Maria Antonieta e a moda do “pouf”, o penteado que podia chegar a 1m de altura!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Ao se pesquisar em livros ou na internet retratos referentes à Maria Antonieta (ou Marie Antoinette) não raro nos deparamos com o famoso quadro da mesma, pintado por Jean-Baptiste Gautier-Dagoty em que a modelo aparece em pé trajando um vestido azul estilo rococó e envolta em um manto bordado com as flores-de-lis da monarquia francesa. No entanto, um dos elementos que mais chamam a atenção na referida obra é o grandiosíssimo penteado que a rainha usa, enfeitado por penas e joias que o tornavam ainda maior. Desenvolvidos por uma merchande des modes, Rose Bertin, em parceria com o cabeleireiro Léonard, os poufs (nome pelo qual aquele arranjo ficou conhecido) logo ganharia aderência entre todas as damas da alta sociedade parisiense, encontrando também adeptos em outras cortes estrangeiras, como Georgina, duquesa de Devonshire. Entretanto, tal tendência despertaria o espanto de muitos espectadores, que não viam com bons olhos as gigantescas esculturas que mulheres bem nascidas traziam em cima de suas cabeças, mesmo em cerimônias estatais e bailes no palácio de Versalhes. Os poufs, por sua vez, acabariam por se fazer num elemento icônico das últimas décadas do século XVIII, ficando intrinsecamente ligado à figura e personalidade de Maria Antonieta de Habsburgo-Lorena.

A primeira grande ocasião em que a rainha usara os gigantescos penteados (que podiam chegar a mais de 1m de altura) fora na coroação de Luís XVI, em 11 de Julho de 1775. Neste dia, ela estava vestida segundo a moda lançada por Rose Bertin, com trajes ornamentados de fitas, bordados pomposos e pedras preciosas. Contudo, fora seu cabelo o que mais chamara a atenção dos presentes, pois estavam “eriçados muito alto acima da testa, pesadamente empoados e encimados por um feixe de oscilantes penas brancas”, que de acordo com Caroline Weber, “proporcionou aos circunstantes a maior surpresa”. Ainda nas palavras da referida autora,

“… Esse penteado produzia um efeito global de tamanha altura que seu rosto parecia ser o ponto médio entre o topo do cabelo e a orla do vestido. O galante duque de Croÿ, por exemplo, achou o penteado de sua soberana encantadoramente absurdo, e fingiu-se curioso de saber como ela e suas damas, penteadas de maneira semelhante, haviam todas conseguido crescer tanto desde a última vez que as vira…” (WEIR, 2008, págs. 110-11).

Maria Antonieta com um pouf à la Belle Poule: um intrincado penteado exibindo uma fragata francesa que lograra vitória decisiva contra os britânicos em junho de 1778.

Maria Antonieta com um pouf à la Belle Poule: um intrincado penteado exibindo uma fragata francesa que lograra vitória decisiva contra os britânicos em junho de 1778.

Os demais convidados, contudo, acharam a menor graça no descomunal arranjo nos cabelos da rainha, e alguns inclusive afirmaram que por causa dele, não conseguiram acompanhar todo o cerimonial da coroação do novo rei (embora provavelmente fosse um exagero da parte deles, já que Maria Antonieta estava acomodada em uma tribuna separada).

Após sua subida ao trono da França, Luís XVI dera à esposa carta branca para que ela organizasse todos os divertimentos da corte de Versalhes, e lhe dispensava enormes quantias em dinheiro para entretenimentos pessoais. Entre visitas a Paris e ao Palais Royal do Duque de Orleans, Maria Antonieta entraria em contato com a loja de uma modista, localizada na rue Saint-Honoré, conhecida como Grand Mongol. O dito estabelecimento já vinha conquistando clientes de grande posição social, a exemplo da duquesa de Chartres, que fora uma das primeiras pessoas a usar os poufs. O penteado causaria tanto fascínio na rainha da França, que logo ela também se tornaria cliente de Rose Bertin, que em 1773 era uma mulher solteira de 24 anos e cheia de ideias que, por sua vez, acabariam revolucionando a moda da época. Aos poucos, o negócio da modista fora crescendo, até ao pondo delas realizar desfiles e exposições com mais de 280 vestidos, avaliados coletivamente em mais de 500 mil libras. Sendo assim, tamanho luxo e exuberância não tardariam em atrair os olhares das damas mais proeminentes da corte, entre elas a própria soberana. Antonieta, por aquele período, estava cercada de amigos que compunham uma pequena sociedade privada, da qual ela queria brilhar como o sol e/ou a lua.

A Condessa de Boigne certa vez dissera que para a rainha “ser a mulher mais à la mode de todas parecia a coisa mais desejável que se podia imaginar”. Dessa forma, estar por dentro das principais tendências era essencial para que Maria Antonieta brilhasse como uma deusa Vênus, a rainha da moda que tanto desejava ser. Ter a seu lado a modista Rose Bertin, então, seria mais do que necessário para isso. Entre todos os ornamentos da merchande, uma em particular chamaria a atenção da soberana: os poufs.

“Colocados no topo de altíssimos montes de cabelo, com uma estrutura de gaze, esses pufes eram decorados com os objetos mais extraordinários: flores, frutas, legumes, pássaros e ornamentos de todos os tipos. Alguns sustentavam ainda palcos ou barcos em miniatura […]. Os penteados femininos haviam se tornado objetos de arte em si mesmos, acrescentando os elementos mais inesperados. Algumas mulheres ostentavam jardins de estilo inglês, ruínas e milhares de outras loucuras…” (LEVER, 2004, págs. 83-84).

Em alguns casos, os poufs eram elaborados de acordo com acontecimentos políticos e avanços científicos do período, como o chamado pouf da inoculação, composto por um sol nascente e uma oliveira com azeitonas, enrolada por uma cobra ameaçada por um porrete em flor. Essa bizarra combinação tinha por finalidade representar o triunfo da ciência sobre a ignorância.

Modelos de poufs utilizados pelas aristocratas parisienses durante as três últimas décadas do século XVIII.

Modelos de poufs utilizados pelas aristocratas parisienses durante as três últimas décadas do século XVIII.

Logo Maria Antonieta se tornaria a primeira cliente do Grand Mongol e pouco tempo depois iria comissionar uma pensão a Bertin para que esta lhe fizesse duas visitas semanais a Versalhes apresentado suas criações mais inéditas, para que a rainha as usasse antes de todas as outras mulheres. A modista, ao lado do cabeleireiro Léonard, formaria junto com a rainha algo que Caroline Weber definiu como o ministério da moda. Muitas pessoas, especialmente entre as camadas do terceiro estado, viam de maneira nada amistosa sua soberana enfiada em trajes tão extravagantes e dispensando enormes somas em dinheiro para comparar roupas e demais ornamentos. Dizia-se, inclusive, que Maria Antonieta jamais repetia o mesmo traje e que nada menos do que três cômodos do palácio de Versalhes lhe serviam de guarda-roupas. A rainha, por sua vez, utilizava a moda, e principalmente os poufs, como uma forma de se expressar politicamente, já que Luís XVI não lhe dava participação nos assuntos do governo. Todavia, para o povo da França, ela e sua societé eram os responsáveis pela espoliação do tesouro real, quando na verdade seus gastos mal chegavam a 1/6 das finanças do Estado.

Exemplo de pouf com um jardim inglês no topo.

Exemplo de pouf com um jardim inglês no topo.

Contudo, a maneira como se vestia aliado à companhia de jovens e frívolas damas, não era algo pelo qual os franceses poderiam esperar de sua rainha. De Viena, a Imperatriz Maria Tereza já enxergava o erro em que sua filha estava incorrendo. Como de costume, escreveu uma carta reprimindo-a por seus exóticos modismos:

“Li nas gazetas que seus penteados de fitas e plumas crescem a cada dia. Você sabe que sempre fui de opinião que devem se seguir as modas com moderação. Uma rainha jovem e bonita, com atrativos naturais, não deveria se permitir essas loucuras. Ao contrário, um simples penteado deveria servir apenas para destacar seus encantos, além de ser mais adequado à sua categoria. É ela quem deve ditar a moda, e todos seguirão o que ela escolher fazer” (apud HASLIP, 1989, págs. 95-96).

Quanto a isso, Maria Antonieta simplesmente se limitara a responder que “é verdade que tenho grande interesse em roupas”. Em fato, uma vez longe da tutela da mãe, e agora rainha da França, Maria se sentia a vontade para fazer o que quisesse ainda mais que o rei não impunha limites para suas extravagâncias. Todavia, o que a jovem não estava levando em consideração é que sua imagem tanto dentro do território francês como entre os outros países da Europa, estava sendo duramente criticada e até mesmo vilipendiada por pasquins populares, que vendiam para as pessoas notícias de uma soberana frívola e adepta das mais variadas formas de divertimento.

Se a rainha tivesse tomado cuidado com tais acusações desde o princípio, talvez anos mais tarde não viesse a ser conhecida por todos os rótulos que posteriormente lhe aplicariam. No entanto, pelos idos de 1775, ela estava constantemente preocupada em algo que a tirasse da vida tediosa que levava dentro de Versalhes. Como rainha da moda, ela desejava ser seguida por todos, ser uma referência, e para tanto estava disposta a dispor de toda sorte de artifícios. Com efeito, manter os magníficos poufs em cima da cabeça não era tarefa fácil. Muitas mulheres eram obrigadas a dormirem sentadas, para não desfazerem os penteados. Em muitos casos, eles alcançavam proporções tão gigantescas que as damas tinham que ir ajoelhadas dentro das carruagens, já que seus cabelos não caberiam dentro da estrutura de outra forma. Em algumas casas, portas tiveram de ser aumentadas para que as mulheres pudessem passar com a gigantesca estrutura de seus cabelos. Por consequência disso, um negociante de modas conhecido como Le Sieur Beaulard inventou um dispositivo mecânico que fazia com que o penteado subisse ou abaixasse, conforme a necessidade o impunha, a partir de um simples toque de uma mola.

gravura mostrando criados subindo numa escada para preparar um pouf para a cama (c. 1778).

gravura mostrando criados subindo numa escada para preparar um pouf para a cama (c. 1778).

Mademoiselle Bertin e Monsieur Léonard, por sua vez, lucrariam de forma bastante vantajosa com a afirmação de que trabalhavam para a rainha da França, chegando mesmo a negligenciar alguns clientes mais defasados economicamente, ou a caminhar entre condes e duques se sentido como iguais, apesar de não portarem qualquer título nobiliárquico. Com isso, os próprios membros da nobreza passariam a se ressentir contra Maria Antonieta e seu ministério da moda, que tanto os excluíam da vida particular de sua soberana. Não obstante, para muitos,

“… o problema parecia ter um alcance ainda maior. No desespero cego das senhoras para ser chiques, tinha-se a impressão de que seus valores morais estavam se deteriorando par a par com suas finanças. Segundo Mercier, 1,5 milhão de moças estavam depauperando seus dotes em proveito ‘desses enfeites, essas fitas, essas gazes, esses toucados, essas plumas e chapéus’ que Maria Antonieta pusera em moda…” (WEIR, 2008, pag. 142).

Dessa forma, é possível concluir que a revolução que a rainha da França pretendera causar com o predomínio dos poufs não tivera o resultado por ela esperado. Muito longe de ser seguida por todos, ela passara a ser alvo dos olhares invejosos de pessoas que não tinham recursos para se vestir da forma como ela queria. Não fosse só isso, logo aqueles arranjos cobrariam um custo à sua saúde capilar, ocasionando na perda de alguns fios de seu couro cabeludo. Porém, de um jeito ou de outro, ela encontraria uma forma de se reinventar, lançando novos penteados e roupas que, apesar das críticas, seriam seguidas pelas principais damas da aristocracia.

Referências Bibliográficas:

HASLIP, Joan. Maria Antonieta. Tradução de Eduardo Francisco Alves. – Rio de janeiro: Zahar, 1989.

LEVER, Evelyne. Maria Antonieta: a última rainha da França. Tradução de S. Duarte. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.

WEBER, Caroline. Rainha da Moda: como Maria Antonieta se vestiu para a revolução. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. – Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

6 comentários sobre “Maria Antonieta e a moda do “pouf”, o penteado que podia chegar a 1m de altura!

  1. A mãe de M.Antoinete, deveria ter providenciado uma dama de companhia p/filha, uma senhora mais velha para aconselha-la nos momentos de puro deslumbramentos fúteis.Muito jóvem ela não tinha ninguem para conter o seu desajuizado entusiasmo de juventude.Pobre garota……….

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    • Mary, quando Maria Antonieta casou com Luís XVI, ela deixou de ser arquiduquesa da Áustria para se tornar Delfina da França, de modo que todos os membros de seu séquito deveriam ser franceses. Se a etiqueta de Versalhes oferecesse brechas para que um dama austríaca acompanhasse Antonieta, tenho certeza de que a mãe dela providenciaria uma. Mas como isso não era possível, então a Imperatriz Maria Teresa tinha que se contentar apenas com a intervenção do embaixador Mercy, que não era irrelevante.
      Entretanto, os altos gastos cometidos pela rainha não foram resultado apenas de uma predisposição dela para isso, uma vez que seu próprio marido financiava tais extravagâncias para assim mantê-la com a mente ocupada e, portanto, afastá-la da política 😉

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  2. Parabéns! Muito interessante o texto apresentado nesse site! Tenho tido dificuldade para encontrar bibliografia sobre História do Cabelo. E aqui encontrei uma análise bacana sobre o tema a partir do ponto de vista histórico. Parabéns!!!

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  3. Eu sou profundo curioso da história das monarquias, antigas e atuais, com apreço bastante especial pela monarquia britânica, de longe a mais próspera e sólida monarquia. O tempo em que vive em Londres, minha paixão e interesse pela história do regime de governo desse país ficou ainda mais aguçada, principalmente pela Gloriana Elizabeth I, a rainha virgem. Recentemente li um livro sobre esta rainha: Elizabeth I – O anoitecer de um reinado de Margareth George, bastante envolvente que relata os últimos anos de seu governo.
    Adorei os posts sobre a Rainha Elizabeth I e sua prima Mary Stuart da Escócia e muitos outros que estou lendo sobre este tema aqui no blog. Parabéns pelo trabalho.

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    • Muito obrigado, Victor. Fico bastante feliz que você esteja gostando dos textos publicados aqui no blog. Sugestões sempre são bem-vindas também. Abraço!

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