra, especialmente a rainha Vitória. O casal só teve um pouco de privacidade quando se mudou em 1896 para o Palácio de Cotroceni, onde finalmente puderam se conhecer melhor.

Por serem considerados jovens demais para criarem um príncipe real, o pequeno Carol foi retirado dos cuidados dos pais. Maria se sentia constantemente sufocada por aquele ambiente claustrofóbico e antiquado, no qual ela era tratada apenas como um útero real, preparado para gerar príncipes e princesas. Ela também não encontrava consolo em Fernando, que era controlado pelo rei Carol I e por sua mãe, a rainha Isabel. Em 1897, o príncipe herdeiro contraiu uma grave doença, responsável pela morte de muitas pessoas no período: febre tifoide. Nas cartas que escreveu para sua mãe, Maria demonstrava medo em relação ao estado de saúde do marido, uma vez que não desejava se tornar uma viúva tão cedo. Felizmente, Fernando se recuperou e o casal se mudou para o Castelo de Peleş, na Sinaia. Pouco depois, partiram para a Inglaterra, onde tomaram parte nas comemorações pelo Jubileu de Diamante da rainha Vitória. Na sequência, passaram o verão na corte russa, à convite do czar Nicolau II e da czarina Alexandra, prima de Maria. Fernando completou seu período de convalescença no calor da Riviera Francesa, em 1898. Naquela época, eles já eram pais de dois filhos, Carol e Isabel, futura rainha da Grécia.

A jovem Missy, como princesa herdeira da Romênia. Colorização: Klimbim.

Até o ano de 1913, Maria e Fernando seriam pais de seis crianças, embora existam certas dúvidas quanto à paternidade das duas últimas: Ileana, nascida em 1909, e Mircea, nascido em 1913. No final do século XIX, estourou um escândalo na corte envolvendo o nome da princesa herdeira e do tenente Jorge “Zizi” Cantacuzino. Naquela época, não era incomum as mulheres da aristocracia reivindicarem para si o direito de possuir um amante após o nascimento dos primeiros filhos, desde que a discrição fosse mantida. Como o povo tomou conhecimento do caso, então a mãe de Maria sugeriu que ela passasse uma temporada em Coburgo, afim de abafar os rumores. Nos próximos anos, outros nomes foram apontados como possíveis amantes da princesa, embora nada pudesse ser provado. Quando Maria deu à luz seu último filho, um conflito estourava na região dos Balcãs, que acabaria arrastando a Europa inteira para uma grande guerra. A partir de 1914, nada mais seria como antes, nem para Maria e Fernando, que se tornaram soberanos, muitos menos para as outras cabeças coroadas do continente, ligadas por intrínsecas relações de parentesco.

Referências Bibliográficas:

BAIRD, Julia. Vitória, a rainha: a biografia íntima da mulher que comandou um império. Tradução de Denise Bottman. Rio de Janeiro: Objetiva, 2018.

CADBURY, Deborah. Queen Victoria’s Matchmarking: the royal marriages that shaped Europe. New York: Public Affairs, 2017.

CARTER, Miranda. Os três imperadores: três primos, três impérios e o caminho para a Primeira Guerra Mundial. Tradução de Manuel Santos Marques. Alfragide, Portugal: Texto Editores, 2010.

GILL, Gillian. We two: Victoria and Albert: rulers, partners, rivals. New York: Ballantine Books, 2009.

PACKARD, Jerrold M. Victoria’s daughters. New York: St. Martin Press, 1998.

SAXE-COBURGO-GOTA, Maria de. The Story of my Life. United States of America: Independently published, 2019.

*Contribua para manter o site Rainhas Trágicas na rede, doando qualquer valor na nossa campanha: (clique aqui), ou para o Pix rainhastragicas@gmail.com. Sua ajuda é muito importante!

 

Deixe um comentário