“Uma mulher caçada e perseguida”: as polêmicas revelações Luísa da Toscana, princesa da Saxônia!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Certa vez, a imperatriz do Brasil, Leopoldina da Áustria, disse: “Nós princesas somos como dados, cuja sorte ou azar depende do resultado”. Talvez, poucas frases definiriam melhor a política de casamentos entre a realeza, que vigorou em quase todas as monarquias europeias e além-mar. Usada como peão no tabuleiro do jogo diplomático das Casa Reais do velho continente, uma princesa que se unia em matrimônio com um príncipe estrangeiro deveria gerar herdeiros para a Coroa e ser um modelo de conduta para as outras mulheres do reino. Talvez por isso Napoleão I tenha dito que estava desposando um “útero” quando tomou por segunda consorte a arquiduquesa Maria Luísa (irmã da imperatriz do Brasil). Porém, nem todas aceitaram com passividade o papel que lhes era imposto por seu nascimento e condição biológica. Um ótimo exemplo disso foi a arquiduquesa Luísa da Áustria-Toscana, que desafiou um sogro autoritário, uma corte repleta de línguas ferinas e um marido que nada fez para lhe poupar dos muitos constrangimentos e frustrações da vida, dentro dos portões dourados do Palácio. Sua autobiografia, publicada em 1911, ajudou a desmistificar a ideia por trás dos contos de fadas, que ainda se faz presente no imaginário coletivo.

Arquiduquesa Luísa da Áustria-Toscana aos 5 anos, por Georg Decker, em 1875.

Nascida em Salzburgo, no Império Austro-Húngaro, em 2 de dezembro de 1870, Luísa era filha de Fernando IV, último grão-duque da Toscana, e da princesa Alice de Bourbon-Parma. Apesar de possuir ancestrais ilustres, como os reis da Baviera e da França, e de ser aparentada com as famílias reais da Áustria e da Prússia, Luísa provinha de uma ramo deserdado da realeza. Isso porque seu pai perdera o grão-ducado em decorrência do Risorgimento, ou seja, a unificação do reino da Itália sob o comando da Casa de Savoia. Por causa disso, seus pais tiveram que pedir abrigo ao primo, o imperador Francisco José, passando a viver da caridade do monarca. Luísa foi a segunda criança do casal, seguida por mais oito príncipes e princesas, reconhecidos como arquiduques. Ainda em tenra idade, ela disse que “meu eu interior estava sempre lutando para dominar as formas e cerimônias externas”. Assim que a princesa desabrochou numa jovem casadoura, passou a ser cortejada como noiva em potencial por alguns membros da nobreza. Ela tinha cabelos louros, olhos castanhos e uma boa compleição física, características que eram muito valorizadas no período. Não obstante, o fato de ser prima do imperador era um chamariz para príncipes de Casas Reais menores.

Com efeito, poucos conseguiram atrair tanto a princesa de 21 anos quanto o príncipe Frederico Augusto da Saxônia, sobrinho do rei Alberto I e que, tal como Luísa, era aparentado com a família real da Baviera. Não obstante, Frederico era bisneto pelo lado materno da imperatriz Leopoldina do Brasil e do imperador D. Pedro I, uma vez que sua mãe, Dona Maria Ana de Bragança, era filha da rainha Maria II (nascida Maria da Glória). Aos 26 anos, Frederico era um rapaz alto, loiro e atraente, com seus belíssimos olhos azuis, que tanto encantaram Luísa no primeiro encontro. O matrimônio parecia, assim, um negócio perfeito para a família da noiva, cujo status havia sido rebaixado desde a perda do grão-ducado da Toscana. Aquele casamento trazia consigo, também, a promessa de uma coroa, visto que Frederico era o segundo na linha de sucessão, atrás apenas de seu pai, o príncipe Jorge. As bodas foram realizadas em Viena, no dia 21 e novembro de 1891, segundo os ritos da Igreja Católica. Pouco depois, a nova princesa da Saxônia partiu para a corte de Dresden. “Pela primeira vez na vida, senti aquela horrível sensação de estar encurralada, algo que viria a sentir muitas vezes a partir de então”, escreveria era anos depois, em sua polêmica autobiografia.

Luísa disse mais tarde que não estava em posição de refutar a oferta do príncipe Frederico, devido à pressão exercida por seu pai: “chorei amarguradamente quando comparei a minha posição à de outras jovens que não eram, pensava eu, atiradas para o matrimônio e tinham a possibilidade de escolher um marido, ao contrário de uma princesa pobre”. Apesar de essa reflexão ter sido escrita vinte anos depois do casamento, ela faz eco à frase da autoria de Dona Leopoldina, citada no início desse texto. Essa era a situação das princesas no antigo regime, conforme bem havia notado Isabel de Parma no século XVIII: “O que deveria esperar a filha de um grande príncipe? […] Nascida escrava de preconceitos dos outros, vê-se sujeita ao peso das honras, essa etiqueta interminável presa à grandeza […] um sacrifício para o suposto bem público” (apud FRASER, 2009, p. 66-7). Luísa engravidou poucos meses depois do casamento e, em 15 de janeiro de 1893, deu à luz seu primeiro filho com Frederico, batizado de Jorge, em homenagem ao avô. No mesmo ano, nasceu Frederico Cristiano, futuro marquês de Meissen, no dia 31 de dezembro. Até o ano de 1903, a arquiduquesa teria mais cinco crianças, com um intervalo de aproximadamente dois anos entre cada gestação.

Fotografia de noivado de Luísa com o príncipe Frederico Augusto da Saxônia, em 1891.

Segundo Luísa nos conta em sua autobiografia, o clima na corte de Dresden era bastante hostil à sua presença. Era dizia que seu sogro tinha inveja da sua popularidade junto ao povo e que era um “homem fanático e intolerante”, que “deveria ter vivido na época da Inquisição”. Sobre sua cunhada, a princesa Matilde, ela disse que era “uma solteirona odiosa”, cujos cavalos “tiveram que ser escolhidos com cuidado” para que não “desabassem sob seu peso”. As duas não se davam bem e Luísa revelou no seu livro que a irmã de seu marido a maltratava com frequência. Já sobre os cortesãos, a arquiduquesa afirmou que eram uma “coleção de seres humanos mais tacanhos, mal-intencionados e presunçosos que se possa imaginar”. Na presença da nova princesa da Saxônia, lhe tratavam com as maiores lisonjas. Porém, mal ela dava as costas e eles começavam a conspirar contra sua persona. Costumavam pegar sua correspondência descartada no lixo, espreitavam atrás de portas fechadas e buracos de fechadura, em busca de segredos que pudessem ser repassados para outros membros da família real, notadamente a princesa Matilde. Frederico pouco fez para salvar a reputação de sua esposa.

Contudo, se Luísa não era querida no seio da nobreza, isso não se poderia dizer do povo, que a adorava. Sempre que um cortejo de carruagens saia do Palácio, as mulheres prestavam atenção para o veículo que transportava a princesa, ansiosas para ver o que ela estava vestindo. Em retribuição, Luísa acerva para fora da janela ou então mostrava um de seus pequenos filhos. Logo, ela se tornaria um ícone da moda, tal como Maria Antonieta, rainha da França, fora em seu tempo. Aliás, a famosa soberana guilhotinada pela Revolução era uma espécie de referência para Luísa, que se enxergava em posição semelhante à de Antonieta na corte de Versalhes. Em bailes à fantasia, a princesa gostava de usar uma gaule amarrada com uma fita na cintura, chapéu com plumas e cabelos empoados, tal como no retrato que Élisabeth-Louise Vigée-Le Brun pintara da rainha, em 1783. Seguindo o exemplo da esposa de Luís XVI, a princesa da Saxônia começou aos poucos a refutar todo o cerimonial da corte e a rigidez das regras de etiqueta, cercando-se de um grupo de nobres mais jovens. Seu comportamento para com os súditos também não era marcado pela frieza dos costumes e sim por maior proximidade. Isso deixou a antiga nobreza palaciana bastante enfurecida, especialmente seu sogro.

Enxergando a si mesma como um pássaro cuco em um “ninho de pardais”, Luísa afirmou que encontrou conforto apenas no trabalho social: “Meu sonho de menina era ganhar o carinho de meus futuros súditos; e este é, talvez, o único sonho meu que já se tornou realidade”. Enciumado da relação da nora com o povo, o príncipe Jorge debochava: “Que grande coisa fazes da tua popularidade, Luísa”. De sua parte, a arquiduquesa não se deixava intimidar pelo sogro, desafiando-o abertamente, a despeito dos olhares desaprovadores do príncipe Frederico. Devido à inércia do marido, a arquiduquesa começou a procurar fora do casamento o conforto de “amizades inocentes”, como a própria descreveria. Em uniões como sua, forjadas por interesses políticos, não era incomum que os cônjuges arrumassem amantes despois do nascimento dos primeiros herdeiros, desde que a discrição fosse mantida à risca por parte da esposa. Parece que esse não foi o caso de Luísa. É possível que ela tenha mantido um caso extraconjugal com o tutor de seus filhos, Monsieur Giron, que chegou aos ouvidos do príncipe Jorge. Assim que ele se tornou rei após a morte de seu irmão, em 1902, começou a tomar medidas para que a esposa de seu filho jamais viesse um dia a usar a coroa da Saxônia.

A princesa herdeira da Saxônia, Luísa da Toscana, no início do século XX.

Já velho e doente, o rei Jorge temia que a conduta da princesa herdeira pudesse manchar a reputação da família real e então começou a tramar a internação dela em um sanatório, acusando-a de histeria. Na época, acreditava-se que essa condição estava intrinsecamente ligada ao útero e ao aumento da libido, razão pela qual muitas mulheres foram levadas para hospícios, onde recebiam tratamentos à base de eletrochoques. Tão logo o escândalo ameaçou explodir, Monsieur Giron se demitiu do cargo e partiu da corte, deixando Luísa à própria sorte. Com o auxílio de seu irmão, a princesa herdeira conseguiu fugir na calada da noite de 9 de dezembro de 1902, sem levar consigo qualquer um dos seus seis filhos. Naquela ocasião, ela estava nos primeiros estágios da gravidez de sua filha mais nova, Ana Pia. Até hoje não se sabe quem é o pai biológico da criança, se Monsieur Giron ou qualquer outras das “amizades inocentes” da princesa. O fato é que, possivelmente para abafar o escândalo, Frederico assumiu a paternidade da menina loura e de olhos azuis, nascida no dia 4 de maio do ano seguinte. Um médico fora especialmente enviado para visitar Luísa no exílio e avaliar se Ana parecia ou não com o príncipe herdeiro. O casal mal tinha convivido no ano anterior!

A princípio, a princesa cogitou retornar para a casa paterna em Salzburgo, mas não foi aceita por seus parentes. Com poucas alternativas, ela viajou para a Suíça, onde vivia seu amante, Monsieur Giron. Embora a família real se sentisse aliviada com a partida da princesa, assim que as circunstâncias de sua fuga chegaram aos ouvidos da população, o povo se voltou contra a Coroa. Nem mesmo o dinheiro que o rei Jorge pagou aos jornalistas para que publicassem todo tipo de matérias infames contra sua nora pareceu surtir efeito. Muitos apostavam que a monarquia no país não duraria muito mais tempo sem a princesa herdeira. Como ela vivia publicamente no exterior com o amante, o rei declarou o divórcio de seu filho. Tudo isso foi demais para Monsieur Giron, que abandonou Luísa mais uma vez. Rechaçada por seus parentes, sem dinheiro e sem teto, ela ironicamente procurou abrigo num hospício, onde se internou por vários meses, sobrevivendo da caridade local. Ali, ela deu à luz sua filha Ana. No ano seguinte, o rei Jorge morreu, fazendo de seu filho o rei Frederico Augusto III. Apesar de não estar disposto a receber a mãe de seus filhos de volta, o novo monarca nunca reconheceu o divórcio e jamais voltaria a contrair casamento com outra princesa.

Com a ascensão do ex-marido ao trono, Luísa reconheceu que era melhor para Ana crescer em um palácio, cercada de luxo e conforto, do que em condições de carência. Assim, a criança foi enviada para a Saxônia, onde seria criada como filha legítima do rei. Luísa então se mudou para Londres, casando-se pela segunda vez com o músico italiano Enrico Toselli, com quem teve um filho, Carlo Emanuele Toselli. Quando a notícia deste segundo casamento chegou ao conhecimento do imperador Francisco José da Áustria, ela confiscou da prima o tratamento de arquiduquesa e todos os demais títulos. Para mitigar a situação, seu pai, Fernando, na condição de antigo grã-duque da Toscana, lhe conferiu o título de condessa de Montignoso. Infelizmente, a vida no exílio como simples esposa de um músico foi demais para Luísa. Acostumada com o luxo dos anos anteriores, ela pediu o divórcio em 1912, deixando seu segundo marido e o filho pequeno. Tentou retornar para Dresden, na expectativa de reencontrar suas outras crianças, mas fora impedida pelos ministros do rei. Foi nesse contexto, com as rivalidades entre as famílias reais europeias se acirrando durante os anos da chamada “paz armada”, que Luísa lançou a primeira bomba no Palácio: a publicação de suas memórias!

Luísa em 1911, ano de publicação de sua autobiografia.

Lançado pela primeira vez em 1911, My Own History causou um verdadeiro frenesi entre o público de leitores. A reação não era para menos. Afinal, a arquiduquesa Luísa desmentia no seu livro várias das acusações que foram feitas contra ela: de ter mantido um caso extraconjugal com o professor de francês de seus filhos e de ter fugido da corte da Saxônia apenas para se divorciar, evitando assim a ameaça de internação em um asilo psiquiátrico e o despojo de sua herança. “Como meus filhos estão agora se aproximando de uma idade em que as afirmações mentirosas em questão podem ser comunicadas a eles, é meu dever tornar públicas as verdadeiras razões que levaram ao meu banimento final”, escreveu a autora. Quando a publicação veio à lume, diz-se que a editora inglesa, Eveleigh Nash – com quem a princesa fez o acordo de lançamento – recebeu uma boa quantia para retirar a obra do mercado. O New York Times noticiou a resposta de Luísa: “Nem por um milhão”. Descrevendo os Habsburgo sob um prisma hostil, ela diz: “Fomos entregues a tutores e governantas para sermos moldados nos padrões de comportamento mais aprovados. Nunca deveríamos questionar nada, mas apenas nos tornarmos autômatos inteligentes”.

Com os últimos tiros de canhão da Primeira Guerra Mundial, todos os personagens dessa história foram afetados: o império Austro-Húngaro se desfez e o rei Frederico Augusto III foi destronado. Seu primogênito com Luísa, o príncipe herdeiro Jorge, jamais viria a ser rei, tornando-se em vez disso padre. A princesa teria a oportunidade de rever seus filhos anos depois, na embaixada da Saxônia. Eles então a perdoaram por seu passado, não demonstrando qualquer sinal de remorso para com a mãe, que assumiu o título de Comtesse d’Ysette (menos importante do que aquele que seu pai lhe havia conferido). Embora suas filhas tenham feito ótimos casamentos, os últimos anos de Luísa foram bastante difíceis. Ela levava uma existência paupérrima em Bruxelas, como vendedora de flores, quando veio a falecer em 23 de março de 1947, aos 76 anos. Seu corpo foi sepultado na Igreja de Erdlinge, em Sigmaringen, onde também foram enterrados alguns de seus filhos. As palavras de sua autobiografia, citada neste texto como fonte primária para a construção da narrativa, servem perfeitamente como epitáfio desta irreverente princesa: “Deixo o mundo para julgar quem foi mais cruel: uma mulher caçada e perseguida que lutou por sua liberdade, ou os inimigos inescrupulosos que a expulsaram do marido, de casa e dos filhos”.

Referências Bibliográficas:

FRASER, Antonia. Maria Antonieta. Tradução de Maria Beatriz de Medina. 4ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2009.

HOBSBAWN, Eric J. A era dos impérios, 1875-1914. Tradução de Sieni Maria Campos e Yolanda Steidel de Toledo. 17ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.

TAPIOCA Neto, Renato Drummond. “Atirei-me escada abaixo”: as polêmicas revelações feitas pelas mulheres da realeza! – 2021. Acesso em 31 de março de 2024.

TUSCANY, Louisa of. My Own Story and Memoirs of the Husband of an ex-Crown Princess. Independently published, 2020.

 

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