Justa Entre as Nações: a comovente história da princesa Alice de Battenberg!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Castelo de Windsor, 25 de fevereiro de 1885: a princesa Victoria de Hesse, neta da rainha Vitória, entrava em trabalho de parto na mesma cama onde, 42 anos antes, sua própria mãe tinha nascido. A falecida princesa Alice do Reino Unido havia morrido jovem, deixando para trás um marido e cinco filhos órfãos. A tristeza, que antes se abateu sobre aquela família em decorrência da perda de sua matriarca, parecia agora receber um lenitivo com a chegada desta nova criança. A velha monarca segurava a mão da neta enquanto ela fazia esforço para o bebê sair. Às sete da manhã, nasceu a princesa Victoria Alice Elizabeth Julia Marie, em circunstâncias que a rainha classificou como “estanhas e afetuosas”. A pequena Alice, como ficaria então conhecida entre os membros de sua família, para não a confundir com a mãe, logo se tornou a alegria dos olhos da bisavó, dos pais e das tias. Pelo lado materno, ela descendia dos grão-duques de Hesse e da família real britânica; já pelo lado paterno, era uma Battenberg, uma dinastia de condes alemães criada em 1851 e posteriormente tratados como príncipes e princesas. Mesmo aparentados com reis e rainhas, os Battenberg provinham de uma linhagem pouco ilustre, se comparados com outras famílias nobres do continente.

Um raro registo fotográfico captura a bebê Alice no colo de sua mãe, ao lado da princesa Beatrice e de uma sorridente rainha Vitória.

O casamento da princesa Victoria de Hesse e Reno com o príncipe Louis de Battenberg aconteceu um ano antes do nascimento da primeira filha do casal, mas não sem alguma contrariedade por parte dos membros da família real. Eles achavam que o noivo era pouco digno para a neta da rainha da Inglaterra. Porém, Louis, que servia na Marinha Real Inglesa, caiu nas boas graças da soberana, que aprovou a união. Ele e Victoria seriam pais de mais três crianças: Louise, George e Louis. A primogênita foi batizada em Darmstadt, no dia 25 de abril, tendo como padrinhos o avô, Luís IV de Hesse, a bisavó, e sua tia, a grã-duquesa Elizabeth Feodorovna (Ella). Quando criança, a pequena era capaz de encantar a todos, com seu sorriso infantil, espremido entre bochechas redondas. Um raro registro fotográfico captura a bebê no colo de sua mãe, ao lado da princesa Beatrice e de uma sorridente rainha Vitória. Mas, à medida em que a menina ia crescendo, logo se percebeu que ela tinha dificuldade para compreender o que os adultos diziam, assim como para reproduzir os sons de suas falas. Depois de examinada por um otorrino, constatou-se que ela tinha surdez congênita, uma doença que se desenvolve na criança ainda nos meses de gestação.

Apesar de suas dificuldades auditivas, Alice recebeu uma educação digna de uma princesa inglesa, tendo passado a infância entre Londres, Darmstadt e Malta, onde seu pai mantinha posto como oficial naval. Aprendendo com a mãe a diferenciar as sílabas através de leitura labial, Alice conseguia ler e escrever em inglês e alemão, recebendo também instruções particulares de francês (mais tarde, aprenderia o grego). Vivendo na corte inglesa, ela esteve presente no casamento de George, duque de York (futuro George V) com a princesa Mary de Teck, no qual foi daminha de honra. No ano seguinte, ela passava o tempo em brincadeiras com sua tia Alix, que estava noiva do herdeiro do trono russo, Nicolau. Era, portanto, uma garota bastante querida por seus parentes. Mas a tristeza, pela primeira vez, logo mancharia de cinza o céu ensolarado da vida da jovem: em 22 de janeiro de 1901, sua bisavó, a rainha Vitória, morreu. Alice estava presente na capela de São Jorge quando o corpo da velha monarca foi velado. Algumas semanas depois, ela se converteu à Igreja Luterana. Tinha quase 16 anos e já era uma moça muito bonita e de compleição delicada. Sem dúvidas, um belo partido no jogo de alianças diplomáticas estabelecidas entres as casas dinásticas europeias.

A princesa Alice de Battenberg como noiva, em 1903.

Com efeito, entre os deveres de uma princesa real, o casamento consistia na sua principal obrigação. Reforçar as conexões familiares através do matrimônio era uma prática milenar que ainda era adotada pela aristocracia no início do século XX. Em 1902, durante os festejos promovidos pela coroação do rei Eduardo VII, Alice conheceu o jovem príncipe André da Grécia e da Dinamarca, filho do rei Jorge I. Assim como a casa de Battenberg, o reino da Grécia era relativamente novo, tendo sido criado em 1832. O casamento foi considerado adequado pelas duas famílias e em 6 de outubro de 1903 Alice e André fizeram seus votos. Para a cerimônia civil em Darmstadt, compareceram ninguém menos que o czar Nicolau II e a czarina Alexandra, tia da noiva, juntamente com a grã-duquesa Elizabeth e seu marido, o grão-duque Sergei Alexandrovich. Estavam também presentes sua tia Irene, acompanhada do marido, Henrique da Prússia, além do rio Ernie, atual grão-duque de Hesse (o recente divórcio entre Ernie e Vitória Melita de Saxe-Coburgo-Gota era o assunto principal entre os convidados). Como presente de casamento, o imperador e a imperatriz da Rússia deram à sua sobrinha uma tiara de diamantes[1]. Alice também recebeu uma belíssima tiara Cartier, decorada em padrões gregos, com uma coroa de louros de diamantes no centro.

No dia seguinte à cerimônia civil, aconteceu a celebração luterana e a ortodoxa. Alice podia entender os diálogos através de leitura labial, mas ela se sentiu bastante confusa quando o sacerdote da Igreja Ortodoxa entoava a liturgia em grego. Diz-se que quando o prelado lhe perguntou se era de livre e espontânea vontade que ela tomava André por esposo, a noiva respondeu que “não”. Em seguida, quando questionada se havia prometido sua mão anteriormente a outro homem, a noiva respondeu que “sim”. Os familiares, posicionados ao redor do altar, tentaram disfarçar o riso enquanto a jovem princesa permanecia ignorante do equívoco que cometera. Apesar de tudo, a cerimônia e os festejos decorreram de forma tranquila. O jovem casal partiu em seguida para o centro de Darmstadt no automóvel Wolsey, presenteado por Nicolau II, debaixo de uma chuva de arroz e pétalas de rosas. O czar correu atrás do veículo, jogando grãos de arroz na face da noiva, que o chamava de “bobo”. Quando Alexandra alcançou o marido, o encontrou se embolando de tanto rir. Parecia o começo perfeito para uma vida que tinha tudo para ser harmônica. A partir de então, Alice ficaria conhecida pelo título de Princesa André da Grécia e da Dinamarca.

Em 1905, nasceu a primeira filha do casal, batizada de Margarida. Em seguida, vieram Teodora (em 1906), Cecília (em 1911) e Sofia (em 1914). No ano em que Alice deu à luz sua quarta filha, estourou na Europa um dos maiores conflitos bélicos de que a história tem registro: a Primeira Guerra Mundial, que traria consequências desastrosas para sua família e outras dinastias do continente. Nesses ínterim, a princesa permaneceu muito próxima de suas tias, principalmente da grã-duquesa Elizabeth, que era sua madrinha. Em 1908, chegou a visita-la na Rússia, por ocasião do casamento da grã-duquesa Maria Pavlovna. Ella (como Elizabeth era chamada pela família) contou para a sobrinha sobre seus planos de fundar uma ordem religiosa e a convidou para a cerimônia de construção de uma Igreja, cuja obra não prosseguiu. Viúva desde 1905, quando seu marido foi assassinado, a grã-duquesa foi aos poucos se livrando de todas as suas posses e adotou o hábito de freira, passando a se dedicar a trabalhos de caridade. Conforme veremos adiante, o exemplo da tia exerceu um forte impacto na forma como Alice lidaria com os problemas colocados em seu caminho.

A princesa Alice de Battenberg, em 1929.

Durante a Primeira Guerra Balcânica, em 1912, a princesa trabalhou como enfermeira em hospitais de campanha, sendo condecorada no ano seguinte com a Cruz Vermelha Real, pelo seu primo George V. Em 1916, o palácio onde a família vivia em Atenas foi bombardeado por tropas francesas, o que os forçou a partir para o exílio na Suíça no ano seguinte. Um forte sentimento antigermânico se apoderou dos países membros da Tríplice Entente, fazendo com que muitas famílias de origem alemã mudassem de nome. Assim, a dinastia de Saxe-Coburgo-Gota, que governava o Reino Unido desde a morte da rainha Vitória, adotou o nome de Windsor; os Battenberg, por sua vez, se dividiram em Milford Haeven e Mountbatten. Com a Revolução Russa de 1917, os Romanov foram destronados e a família imperial feita prisioneira. Planos para resgatá-los foram feitos por seus parentes na Europa e a princesa Alice tomou parte em algumas dessas tramas. Infelizmente, a oferta de asilo na Inglaterra foi retirada pelo rei George V e, no ano seguinte, Nicolau, Alexandra e seus filhos foram executados pelos sovietes de Ecaterimburgo. Nem mesmo a grã-duquesa Ella escapou às perseguições, sendo assassinada em 18 de julho de 1918. A notícia das mortes de suas tias e primas deixou Alice profundamente abatida.

A princesa e sua família retornaram para a Grécia em 1920, pouco antes do exército do rei Constantino ser derrotado na guerra greco-turca. Foi nesse contexto que, em 10 de junho de 1921, Alice deu à luz seu quinto filho, batizado de Philip (marido da rainha Elizabeth II). Eles tiveram que fugir novamente no ano seguinte, a bordo do cruzador britânico HMS Calypso, estabelecendo-se em Saint-Cloud, na França. Ali, Alice se dedicou ao trabalho de caridade, acolhendo refugiados gregos. Em 20 de outubro de 1928, se converteu à Igreja Ortodoxa Grega e desenvolveu uma profunda religiosidade. Afirmava que era capaz de receber mensagens divinas e que possuía o dom da cura. Depois de um colapso nervoso sofrido em 1930, os psiquiatras concluíram que a princesa sofria de esquizofrenia. Alice foi enviada para o sanatório do Dr. Ludwig Binswanger, em Kreuzlingen, na Suíça. Ali, os médicos consultaram o famoso neurologista Sigmund Freud, em busca de um diagnóstico mais preciso sobre a situação da paciente. Freud considerou que os problemas de Alice provinham de sua extrema devoção religiosa e de uma frustração sexual. Aos 45 anos, a princesa foi submetida a tratamentos que incluíam a aplicação de raios-x nos seus ovários, para agilizar a menopausa e interromper a libido, e choques elétricos, para tratar sua suposta histeria.

Durante o período de convalescença e com a saúde fragilizada, Alice foi abandonada pela sua família. Ela não esteve presente a qualquer um dos casamentos de suas quatro filhas com membros ligados ao partido nazista. A mais velha, Margarida, desposou o príncipe de Hohenlohe-Langenburg; Teodora se casou com o margrave de Baden; Cecília com o grão-duque herdeiro de Hesse; e Sofia com Cristóvão de Hesse-Cassel. Nos anos do conflito, o marido de Margarida combateu nas fileiras do Wehrmacht, enquanto Christophe de Hesse trabalhava para a Gestapo, antes de morrer com Cecília em 1937, num acidente de avião. Já Philip, foi enviado para a Inglaterra, onde viveu sob os cuidados do tio, Louis de Mountbatten, e da avó, Victoria de Hesse. Quanto a Alice, depois de sair do sanatório em Kreuzlingen viveu de forma incógnita na Europa Central, até retornar para Atenas, em 1938. A partir de então, seu contato com o marido e os filhos se tornou cada vez mais precário. Residia em um apartamento de dois dormitórios, próximo ao Museu Benaki e se dedicava ao trabalho junto a comunidades carentes. Quanto a Segunda Guerra Mundial estourou em 1939, a princesa permaneceu em uma situação bastante delicada, uma vez que seus genros lutavam pelos nazistas, ao passo em que Philip tinha se alistado na Marinha Real Inglesa.

A princesa Alice de Battenberg com seus netos, Carlos e Anne, em 1967.

Em 1941, a Grécia foi invadida pelas forças do Eixo. Alice teve que se mudar para um pequeno apartamento no centro de Atenas e empregou seus serviços na Cruz Vermelha, onde organizava a distribuição de sopa para as famílias desabrigadas. A pretexto de visitar sua irmã Louise na Suécia, ela trazia escondido consigo medicamentos para os pobres e doentes, correndo assim grande risco pessoal. Como a Gestapo presumia que a princesa era pró-Alemã, já que Cristóvão de Hesse havia sido um membro do partido nazista, Alice conseguiu fazer seu trabalho de caridade quase sem chamar atenção. Em 1943, quando uma grande leva de judeus foi transportada para campos de concentração fora da Itália, ela deu esconderijo à família judia dos Cohen, a despeito de suas parcas condições de vida. Quando a Gestapo tentou investigar seu apartamento, ela fingiu não entender o que eles estavam dizendo. Embora princesa de sangue real, bisneta de uma rainha e sobrinha de um imperador, foi reportado por Harold Macmillan que ela pouco tinha como manter a si e a às famílias que dependiam de seu auxílio. Seu marido, o príncipe André, com quem mantinha pouco contato desde 1930, morreu em 1944.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945 e a libertação de Atenas, Alice seguiu o exemplo de sua tia, Elizabeth Feodorovna, e adotou o hábito de freira. Dois anos depois, a princesa retornou à Inglaterra para o casamento de seu filho, Philip, com a herdeira do trono britânico. Como presente de casamento, Alice ofereceu a Elizabeth a bela tirara de diamantes ornamentados em um padrão grego, que ela havia recebido quarenta anos antes (hoje, essa bela peça pertence à princesa Anne). Retornando para a Grécia, a princesa fundou a irmandade Cristã de Marta e Maria, que havia sido um sonho de sua tia Ella. A partir de então, se dedicou completamente a uma vida de caridade, ajudando doentes e desabrigados. Em algumas ocasiões, chegou a fazer viagens à Inglaterra e aos Estados Unidos, para levantar fundos destinados à manutenção de seu convento. Em junho de 1953, ela estava presente na abadia de Westminster quando sua nora foi coroada soberana do Reino Unido. Alice se mudou definitivamente para Londres em 1967, depois que uma ditadura militar foi implantada na Grécia. Ela permaneceu lúcida até sua morte no palácio de Buckingham, em 5 de dezembro de 1969, aos 84 anos[2]. Em 1994, foi honrada como Justa Entre as Nações e postumamente reconhecida como uma heroína do holocausto.

Notas:

[1] A joia foi posteriormente desmontada e uma de suas pedras foi usada para a confecção do anel de noivado da rainha Elizabeth II e de uma pulseira, dada pelo príncipe Philp à sua esposa.

[2] Antes de morrer, a princesa Alice manifestou o desejo de ser sepultada no mesmo local onde jazia o corpo da grã-duquesa Elizabeth Feodorovna. Em 1988, seus restos mortais foram transferidos da Capela de São Jorge, em Windsor, para a Igreja de Santa Maria Madalena, em Jerusalém.

Referências Bibliográficas:

HOBSBAWM, Eric J. A era dos extremos: o breve século XX. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

KELLEY, Kitty. Os Windsor: radiografia da família real britânica. Tradução de Lina Marques et. al. Sintra, Portugal: Editorial Inquérito, 1997.

KING, Greg. La última emperatriz de Rusia: vida y época de Alejandra Feodorovna. Tradução de Aníbal Leal. Buenos Aires, Argentina: Javier Vergara Editor, 1996.

LONGFORD, Elizabeth. Queen Victoria: born to succed. New Yor:  Haper & Row, 1964.

MARR, Andrew. A real Elizabeth: uma visão inteligente e intimista de uma monarca em pleno século 21. Tradução de Elisa Duarte Teixeira. São Paulo: Editora Europa, 2012.

MEYER-STABLEY, Bertrand. Isabel II: a família real no palácio de Buckingham. Tradução de Pedro Bernardo e Ruy Oliveira. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2002.

PACKARD, Jerrold M. Victoria’s daughters. New York: St. Martin Press, 1998.

RAPPAPORT, Helen. As irmãs Romanov: a vida das filhas do último tsar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2016.

VICKERS, Hugo. Alice: Princess Andrew of Greece. New York: St. Martin’s Press, 2013.

8 comentários sobre “Justa Entre as Nações: a comovente história da princesa Alice de Battenberg!

  1. Parabéns pelo seu blog. Conheci ele a pouco tempo e estou lendo tudo com muito interesse. Tens uma ótima escrita onde nos bombardeia com muitas informações, mas sem ser maçante. No aguardo das próximas publicações!!

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  2. Encantada com essa história tão linda. Vi um comentário do Renato sobre a princesa Alice, durante uma live com o Rezutti no YouTube e corri colocar em dia os episódios de The Crown… Resultado? Apaixonada pela história dela ♥ Obrigada Renato pelo trabalho tão bonito que realiza, ele nos alcança em sua totalidae… Deus te abençoe!

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  3. Como é bom ler sobre pessoas que nos inspiram…..Ler este artigo é uma dupla inspiração. Renato você ajuda as pessoas a compreender nosso mundinho. E a vida de Alice é sem dúvida cativante e digna de ser contada e recontada através dos anos. Parabéns pelo Blog.

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