Ana Bolena, rainha da Inglaterra: uma vida em 10 objetos

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Ana Bolena é, sem dúvidas, uma das personalidades mais controversas da história da Inglaterra. Mártir para alguns, bruxa para outros, muitas são as máscaras que podemos conjugar ao pesquisar sobre sua trajetória. Atualmente, ela aparece como personagem numa variedade de livros e seriados de TV, que contribuíram bastante para acender o interesse popular em torno de sua pessoa. Tanta especulação se deve ao fato de que muito pouco se sabe acerca de sua vida anterior ao envolvimento com Henrique VIII. As provas de sua existência foram parcialmente destruídas após sua execução, em 19 de maio de 1536, ou se perderam com o tempo, o que torna qualquer tentativa em prol da escrita de sua biografia algo bastante complicado. Entretanto, ainda sobrevivem alguns vestígios de sua existência em museus, bibliotecas, coleções particulares e lugares por ela passou, que podem nos contar um pouco mais sobre sua trajetória. A seguir, selecionamos 10 objetos ligados direta ou indiretamente a Ana Bolena. Confira:

1) CARTA A THOMAS BOLENA (1514)

Um dos maiores mistérios ligados à Ana Bolena é o ano de seu nascimento. Os biógrafos divergem entre os anos de 1501 e 1507. Porém, uma prova crucial para elucidar essa questão se encontra arquivada na biblioteca do Christi College, em Cambridge. O item em questão é uma carta que Ana escreveu para seu pai, em 1514, possivelmente em La Vure, enquanto servia como dama de companhia para a arquiduquesa Margarida de Habsburgo, regente do Países Baixos. A maioria dos biógrafos de Ana Bolena concorda que ela havia sido enviada à corte de Bruxelas para aprimorar seu francês. 12 anos era a idade mínima para uma fille d’honneur, o que nos fornece uma ótima pista sobre sua idade nesses anos. Na carta, escrita em francês vacilante, com uma caligrafia ainda infantil, ela diz: “Senhor, eu entendo pela sua carta que você deseja que eu me torne uma mulher de boa reputação quando eu for para a corte, e você me diz que a rainha se dará ao trabalho de conversar comigo, e isso me dá grande alegria, de pensar em falar com uma pessoa tão sábia e virtuosa. Isso me deixará entusiasmada para falar bem o francês, e especialmente também porque você me aconselhou para trabalhar bastante nisso, tanto quanto eu puder…”.

2) RETRATO NA MEDALHA (1534)

Outro grande mistério ligado a Ana Bolena consiste na sua aparência, já que nenhum retrato contemporâneo seu sobreviveu à posteridade. O que resta são apenas cópias póstumas de retratos originais que se perderam com o tempo e descrições divergentes de pessoas que a conheceram. A única e indisputável imagem criada durante sua vida é uma medalha (hoje no Museu Britânico) datada de 1534 na qual podemos ver uma mulher de rosto oval, usando um capelo inglês, com a inscrição A. R. (Anna Regina) e o motto ‘The Moost Happi’ (the most happy – a mais feliz). Contudo, o nariz e o olho direito de Ana apresentam-se irremediavelmente danificados, o que torna a medalha uma fonte pouco fidedigna de sua aparência.

3) ANEL DE ELIZABETH I

Durante seus 45 anos de reinado, Elizabeth I pouco fez para reabilitar a imagem da sua mãe. Ela preferia ser identificada mais com seu pai, de quem provinha seu direito para governar, do que com a mulher decapitada por traição e adultério. Entretanto, existem algumas referências feitas à mãe da rainha durante a segunda metade do século XVI, como no painel alegórico da linhagem de Elizabeth, exposto nas ruas de Londres em 15 de janeiro de 1559, quando a soberana foi coroada. Há também uma menção a Ana Bolena no “Livro Dos Mártires”, de John Foxe, no qual ela aparece como uma grande patrona da reforma na Inglaterra. Entretanto, a peça mais peculiar é um anel que pertenceu a Elizabeth, em cujo fecho se esconde um retrato da rainha e o de outra mulher, vestida de acordo com a moda da década de 1530/40, que apresenta alguma semelhança com os retratos póstumos de Ana Bolena. Muitos biógrafos, como Eric Ives, acreditam de fato se tratar de Ana. Porém, existe a possibilidade de que se trate de Catarina Parr, madrasta da soberana, que desempenhou um papel muito mais importante na vida de Elizabeth I.

4) CARTAS DE HENRIQUE VIII

Uma das cartas de amore que Henrique VIII escreveu a Ana Bolena,

A determinação do rei em conquistar Ana Bolena está bem documentada pelas apaixonadas cartas que este lhe escreveu, onde demonstra uma jovialidade e interesse pouco comuns para um rei de 35 anos. Ao todo, existem 17 dessas missivas, arquivadas de forma misteriosa na Biblioteca do Vaticano. Nenhuma delas, porém, está datada, mas algumas referências internas ajudam a coloca-las numa espécie de ordem. Muitas das cartas de Henrique para Ana eram escritas em francês, haja vista que todos dois dominavam esse idioma, enquanto que a maioria dos cortesãos não. Isso, por sua vez, ajudava a manter o conteúdo de tais correspondências em segredo. Numa delas, o rei diz: “Revolvendo no meu pensamento o conteúdo das vossas últimas cartas, eu me acho nos tormentos mais dolorosos, não sabendo se elas me são desfavoráveis, como compreendo em muitos pontos, ou favoráveis, como me parecem em alguns outros; eu vos suplico agora, com o mais intenso ardor, que me façais conhecer inteiramente as vossas intenções, pelo que respeita ao amor entre nós dois”

5) LIVRO DE ORAS

Numa sala do castelo de Hever, permanece aberto um pequeno livro de orações que oferece maior interesse ao cômodo, especialmente pelo fato de conter numa de suas páginas a assinatura da antiga proprietária, Ana Bolena. Não menos interessante é o desenho da esfera armilar que acompanha a firma da rainha e a inscrição “Le temps viendra” (os tempos virão), abreviação do provérbio francês que diz: “virá o dia em que pagaremos por tudo”. Acima da inscrição, uma ilustração do dia do juízo final toma quase todo o espaçamento da página, fazendo uma clara referência à passagem do livro do Eclesiastes (12:13): “Deus fará dar contas, no dia de juízo, de tudo o que está oculto, quer seja bom, quer seja mal”.

6) LIVRO DE MÚSICA

Existe um livro de músicas que se acredita ter pertencido a Ana Bolena, arquivado no Royal College of Music, em Londres. Sua origem, porém, têm sido discutida e a única evidência de que o livro de quarenta e duas canções tenha pertencido a Ana Bolena provém de uma inscrição, feita num manuscrito provavelmente da primeira metade do século XVI: “Mistres A Bolleyne Nowe Thus”. Essa assinatura é seguida de notas musicais. Ela é chamada de mistress (senhora), o que indica que a inscrição foi feita antes de ela se tornar rainha, em 1533. “Nowe Thus” era o lema de seu pai, Thomas Bolena, o que implica dizer que ela era solteira na época. Existem evidências que relacionam o livro a Ana Bolena devido às composições incluídas nele. O falecido historiador Eric Ives sugeriu que parte do conteúdo do livro pertence a um período por volta de 1527, quando Henrique e Ana estavam se cortejando abertamente e fazendo planos para um futuro comum. Esses temas musicais estão dentro das composições musicais encontradas no livro. Músicas flamengas e francesas que Ana teria conhecido em seus primeiros anos nas cortes europeias estão incluídas. Os mais representados são John Mouton e Josquin Desprez (JONES, 2006).

7) EXEMPLAR DO NOVO TESTAMENTO

Esse exemplar do Novo Testamento, editado em Antuérpia no ano de 1534, foi traduzido por William Tyndale para o inglês e dedicado a Ana Bolena, conforme se pode ler no frontispício da edição. A cópia que William Tyndale encomendara para Ana Bolena era impressa em pergaminho, recheada de ricas ilustrações e encadernada em marroquim azul. Na capa do livro, lê-se em letras grandes e douradas em fundo vermelho: Anne Regina Angliae (Ana Rainha da Inglaterra). Para ABREU (2003, p. 230-231) é provável que tivesse sido com o apoio da rainha que o Novo Testamento de Tyndale foi publicado pela primeira vez na Inglaterra, em 1536. Apesar desse ano coincidir exatamente com o da execução da soberana, o processo de edição da obra se iniciou muito antes, quando ela ainda estava em posse de seus poderes. Vale ressaltar também que a tradução das Sagradas Escrituras por Tyndale era a melhor feita até então, tendo servido como base para traduções posteriores da Bíblia, ainda durante o reinado de Henrique VIII.

8) LA SAINCTE BIBLE EN FRANÇOYS

Além de encomendar uma tradução inglesa do Novo Testamento, Ana Bolena também possuía sua edição da Bíblia Sagrada, em francês. A tradução é de autoria de Lefevre d’Etapes. Na capa traseira da edição, é possível ler as iniciais H A, de Henrique e Ana, além da inscrição “La Grace et la Verite Est Faicte Par Jesv Christ”(A Graça e a Verdade são feitas por Jesus Cristo). O item se encontra arquivado na British Library (Londres)

9) A TAÇA DE ANA BOLENA

Na Igreja de São João Batista, em Gloucestershire, encontra-se exposta uma taça de prata, datada de 1536, que foi dada de presente por Ana Bolena ao Dr. Richard Masters. Na tampa do objeto, é possível observar o falcão coroado, um dos emblemas da rainha. A taça foi doada à igreja pelo próprio Dr. Masters.

10) RELÓGIO

Relógio dado a Ana Bolena por Henrique VIII. De acordo com a crença, foi presenteado à rainha na manhã de seu casamento e contem as iniciais “H A”. A peça passou em seguida para as mãos de Horace Walpole e posto na sua coleção de curiosidades, na Biblioteca de Strawberry Hill, c. 1747-95. O relógio foi depois comprado pelo Guardião da Galeria Nacional para a Rainha Vitória, em 1842. Posteriormente, foi colocado em exibição na “Sala do Painel” no Castelo de Windsor. Atualmente, faz parte da Coleção Real e permanece erguido em um suporte de metal dourado, com uma cúpula de vidro. O topo do relógio é perfurado com folhagem e pergaminhos contendo o sino, encimado por um leopardo segurando um escudo com o brasão real.

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