Um homem para seis esposas: Filme Henry VIII and His Six Wives (1972)

Sabe quando se diz que pouco antes de morrer, a pessoa vê toda a sua vida passar diante de seus pensamentos como um flashback? Imaginem se essa pessoa fosse um rei que já tivesse casado seis vezes? Pois que intrigante narrativa daria não?! E é com base nessa prerrogativa que em 1972 Waris Hussein deu partida em um projeto ousado: o de dirigir um longa-metragem sobre a vida de Henrique VIII e de suas rainhas, exaltando como a trajetória deles desencadeou um dos períodos mais interessantes da história mundial, que se tornou alvo de estudos de diversos pesquisadores, na tentativa de explicar os muitos desvios governamentais das monarquias dinásticas europeias. Seguindo os pormenores de uma minissérie televisiva de 1970, “Henry VIII and His Six Wives” é um dos melhores clássicos já produzidos sobre sete pessoas que, embora distintas, estarão intrinsecamente ligadas por toda a eternidade, permanecendo vivas no imaginário popular.

Em cena Keith Michell, como Henrique VIII, e Frances Cuka, como Catarina de Aragão, se consolam pela perda do filho.

Em cena Keith Michell, como Henrique VIII, e Frances Cuka, como Catarina de Aragão, se consolam pela perda do filho.

A priori, o filme se passa em janeiro de 1547, quando Henrique VIII, já velho obeso e doente, recostava-se em seu leito à espera da inevitável morte. Antes que isso pudesse acontecer, sua consciência o transporta imediatamente para uma fase dourada de sua vida, quando era o “Cavaleiro do Coração Fiel” de sua amada esposa, Catarina de Aragão, e regozijava-se de ter um príncipe que o sucederia ao trono. Para comemorar a chegada do herdeiro, Henrique organizara uma grande justa, seguida por festas na qual ele, bem como outros homens, escondiam em seus trajes peças de ouro, no intuito de que os demais convidados partissem em corrida para consegui-las, acabando por despir os articuladores da brincadeira (o mais interessante nessa dita passagem é que ela se constitui num fato verídico). Até então, tudo parecia bem na vida do jovem casal de reis, quando uma terrível notícia os atinge: seu filho, ainda bebê, morrera e nada mais seria igual na vida deles, nem mesmo o amor que um dia compartilharam…

Assim se encerra um ciclo na vida do rei da Inglaterra, graciosamente vivido por Keith Michell, que, aliás, já o interpretara dois anos antes na série que deu origem ao filme (The six wives of Henry VIII). Como a rainha Catarina, temos a atriz Frances Cuka, incumbida de mostrar ao público o espírito compassivo de seu personagem e integridade, assim como a juventude e a velhice precoce da mesma e, diga-se de passagem, o inglês carregado de sotaque espanhol. Ambos (Keith e Frances) foram brilhantes em seus respectivos desempenhos, pois fizeram despertar no telespectador a vontade de que aquele casamento de contos de fada desse certo e que um novo filho fosse gerado. Entretanto, isso não aconteceria, pois um novo personagem chegara para abalar de vez a já fragilizada relação do casal. Ela tinha longos cabelos negros e lisos, uma tez cor de oliva e se portava como uma soberana. Seu nome era Ana Bolena, uma simples dama da corte, audaciosa o bastante para conquistar o rei e fazê-lo livrar-se de sua esposa.

Detalhe para o figurino de Catarina de Aragão, como prova da excelente recriação das vestes dos personagens.

Detalhe para o figurino de Catarina de Aragão, como prova da excelente recriação das vestes dos personagens.

É bastante fugaz o comportamento de Ana na trama, pois primeiro ela é uma doce e imaculada donzela, e depois uma mulher obcecada e de comportamento mundano, representado principalmente pela cena à qual o espectador vislumbra a intitulada “A Descida do Cardeal Wolsey ao inferno”, onde a segunda esposa dançava como uma odalisca e castigava um homem que representava o clérigo. Ao término da referida apresentação, Ana, já percebendo os sinais da traição de seu marido com uma mulher chamada Jane Seymour, se descontrola e cai na desesperada e histérica gargalhada, chamando, assim, a atenção de toda a corte. Neste último quesito, o filme traça uma característica peculiar do comportamento dela: a inconveniência de suas risadas, que porventura causaram insulto ao embaixador Chapuys, quando este se dirigia oralmente à rainha (historicamente falando, isso não ocorreu com o embaixador espanhol, mas com o da França). Aliado à sua casual euforia faz-se notável a presença de uma sexta unha na mão da soberana e de uma verruga grotesca em seu pescoço, escondidos por luvas e gargantilhas.

Charlotte Rampling no papel da tentadora Ana Bolena.

Charlotte Rampling no papel da tentadora Ana Bolena.

Tal condição física, que acaba de ser exposta acima, provavelmente é o grande erro historiográfico de um filme que em quase todo tempo se apresenta fiel à história original, uma vez que tais aspectos corroboram para a suspeita de que Ana era uma bruxa. A responsável por levar esse contraste de beleza e frivolidade às telas foi Charlotte Rampling (você provavelmente já deve tê-la visto muito mais velha, no papel de Lady Spencer no filme “A Duquesa” – 2008), que é certamente a maior atriz do elenco da produção. Além disso, outro ponto favorável de “Henry VIII and His six Wives” configura-se no figurino dos personagens, que o faz distinguir-se de outros do mesmo gênero, pois as roupas usadas pelo rei e suas seis rainhas são recriações perfeitas dos retratos dos mesmos, embora com uma ou outra variação de cor (o vestido de Ana Bolena, por exemplo, é uma audaciosa réplica daquele usado por ela no seu quadro exposto pela galeria Nacional de Londres. A grande diferença é que o dito vestido, em vez de ser preto, apresenta-se em cores rubras).

Jane Asher, no papel da modesta Jane Seymour.

Jane Asher, no papel da modesta Jane Seymour.

Muito bem, atentemo-nos de volta ao enredo… Com Ana Bolena inevitavelmente caluniada e assassinada, o rei desposa Jane Seymour, uma das mais singelas damas de companhia da ex-rainha. Infelizmente, tanta humildade, que agradara ao rei desde o início, não duraria por muito tempo: Jane morreu após dar à luz o tão esperado filho. Até então três esposas já passaram pela vida do monarca, a última delas foi representada por Jane Asher (a noiva de Paul McCartney, que teve inúmeras canções dos Beatles dedicadas em sua homenagem) que, além de atriz, é escritora e assim como Charlotte, é uma das grandes estrelas do filme, pois soube, com facilidade, transparecer a submissão de Jane Seymour. No entanto, temos que mais uma vez tirar o chapéu para Keith Michell, mostrando como um rei gordo, manco e tirano se comporta para com seus súditos, recusando-se a prestar assistência aos pobres e desafortunados habitantes das capelas destruídas.

Após a cisão com o papado, a Inglaterra presencia o desencadeamento de uma fase sangrenta, marcada pela violenta dissolução dos mosteiros e repúdio de práticas iconoclastas (culto de santos de madeira e imagens – esse é outro fator instigante do filme, já que poucos fizeram a devida menção desse ocorrido, com exceção da segunda temporada da série “The Tudors” – capítulos 5, 6 e 7 – e da terceira). Dois anos depois da morte da terceira esposa, o ministro Cromwell (Donald Pleasence) apresentou a Henrique uma miniatura de uma princesa estrangeira, Ana de Cleves, cuja união marital seria de extrema importância para o país. Com toda certeza, a figura da filha de Cleves, vivida por Jenny Bos, é o retrato mais fiel de todos os personagens, enfatizando-se a inocência de Ana diante dos costumes ingleses e sua falta de domínio da língua de seu futuro esposo. Sem dúvidas, a parte mais cômica do longa-metragem é a cena à qual Henrique e Ana se preparam para a noite de núpcias: enquanto ele espera nada ansioso para deitar-se com sua nova mulher, se depara com várias criadas levando da câmara da rainha roupas e adereços da mesma, que incluíam até uma peruca loira (entre as inúmeras teorias da conspiração acerca da Dinastia Tudor, persiste a suspeita de que os cabelos de Ana de Cleves eram escuros).

Jenny Bos, na pele da rejeitada Ana de Cleves.

Jenny Bos, na pele da rejeitada Ana de Cleves.

Incapaz de consumar o casamento, o rei recorre ao seu amigo, o duque de Norfolk (Michael Gough, o ator mais que ideal para representar a “raposa velha” que era Thomas Howard) para lhe encontrar alguma distração. A procura logo termina na personificação da belíssima Catarina Howard. Jovem e espirituosa, a moça logo alcançou as graças do monarca e tornar-se-ia a nova rainha da Inglaterra. A escolha de Lynne Frederick para interpretar a quinta esposa do rei foi brilhante, uma vez que se acentuou bem a diferença de idade entre ela e seu marido, além do fato de a atriz ser bastante charmosa e se portar como uma jovem cortesã. Entretanto o filme faz muita pouca menção da libido de Catarina, que a levou a trair o rei com seu vassalo, ou assim a maioria acredita. As provas da acusação de adultério foram apresentadas pelo arcebispo Cranmer, adaptado para as telas por Bernard Hepto, que curiosamente, assim como Keith Michell, também atuara na série de 1970. Mas, diferentemente dela, o filme possui uma técnica de filmagem menos cansativa e as cenas avançam correta e cronologicamente, fazendo com que ele seja, de todo, bastante apreciável aos olhos. Após a decepção, o rei decide tomar uma última esposa, alguém para cuidar de sua saúde e de seus filhos. Por trás da sóbria Catarina Parr, esta Barbara Leigh-Hunt que em muito se parece com o modelo original.

a belíssima Lynne Frederick, como Catarina Howard.

a belíssima Lynne Frederick, como Catarina Howard.

Todavia, é necessário dizer que “Henry VIII and His Six Wives” peca por não mostrar o protestantismo religioso da sexta esposa, o que seria bastante interessante se empregado. Em contra partida, o vestuário dos personagens, que como já citado, primou pelo rebuscamento, supriu quaisquer dados que não venham a ser expostos. Nesse caso, o destaque fica para as roupas de Ana de Cleves, o vestido da miniatura que se pensa ser Catarina Howard, e por fim os trajes de Catarina Parr, bastantes fiéis ao único retrato contemporâneo por ela reconhecido, exceto pela cor (em vez do vinho, aparece o verde). A história atinge seu clímax quando Henrique retorna de sua “viajem no tempo” e morre na fé de cristo, só que da mesma forma que em “Henry VIII” (2003), Catarina Parr não estava presente quando do falecimento de seu marido, sendo esse, um erro discordante gerado pelo longa-metragem.

Em cena o idoso Herique VIII com sua sexta esposa, Catarina Parr (Barbara Leigh-Hunt).

Em cena o idoso Herique VIII com sua sexta esposa, Catarina Parr (Barbara Leigh-Hunt).

É dessa forma se finaliza um ótimo filme, com cerca de 125 minutos de duração, mostrando a bizarra carreira marital de um homem tomado pela arrogância e egoísmo, e que foi capaz de inverter a ordem natural das coisas para conseguir o que queria, deslanchando assim, graves consequências na vida de tantas pessoas. Além do mais, “Henry VIII and His six Wives”, embora não sendo um filme muito reconhecido pela crítica especializada, pode ser facilmente assistido por vários públicos, pois não contem cenas de forte apelo sexual ou violência, mas sim o entusiasmo de sete ótimos atores (o rei e suas esposas) desenvolvendo como ninguém a pompa e a sagacidade de seus respectivos papéis, e assim, convidado o espectador a não ser apenas um mero observador dos fatos, mas a reconhecer-se como mais um personagem na obra, seja ele um pobre súdito (como os indivíduos que pedem esmola ao rei depois da destruição dos mosteiros) ou um nobre Tudor que anseia por um lugar de reconhecimento no séquito real. Para tal, basta apenas dar um conferida e se deleitar com mais esse memorável épico!

Renato Drummond Tapioca Neto

Graduando em História – UESC

Confira abaixo uma das cenas do filme com Lynne Frederick e Keith Michell:

Texto publicado originalmente em: O Diário de Ana Bolena

Um comentário sobre “Um homem para seis esposas: Filme Henry VIII and His Six Wives (1972)

  1. Eu lembro de assistir esse filme na Telecine, mas nunca mais encontrei para assistir novamente, nem em youtube, nem em DVD, VHS, em lugar nenhum. Uma pena, pois considero o filme bom, me sinto transportada para aquela época (não sei se são as roupas ou a ambientação). ótima resenha.

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