Irmãs e rainhas: as filhas de Isabel I de Castela – Parte III: Maria de Aragão, rainha de Portugal

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Com a morte de Isabel de Aragão e Castela, rainha de Portugal, o rei D. Manuel ficou viúvo e, em pouco tempo, sem herdeiro. Era então esperado que ele escolhesse uma segunda rainha. A candidata, por sua vez, também era objeto de preocupação dos reis católicos, que procuravam manter boas relações diplomáticas com o reino vizinho e a melhor forma de se estabelecer alianças entre os estados monárquicos era através do casamento. Fernando e Isabel ainda possuíam duas filhas: Maria e Catarina. Como esta última, mais jovem, estava prometida ao príncipe de Gales, Maria se configurava na alternativa mais viável para aquele matrimônio. Nascida em 29 de junho de 1492, enquanto seus pais estavam em campanha militar, Maria foi a quarta criança saudável, provinda do ventre de Isabel I de Castela. Quando jovem, ela e suas irmãs tiveram uma educação preparatória para a função de rainha consorte, uma vez que seus destinos consistiam em desempenhar um papel importante no jogo de alianças matrimoniais da Europa. Porém, a rainha Isabel cuidaria pessoalmente para que suas filhas recebessem o melhor ensino disponível na época, em sintonia com o espirito do Renascimento italiano e flamengo, no qual a corte castelhana estava imersa.

Maria de Aragão e Castela, rainha de Portugal (artista desconhecido)

Sendo assim, não é de se surpreender que as infantas tivessem a fama de serem as jovens damas mais bem educadas e eruditas de sua época. Entre os livros de autores clássicos e religiosos, elas aprenderam o latim, língua diplomática, como também História, Filosofia, Música, Ciências e Artes. Além disso, como era de se esperar em mulheres consideradas honestas e virtuosas, elas aprenderam também a fiar, costurar e bordar. Os conceitos morais, por sua vez, foram assimilados no Jardin de las nobles doncellas, tratado de educação feminina escrita por frei Martín de Córdova. Nas palavras de Joana Bouza Serrano: “a futura rainha era incitada a ser recatada e piedosa, preparando-se para os vários papeis que teria de exercer enquanto ‘rainha piedosa’, protegendo e amparando os humildes, doentes, peregrinos e necessitados” (2010, p. 242). Não obstante, ela deveria aprender a como administrar seu séquito, a servir seu marido com honra, amar seus filhos e vigiar sua educação. Todo esse preparo transformava as filhas dos reis católicos nos melhores partidos da Europa, não só pela sua brilhante educação, como também pelo seu berço dourado. Dessa forma, para o rei D. Manuel I de Portugal, era de suma importância manter a aliança com a Espanha, pois o casamento com uma infanta traria prestígio e influência para quem a desposasse.

No ano de 1500, quando D. Manuel enviou seu embaixador, Rui de Sande, para negociar o enlace com a filha dos reis católicos, ela já tinha 18 anos, uma idade considerada ideal para se ter filhos. Mas, por se tratar de um matrimônio em primeiro grau de afinidade, já que o noivo fora casado previamente com a irmã mais velha de Maria, foi necessário garantir do papa Alexandre VI uma dispensa, algo que o chefe da Igreja Católica não se negou a conceder. O casamento por procuração ocorreu em agosto, na cidade de Granada. Um mês depois, ela partia para o reino vizinho não mais como infanta de Espanha, e sim rainha de Portugal. Foi recebida por seu marido e seus novos súditos com muitas festas e alegria. Para Francisco da Fonseca Benevides:

Maria não era formosa, apesar de ser de esbelta estatura, muito branca e de agradável fisionomia. Tinha, porém, o queixo algo retraído, o que dava um aspecto irregular ao seu rosto. Era pouco risonha e muito devota. Coser, bordar e, principalmente, orar, eram as suas principais ocupações. E não faltavam divertimentos na corte de D. Manuel nesta época. A corte portuguesa era então, sem dúvida, umas das mais luzidias e brilhantes. Se não havia o extremo galanteio e o primoroso gosto artístico, que em França fizeram da corte do rei Francisco I a mais ilustre e esplêndida da Europa, isso se devia em parte à diferença de hábitos e costumes dos dois povos (2011, p. 235).

Com efeito, o autor, em seu compêndio dedicado às rainhas de Portugal, relata que a História pouco se lembra de Dona Maria, embora ela tenha vivido numa das fases mais ilustres da monarquia portuguesa. Apesar de Dona Maria não ter muitas chances de vir a herdar os tronos de seus pais, já que Juana e seus filhos tinham-lhe precedência na sucessão castelhana e aragonesa, os 17 anos em que ela permaneceu casada com o rei de Portugal também correspondem ao período mais próspero do reinado de D. Manuel, que apreciava bastante sua devotada esposa. Foi no ano de seu casamento, por exemplo, que o navegante Pedro Álvares Cabral aportou nas praias de Porto Seguro, naquela que seria a colônia mais próspera do reino: o Brasil.

D. Manuel I, rei de Portugal (artista desconhecido, século XVI).

Dona Maria trouxe para o reino de Portugal importantes conexões familiares, que incluíam logicamente os reinos ibéricos, além do Sacro-Império e da Inglaterra, acrescentando assim mais prestígio a D. Manuel, que já ostentava os títulos de rei de Portugal e Algarves, d’Aquém e d’Além-Mar em África, Senhor da Guiné e da Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia. Ela vivia rodeada das atenções da família do marido, especialmente da sogra, a infanta Dona Beatriz, que era também sua tia-avó; e também das irmãs do rei, Dona Isabel, duquesa viúva de Bragança, e Dona Leonor, viúva do rei D. João II (conhecida na corte como a rainha velha). Não obstante, a nova rainha era constantemente presenteada com vestidos de tecidos caros e joias suntuosas por D. Manuel, tais como: “o fio de pérolas grossas com a cruz de diamantes, o colar de esmeraldas formando duas letras M, inicial dos nomes Maria e Manuel, ou a argola de ouro esmaltada com um grande diamante, esta última servida oferecida pelo rei quando a desposara em Alcácer” (SERRANO, 2010, p. 248). Seu séquito era composto por damas portuguesas e espanholas, que faziam grande sucesso na corte. Uma das maiores alegrias da rainha consistia na correspondência que mantinha com seus pais, algo que aliviava a saudade que sentia deles e de sua terra natal.

Um ano depois do casamento, no outono de 1501, foi anunciado que a rainha finalmente estava grávida, para grande contentamento de suas duas famílias. Em 7 de junho de 1502 ela deu à luz ao futuro rei de Portugal, D. João III, que foi batizado em homenagem ao fundador da dinastia de Avis. Segundo Serrano:

O nascimento de D. João marcou o início de uma nova e fecunda etapa na vida de D. Maria: a maternidade. Os afazeres e preocupações da jovem rainha passariam a centrar-se nos filhos que, sucessivamente, foi gerando e parindo. Naturalmente, D. Maria contava com o apoio de servidoras que asseguravam todos os cuidados aos pequenos infantes, das quais as fundamentais eram as amas-de-leite, criteriosamente escolhidas. Após os partos, a rainha tinha necessidade de secar o leite, recorrendo à sabedoria das mulheres experientes que conheciam a receita do unguento destinado a interromper a lactação. […] Tendo já dado um herdeiro a D. Manuel, e evitando o retardamento da fecundidade próprio da amamentação, a rainha engravidaria de novo sete meses depois do nascimento do príncipe (2010, p. 252).

Em 24 de outubro de 1503, ano em que o navegador Vasco da Gama chegava de sua segunda viagem às Índias, Dona Maria deu à luz uma menina, batizada de Isabel, em homenagem à avó. Com os anos, aquela bela criança se tornaria esposa do homem mais poderoso da Europa quinhentista:  o imperador Carlos V de Alemanha e I de Espanha, filho de Joana de I Castela, irmã da rainha de Portugal. Na primavera seguinte, Dona Maria estava novamente grávida.

Detalhe de D. Maria, na tela “Fonte da Vida”, atribuída a Colijn de Coter.

Durante terceira gestação da esposa de D. Manuel, uma notícia impactante chegou à corte portuguesa: em 26 de novembro de 1504 faleceu a mulher mais importante da cristandade, sua mãe, a rainha Isabel I de Castela. Essa informação, que certamente deixaria a rainha de Portugal profundamente abalada, foi omitida dela por um tempo, para que não lhe causasse dificuldades nos últimos dias da gravidez. Em 31 de dezembro, nasceu dona Beatriz, exatamente na mesma data em que seu pai reforçava seu poder no oriente, devido à vitória da armada de Lopo Soares em Calecut. No ano seguinte, a proliferação de uma epidemia forçou a corte e a família real a migrar para o Ribatejo. Muitas pessoas morreram entre os anos de 1505 e 1506, entre elas Dona Beatriz, mãe do rei. Nessas circunstâncias, quando a morte não poupava ricos e pobres, novos e velhos, causa espanto e/ou admiração a notória fecundidade da rainha: desde 1502, ela havia dado à luz nada menos que dez filhos, numa época em que a mortalidade infantil era muito elevada. A rainha gerava crianças a um ritmo quase esgotante. Esses partos sucessivos, porém, logo cobrariam seu preço ao corpo de D. Maria, que após o nascimento de D. Duarte, em 7 de setembro de 1515, e D. Antônio, em 9 de setembro do ano seguinte, jamais se recuperaria.

Para além de ter cumprido o principal dever de uma rainha consorte, ou seja, prover a coroa de herdeiros, D. Maria também participou ativamente em sua educação, conforme pregava o Jardin de las nobles doncellas. D. Manuel demonstrou plena confiança na esposa para que esta desempenhasse esse papel. À medida que os infantes iam crescendo, outros tutores lhes eram designados para o ensino da leitura, escrita e gramática. Diz-se que a rainha era uma mãe bastante amorosa e que não fazia distinção entre seus filhos e filhas, apesar de D. João conservar o status de príncipe herdeiro. Doa Maria é recordada pelos cronistas como uma mulher muito bondosa e caridosa, intercedendo junto ao rei para que este realizasse obras de caridade. Dona Maria cumpriu com zelo as obrigações de rainha consorte, para as quais fora educada desde a infância. Enquanto o império ultramarino português florescia e o poder de D. Manuel aumentava, a saúde de sua esposa declinava. Após o nascimento de seu último filho, em 1516, foi dito que a rainha “ficou tão maltratada que até a hora da morte nunca mais se achou bem”. Ela veio a óbito no dia 7 de março de 1517, aos 34 anos. Sua perda foi muito sentida por todos do reino. Porém, se considerarmos os destinos de suas irmãs, podemos com certeza considerar que Maria de Aragão e Castela foi, de longe, a mais feliz das filhas dos reis católicos.

Referências Bibliográficas:

BENEVIDES, Francisco da Fonseca. D. Maria de Castela: primeira mulher de D. Manuel I (1500-1517). In: Rainhas de Portugal: as mulheres que construíram a nação. 4ª ed. Portugal: Marcador Editora, 2011, p. 230-244.

DOWNEY, Kirstin. Isabella: The Warrior Queen. New York: Anchor Books, 2014.

SANCHEZ, Luiz Amador. Isabel, A Católica. Tradução de Mário Donato. – Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1945.

SERRANO, Joana Bouza. Maria de Castela (1482-1517): uma rainha do Renascimento. In: As avis: as grandes rainhas que partilharam o trono de Portugal na segunda dinastia. 2ª ed. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2009, p. 237-264.

STEVENS, Paul. Fernando e Isabel. Tradução de Edi Gonçalves de Oliveira. – São Paulo: Nova Cultural, 1988.

VILLANUEVA, Fernando Díaz. Isabel La Católica. – Madrid: Edimat Libros, 2007.

5 comentários sobre “Irmãs e rainhas: as filhas de Isabel I de Castela – Parte III: Maria de Aragão, rainha de Portugal

  1. Uma nota qunato ao primeiro “retrato”: a imagem apresentada não é um retrato real, mas parte de uma série de pbotoshops por “The Lost Gallery”. Estas imagens começam a ser tomadas como verdadeiras, o que é bastante preocupante pois espalham informação visual incorrecta…

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