Por: Renato Drummond Tapioca Neto
No dia 8 de setembro de 2022, a segunda Era Elisabetana chegava ao fim. Nenhum outro período da história inglesa havia durado por tanto tempo. Afinal, foram mais de 70 anos nos quais o Reino Unido teve como figura de proa uma mulher: Elizabeth II. Na ocasião, muitos discursos elogiosos foram feitos em memória da monarca, por diferentes líderes mundiais, chefes de Estado e personalidades famosas. Liz Truss, a 15ª e última Primeira-Ministra de Elizabeth, classificou este ciclo na história britânica como “grandioso”, enquanto os filhos, netos e netas da monarca humanizaram sua figura chamando-a de “mamãe” e “vovó”. Essa imagem de uma soberana devotada ao serviço público e matriarca de uma numerosa família, porém, convive com outra bem menos atrativa: a de Elizabeth enquanto símbolo imperialista. É inegável que, quando ela ascendeu ao trono em 1952, período marcado pelo pós-guerra e por uma enorme recessão econômica, o Reino Unido ainda era uma potência que vivia dos vestígios de seu passado neocolonialista, explorando países que ainda estavam em situação de dominação. De muitas formas, o governo usou a Coroa para manter esses países sob seu protetorado. Nesse sentido, a figura de Elizabeth II era tanto a cola que mantinha tal sistema unido, quanto a ferramenta utilizada para garantir a autonomia desses países sob os termos do parlamentarismo britânico, nas últimas décadas do século XX.

A rainha pelo pincel colonizador. Tela da artista inglesa Edith Grace Wheatley, finalizada em 1959. Representa a rainha envolta nos trajes imperiais da coroação, cercada de elementos alegóricos, como natureza exuberante e pessoas negras retratadas de forma exótica. A tela foi usada como selo postal em Uganda, antiga colônia britânica.
A passagem da soberana reacendeu antigas feridas concernentes à brutalidade com que o governo britânico tratou os povos colonizados na África. Embora Elizabeth II tenha ido ao continente várias vezes, se encontrado com líderes de vários países, especialmente Nelson Mandela, de quem era amiga, nunca houve um pedido formal de desculpas por parte dela com relação à dívida histórica que o Reino Unido deixou na história africana. Nações e reinos cuja formação remontava há séculos foram desmantelados, seus povos dominados e culturas milenares, baseadas na tradição oral, se perderam para sempre. Enquanto isso, os tesouros encontrados na Índia e na região que ia do Cairo, capital do Egito, ao Cabo, capital da África do Sul, foram enviados para Londres, onde passaram a fazer parte do acervo de Museus. Já as pedras preciosas, hoje se encontram engastadas nas joias da coroa. Tanto, que quando o Primeiro-Ministro, Lorde Disraeli, conseguiu para a rainha Vitória, trisavó de Elizabeth, o título de Imperatriz da Índia, em 1876, ela ficou muito contente ao mostrar para seus embaixadores as riquezas que ela havia recebido das colônias. Membros das gerações africanas que nasceram no período pós-colonial, porém, vêm exigindo a repatriação desses tesouros, assim como uma retratação pública por parte do rei Charles III.
A questão, por si, é bastante delicada, especialmente quando analisamos os poderes representativos de Elizabeth II. Num sistema como o da monarquia britânica, o soberano não deve emitir opiniões que contrariem os desejos dos parlamentares. Mas, na qualidade de chefe de Estado, recaía sobre ela todas as falhas do governo formado em seu nome A rainha pairava assim como uma figura de proa para a nação britânica, tal como eram seus antecessores. No seu perfil no Instagram, a historiadora e antropóloga Lília Schwarcz fez uma ponderação muito sensata, na contramão dos discursos enaltecedores da memória da soberana:
A mais longeva monarca britânica, Elizabeth II, faleceu aos 96 anos nesta quinta-feira (8 de setembro) no Palácio da realeza da Escócia. O príncipe Charles, de 73 anos, é o próximo herdeiro do trono e deve ser coroado em breve. Elizabeth II assumiu seu lugar de rainha em 1952, quando, a despeito da hegemonia dos Estados Unidos como principal potência mundial, os britânicos ainda guardavam sua formação, como um vasto império colonial, intacta. Na época da sua coroação, faziam parte das colônias britânicas países como Uganda, Quênia, Kuwait, Nigéria e Bahamas. Mas o que a monarquia sempre fez de melhor é seu próprio marketing político, buscando retratar-se sempre em situações glamorosas: casamentos, rituais civis e religiosos, desfiles, todos amplamente divulgados. Elizabeth acabou sendo muito feliz na divulgação de sua imagem — como mulher ativa, comprometida, esposa e mãe — dissimulando as ambiguidades pessoas e públicas de seu reinado. Um bom exemplo é a guerra de Suez em 1957. Junto com Israel e França, a Inglaterra invadiu o Egito, mas a conta foi para o primeiro-ministro britânico — como se a rainha pairasse acima do mundo “cruel” da humanidade. Além do mais, se publicamente era sempre vista esbanjando gentileza para com os súditos, pouco se mencionava sobre a política colonial que então começava a fazer água. A rainha era assim figura central na elevação desse imaginário que simbolizava o próprio vigor do império britânico, silenciando sobre violências, rupturas e conflitos. Esse era um jogo diplomático complexo que envolvia o uso da família real e de seu esplendor, como uma espécie de cartão postal irretocável. E o movimento deve se repetir agora também. A despeito da inflação no Reino Unido ter atingido em julho deste ano a maior marca em 40 anos, e a recém-empossada nova primeira-ministra, Liz Truss, assumir seu o cargo pressionada pelo aumento do custo de vida, todas as atenções devem se voltar para o tema da sucessão e para o fascínio das cerimônias que se seguirão. Pena que não se façam mais princesas e príncipes como antigamente ou nos contos de fada. Os reais são bem mais falíveis.
Nestes locais, a ferida do imperialismo ainda é muito recente, especialmente devido à situação de subdesenvolvimento deixada pela antiga metrópole. Basta lembrarmos dos movimentos nacionalistas que derrubaram de seus respectivos pedestais estátuas, tanto da rainha Vitória, quanto da sua trineta. Embora nem uma nem outra governassem de fato, elas foram beneficiadas por um sistema que explorou povos nos quatro cantos do globo. É fato que a rainha Elizabeth II nunca proferiu qualquer discurso de ódio e de incitação à violência. Mas, se por um lado ela sempre transparecia gentileza, cordialidade e tranquilidade para o resto do mundo, por outro se calava a respeito das políticas expansionistas de seus primeiros-ministros, como quando Antony Eden invadiu o Egito ao lado da França e de Israel em 1957, ou quando Margaret Thatcher liderou uma guerra contra a Argentina pela posse das Ilhas Malvinas em 1982. Em todos esses eventos, a figura carismática da rainha foi usada como maquiagem para esconder a invasão e tomada de territórios pelo governo formado em seu nome. Esse era um jogo muito complexo, no qual ela se via numa posição bastante complicada, uma vez que, na qualidade de chefe de Estado, ela simplesmente não podia se manifestar publicamente contra as medidas tomadas pelo governo, embora tivesse conhecimento de todas elas.

A então princesa Elizabeth, no seu primeiro discurso transmitido como herdeira presuntiva do trono, por ocasião do seu aniversário de 21 anos. No texto da mensagem, gravada enquanto a família real estava em turnê pela África do Sul, a princesa usava o conceito de “família imperial”, para descrever a junção das antigas colônias sob liderança do Reino Unido e da monarquia. (imagem: Domínio Público).
A história da monarquia britânica com a expansão de novos territórios e escravização dos povos dominados remonta ao século XVI, no reinado da primeira Elizabeth. A chamada “rainha virgem” havia concedido cartas régias ao famoso navegador e corsário John Hawkins, um dos primeiros ingleses a lucrar com o tráfico de sujeitos escravizados. Poucos anos antes de falecer, em 24 de março de 1603, a monarca também havia concedido esse instrumento de incorporação à Companhia Britânica das Índias Orientais. Sob o reinados de seus sucessores, os Stuart, a realeza se beneficiou ainda mais com comércio de escravos. O rei Charles II recebeu de Portugal ao territórios de Tânger, no norte do Marrocos, e Bombaim, na Índia, como dote pelo seu casamento com D. Catarina de Bragança. O soberano também fundou a Royal African Company, em 1660, que explorava riquezas minerais na Costa do Ouro e transportava africanos escravizados para a região de Barbados. A empresa era liderada pelo irmão do rei, James, duque de York, que acabaria sucedendo Charles como soberano. Muitas das pessoas traficadas eram marcadas com ferro em brasa contendo as iniciais “DY” (Duke of York), para indicar que eram propriedade de James. A partir daí, o império britânico começaria a se expandir.
Entre os anos de 1756 e 1763, durante o reinado de George III, aconteceu a guerra dos sete anos, envolvendo o Reino Unido e a França, duas das maiores potências coloniais da época. A disputa por territórios na América do Norte arrastou quase toda a Europa para o conflito. Ao final, o Reino Unido se saiu vitorioso, consolidando sua posição na Índia depois de vencer a Batalha de Plassey, e conquistando dos franceses a região do atual Canadá. Já no tempo em que Vitória era rainha, o império Britânico se estendia por mais de 20 milhões de quilômetros quadrados. Nesse cenário, a importância internacional da monarca derivava diretamente da dominação sobre territórios e povos não brancos. Mesmo a escravidão tendo sido oficialmente abolida pelo Parlamento em 1833, teorias racistas, como o darwinismo social, procuravam justificar a supremacia branca sobre os conquistados. Assim, os britânicos se imbuíram da chamada missão civilizatória, levando sua ideia de progresso, desenvolvimento e civilização para regiões que eles consideravam como inferiores. A rainha foi assimilada como um símbolo desse processo, através da ampla circulação de selos e moedas contendo sua efígie. O God Save The Queen foi imposto como hino em cada colônia e governadores-gerais foram designados para administrar os novos territórios em nome da Coroa.

A Rainha Elizabeth II inspeciona homens do recém-renomeado Regimento da Nigéria da Rainha, Força Real da Fronteira da África Ocidental, no Aeroporto de Kaduna, Nigéria, durante sua turnê pela Commonwealth, em 2 de fevereiro de 1956 (Fotos da Fox / Arquivo Hulton / Getty Images).
No final do século XIX e início do século XX, o imperialismo britânico estava diretamente associado ao capital financeiro, contemplando um conjunto de práticas e teorias elaboradas pelo centro metropolitano para exercer seu controle sobre territórios distantes. Essas práticas incluíam não só a conversão religiosa e o ensino do idioma, como também a aceitação de um código de leis e o governo de representantes da rainha. Mesmo o processo de descolonização desses territórios, quando o poder da metrópole enfraqueceu depois da Segunda Guerra Mundial, foi tutelado pela Coroa, como forma de garantir sua influência sobre as novas nações independentes. Em 1947, durante visita da família real à África do Sul, a então princesa Elizabeth fez seu primeiro discurso como herdeira presuntiva do trono, no qual ressaltava que dedicaria sua vida e serviço à “nossa grande família imperial, da qual todos pertencemos”. Ora, a noção de “família imperial”, impregnada de ideologias colonialistas e de supremacia branca, só reforçava o papel central da monarquia na nova comunidade britânica de nações, que então se formava. Em 1949, por meio da Declaração de Londres, surgiu a Commonwealth of Nations, organização que aglutinava 52 estados que haviam sido colônias do Reino Unido. Um claro resquício das origens imperialistas do bloco.
Com efeito, o rei George VI foi o último monarca britânico a usar o título de imperador da Índia e o primeiro a liderar da Commonwealth, posição que foi herdada por sua filha, Elizabeth II, em 1952. Quando ascendeu ao trono, a monarca de 25 anos tinha em suas mãos um império em desintegração. Mas, como o papel da monarquia sempre foi o de representar, a cerimônia de coroação de Elizabeth deveria mostrar a face mais luzente da moeda. Todos os membros da Commonwealth estavam ali presentes, desfilando no cortejo que saiu do Palácio de Buckingham até a Abadia de Westminster. O próprio vestido usado pela soberana, desenhado pelo estilista Norman Hartnell, trazia bordado os emblemas nacionais dos países sobre os quais ela ainda reinava. Segundo o historiador Eric Hobsbawm:
Os jubileus, funerais e coroações reais britânicos eram ainda mais impressionantes porque, como os antigos triunfos romanos, exibiam marajás submissos com vestimentas preciosas – livremente leais e não cativos. As paradas militares tornavam-se ainda mais coloridas para incluir sikhs enturbantados, rajputs bigodudos, gurkas sorridentes e implacáveis, cavalarianos argelinos e altos senegaleses negros: o mundo que era considerado barbárie a serviço da civilização (2014, p. 115).
Após a coroação, a rainha partiu em turnê real pela África do Sul, Austrália e Nova Zelândia. Quando ela e o príncipe Philip passeavam entre a multidão reunida na cidade do Cabo, era notório o efeito das políticas segregacionistas do apartheid, com a população negra de um lado, separada por arame farpado da população branca, do outro. Elizabeth acenava com o braço estendido em pose quase estática, sorrindo para ambos os lados, como se fosse o único elo que dava sustentação àquela sociedade desigual.

A rainha Elizabeth II a caminho de Kumasi Durbah com Kwame Nkrumah, presidente de Gana, durante sua viagem a Gana, em novembro de 1961 (Arquivo Keystone / Hulton / Getty Images).
Por outro lado, não me refiro aqui às opiniões pessoais da monarca. Embora tenha sido beneficiada pelo imperialismo britânico e, de muitas formas, o representasse, existem evidências de que a rainha era contra as políticas de segregação racial nas antigas colônias. Um exemplo disso são as divergências da soberana em relação ao governo thatcherista, que se colocou contra as sanções pelo fim do apartheid. Talvez essa tenha sido uma das poucas ocasiões em que as diferenças de opiniões entre a monarca e seu primeiro-ministro tenham chegado ao conhecimento público. Segundo os dispositivos constitucionais que regem a conduta do soberano, definidos pelo jornalista e economista Walter Bagehot no século XIX, caberia à rainha papel de ser consultada, de aconselhar e de advertir. Mas, principalmente, o de apoiar as decisões do chefe de governo, independentemente de partidarismo. Para Elizabeth, Partido Conservador e Partido Trabalhista representavam apenas uma classe: a dos políticos, enquanto ela era a Coroa. Sobre isso, a Constituição Britânica tinha duas partes distintas: a eficiente e a dignificante. A monarquia, nesse caso, ficaria com a segunda delas. O regime deveria atuar como um símbolo de continuidade e permanência em tempos de mudança, garantindo a unidade nacional sob o cetro do monarca.
Contudo, em vida, a rainha desenvolveu uma ótima relação de amizade com lideranças negras como Kwame Nkrumah, ex-presidente de Gana, e Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul e uma dos principais expoentes na luta contra o apartheid. Os dois costumavam se tratar pelo primeiro nome, com Nelson se referindo à rainha como “minha querida amiga, Elizabeth”. Em 1995, a monarca fez um emocionante discurso para a juventude sul-africana, incentivando-a a reconstruir sua nação. A visita da rainha, porém, estava ligada ao fortalecimento das relações da antiga metrópole com a antiga colônia. O legado de segregação racial deixado pelo Reino Unido na África pode ser sentido até os dias atuais. Durante o reinado de Elizabeth, cerca de 20 estados conquistaram sua independência e esse processo nem sempre foi pacífico. Um exemplo disso foi o levante popular no Quênia, iniciado no ano de 1952 (mesmo ano e local onde Elizabeth estava quando recebeu a notícia de sua ascensão ao trono), denominado movimento de Mau Mau. Comandado pelo grupo étnico kikuyu, eles pretendiam a libertação de seu país do colonizador europeu. O conflito culminou com cerca de 100 mil mortos do lado africano e 320 mil prisioneiros, entre civis e rebeldes. Milhares de prisioneiros foram torturados e mais de mil executados. Casos semelhantes ocorreram em Gana, Lesoto, Rodésia do Sul e Zâmbia.

Ao longo de seu reinado, a rainha Elizabeth II desenvolveu uma ótima relação com Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul e uma das principais lideranças na luta pelo fim do apartheid (Imagem via BBC).
A crise do canal de Suez, no Egito, havia provado a ineficiência das antigas metrópoles de manterem seu poderio sobre as antigas colônias. Uganda, Kuwait, Nigéria e Bahamas também declararam sua independência, embora mantivessem seus laços com o Reino Unido por meio da Commonwealth. As maiores colônias britânicas no Caribe também se emanciparam na década de 1960. Nesse mesmo período, movimentos nacionalistas explodiram no Canadá, na Austrália e na Nova Zelândia, buscando o fim da monarquia e a proclamação de governos republicanos. Quando as tensões chegaram a tal ponto que ameaçavam a estabilidade da Casa Real, a rainha e os membros de sua família eram enviados pessoalmente aos países, para tentar apaziguar os ânimos. Em 1964, Elizabeth e o príncipe Philip foram recebidos de costas por um grupo de canadenses em Quebec. Em 1983, o Palácio usou a estrela em ascensão da princesa Diana para conter movimentos separatistas na Austrália. Em 1999, 55% dos australianos preferiram manter a rainha em vez de proclamar a república. Talvez a grande vitória de Elizabeth nesse sentido tenha sido garantir os resquícios da ascensão colonial sobre governos independentes, quando a ideia de se manter uma família real, cercada de títulos e de privilégios de nascimento, parecia cada vez mais obsoleta.
Para além disso, há ainda a questão das joias reais, exibidas com grande pompa em banquetes de Estado e outros eventos da monarquia. Tanto na coroação do rei Charles III quanto na de sua mãe, setenta anos antes, foram exibidos os magníficos diamantes Cullinan, cuja pedra bruta foi encontrada numa mina na região do Transvaal, na África do Sul, e dada ao rei Edward VII (bisavô de Elizabeth). Ou o diamante indiano koh-i-noor. Existe uma polêmica enorme por trás da repatriação dessas pedras, frutos de colonização e extraídas, portanto, de forma imoral. Isso sem falar na coroa de Imperador da Índia, usada pelo rei George V em 1911. Embora o soberano não tenha poder constitucional para devolver essas pedras, existe uma confusão a respeito de quais são as joias de Estado e as joias pessoais do monarca. Quando se casou com o príncipe Philip, por exemplo, Elizabeth recebeu de seu pai um belíssimo conjunto de safiras do Ceilão. Outras pedras preciosas também foram oferecidas pelo antigo Estado da Birmânia. Isso sem mencionar nas magníficas peças que a rainha herdou de sua avó, Mary de Teck. Possivelmente, os Cofres Reais contemplam a maior coleção de joias do mundo, a maior parte delas montadas a partir de pedras encontradas nas antigas colônias britânicas. O uso de joias oriundas do passado imperial britânico só reforçava a imagem da rainha como símbolo do imperialismo.

Diamantes extraídos da África adornam as joias da Coroa britânica, como as pedras lapidadas a partir do Cullinan, maior diamante bruto já encontrado.
Não obstante, os palácios nos quais Elizabeth cresceu ou frequentou, como Kensington e Hampton Court, foram construídos ou reformados com a ajuda de recursos oriundos do tráfico de sujeitos escravizados pela Royal African Company, especialmente no reinado de William III. Os corredores do Palácio de Buckingham, do castelo de Windsor e de Balmoral, na Escócia, onde a rainha faleceu, também estão repletos de tesouros extraídos da África e da Ásia. Por ocasião de sua morte, em setembro de 2022, o God Save The Queen ainda era o hino oficial de países como Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Santa Lúcia, Jamaica, Tuvalu e Granada. O rosto da monarca ainda se encontrava emoldurado em edifícios públicos, estampado em selos e cunhado em moedas. Até mesmo bonecas colecionáveis da rainha, nas linhas Funko e Barbie, foram comercializadas no mundo todo, reforçando o marketing político da realeza. O uso contínuo de símbolos como esses instilam valores britânicos de submissão à antiga autoridade colonial. Embora tenha ressurgido na terceira idade como a figura da avó, com lenço na cabeça e xale sobre os ombros, o corpo político da soberana era essencialmente imperialista. Hoje, o atual rei Charles III se apega a todos os signos do reinado passado, na esperança de manter um pouco do lustre empoeirado de quando o Reino Unido controlava cerca de 1/6 do mundo.
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