O crepúsculo dos Romanov: o último grande baile da Rússia imperial!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Em 1917, com a queda da monarquia na Rússia, desaparecia também uma era de luxo e requinte, imortalizada por Liev Tolstói em romances como Anna Karenina e marcada por uma roda-viva de banquetes, concertos, balés, óperas e festas particulares, oferecidas por nobres em seus belos palácios. Devido à crise econômica que assolava o país, o czar Nicolau II havia parado de oferecer à aristocracia os tradicionais bailes no Palácio de Inverno, em São Petersburgo. O último deles aconteceu no ano de 1903, entre os dias 11 e 13 de fevereiro. Sob ordens de Suas Majestades, todos os convidados foram vestidos em trajes russos do século XVII. Para registrar o evento, a czarina Alexandra Feodorovna convocou os melhores fotógrafos da região. Sozinhos ou em grupo, os participantes posaram para as lentes de Boasson e Egler, Alexander Renz e Schroeder, Levitsky V.Yasvoin, D.Zdobnov, entre outros. Confira abaixo uma seleção das principais imagens que caracterizaram o evento, conhecido nos anais da história russa como “O Baile de 1903”.

Convidados do baile a fantasia, oferecido pelo czar e pela czarina, no Teatro Hermitage, em 1903. No centro da imagem, podemos ver Nicolau e Alexandra.

Um baile imperial deveria começar às 20:30 em ponto. O grão-mestre de cerimônias aparecia e com o seu bastão de ébano, decorado com a águia de duas cabeças, símbolo do czar, dava três fortes batidas no chão, anunciando a entrada de “Suas Majestades Imperiais”. Todos os convidados então faziam silêncio, à espera do czar e da czarina. Quando o casal de monarcas cruzava as grandes portas de mogno enfeitadas com ouro, uma multidão de cortesãos corriam em sua direção para prestar reverência aos soberanos. Essa tradição remontava desde os tempos de Pedro, aoGrande, e foi mantida por seus sucessores ao longo dos anos, até que as péssimas circunstâncias financeiras do país obrigaram Nicolau a interromper esse costume secular.

Destalhes do vestido que a grã-duquesa Xenia Alexandrovna, irmã do czar Nicolau, usou no baile.

Para a ocasião, Nicolau e Alexandra foram bastante incisivos na escolha do tema e de como os convidados deveriam se vestir. Não importava se as roupas fossem costuradas com o máximo de precisão histórica. Elas deveriam ser “autênticas”, ou seja, originais do século XVII. Assim, os convidados alugaram peças em vários museus espalhados pela Rússia, como o Kremlin, especialmente para o evento. “Sim, eu gostaria de pedir emprestada a Tiara de Esmeralda de Angoulême”, escreveu a grã-duquesa Xenia Alexandrovna ao Louvre, em Paris. A irmã mais nova do czar usou um vestido ricamente bordado com pérolas artificiais. A peça pertencia ao Museu Estadual de Etnografia, mas em 1941 passou para a coleção do Hermitage. O Laboratório de Restauração Científica de Tecidos da instituição trabalhou no vestido e desde 2002 se encontra exposto. Ele é feito de seda branca, guarnecida com veludo também branco e bordado a fios de ouro.

Da esquerda para a direita, de cima para baixo: Barão Theophil Mejendorf, grã-duquesa Elizabeth Feodorovna (irmã de Alix), condessa Alexandra Tolstaya, czar Nicolau II, czarina Alexandra Feodorovna, princesa Maria Galitzina.

Da esquerda para a direita, de cima para baixo: princesa Elizabeth Obolenskaya, princesa Olympiada Baryatinskaya, Anna Istomina, Sophia Evreinova, Nadezhda Novosiltseva, condessa Varvara Musina Pushkina.

Os dois dias de baile foram oferecidos por ocasião do aniversário de 290 anos desde que os Romanov ascenderam ao poder. O czar foi vestido com um traje original pertencente a Alexei Mikhailovich, segundo czar da Dinastia, que governou a Rússia de 1645 a 1676. Já Alexandra, usou um traje que pertenceu à primeira esposa de Alexei, imperatriz Maria Ilinichna. O brocado do vestido era decorado com cetim prata e pérolas, encimadas por um grande diamante. Na cabeça, a czarina usava uma coroa cravejada de esmeraldas. Todas as suas joias foram escolhidas pelo joalheiro da corte, Carl Fabergé. Atualmente, o conjunto das peças usadas por Alexandra equivaleria a 10 milhões de euros!  Nunca no reinado de Nicolau II se veria outra celebração tão opulenta como essa, nem mesmo na comemoração dos 300 anos de governo, em 1913.

Nicolau e Alexnadra, como czar Alexei Mikhailovich e czarina Maria Ilinichna. Ao lado, o vestido usado por Alix.

Nicolau e Alexnadra, como czar Alexei Mikhailovich e czarina Maria Ilinichna. Ao lado, o vestido usado por Alix.

Segundo o biógrafo de Nicolau e Alexandra, Robert K. Massie: “o Palácio de Inverno tinha um sucessão de galerias gigantescas, cada uma tão grande e alta quanto uma catedral. Grandes colunas de jaspe, mármore e malaquita sustentavam os altos tetos ornados de dourado, de onde pendiam imensos candelabros de ouro e cristal. Lá fora, no frio imenso das noites de janeiro, os três blocos que compunham o Palácio de Inverno ficavam profusamente iluminados. Um infindável cortejo de carruagens ia chegando, trazendo passageiros, que deixavam com serviçais seus mantos e casacos de pele, antes de subir as largas escadarias de mármore, cobertas com grossos tapetes vermelhos. Ao longo das paredes, buquês de orquídeas e vasos de palmeiras emolduravam imensos espelhos, nos quais dezenas de pessoas podiam se mirar e se admirar ao mesmo tempo. Nos corredores, a intervalos regulares, soldados da Chevaliers Gardes, de farda branca com armadura prateada cobrindo o peito e águia de prata no elmo, e cossacos em túnica escarlate montavam guarda, rígidos, em posição de sentido” (2014, p. 29).

Tradicionalmente, cerca de 3.000 pessoas eram convidadas para os bailes imperiais, incluindo os “oficiais da corte, trajando uniforme preto com rendas de ouro, generais com peito curvado ao peso de medalhas das guerras turcas e jovens oficiais hussardos em uniforme de gala, com calças de pele de alce tão apertadas que era preciso dois soldados para ajudar a enfiá-las. Num grande salão de baile, a paixão das russas por joias era ostentada em cada cabeça, pescoço, orelha, pulso, dedo e cintura” (MASSIE, 2014, p. 29).

Da esquerda para a direita: príncipe Konstantin Gorchakov, Nicolau II e o grão-duque Sergei Alexandrovich

Da esquerda para a direita: príncipe Konstantin Gorchakov, Nicolau II e o grão-duque Sergei Alexandrovich.

Foram dois dias de muita festa, dança e banquetes. Depois do jantar, oferecido em três salões do Hermitage (espanhol, italiano e flamengo), Suas Majestades e os convidados se dirigiram para o Pavilhão, onde passaram toda a noite do primeiro dia dançando. No segundo dia, houve o baile de máscaras. Contudo, o ponto central do evento foi o concerto no teatro do Hermitage, com cenas da ópera de Modest Mussorgsky, “Boris Godunov” (os papeis principais foram interpretados por Feodor Chaliapin e Nina Figner). As cerca de 2000 fotos tiradas pelos fotógrafos contratados pela imperatriz foram usadas na confecção de álbuns destinados a serem vendidos como souvenir. O lucro das vendas, por sua vez, foram vertidos em obras de caridade. A primeira edição foi publicada em 1904. Atualmente, poucas delas sobrevivem, espalhadas por museus.

Baralho criado inspirado nas roupas usadas pelo grão-duque Mikhail Alexandrovich, grão-duque Andrei Vladimirovich, grã-duquesa Elizabeth Feodorovna e a grã-duquesa Xenia Alexandrovna.

Com a guerra russo-japonesa de 1904 e a primeira Revolução, em 1905, a era dos grandes bailes imperiais chegava ao fim. Mas as memórias do último grande baile não desapareceram, nem mesmo durante o período soviete. Em 1913, em honra do aniversário de 300 anos da Dinastia Romanov, uma edição de baralho foi especialmente encomendada, contendo ilustrações criadas a partir dos trajes dos convidados. Essas cartas continuaram a ser jogadas muitos anos depois, por vários sovietes que, sem saber, estavam segurando nas mãos as lembranças do evento. Em 2003, cem anos depois, uma edição especial em 2 volumes dos álbuns de fotos foi publicada pela editora “Russky Antiquariat”. Hoje, o conjunto dessas fotografias são um testemunho do esplendor da Rússia imperial.

Fontes:

Russia Beyond The Headlines, Tiaras and Trianon  – Acesso em 24 de maio de 2016. 

Bibliografia Consultada:

MASSIE, Robert K. Nicolau e Alexandra: o relato clássico da queda da Dinastia Romanov. Tradução de Angela Lobo de Andrade. – Rio de Janeiro: Rocco, 2014.

12 comentários sobre “O crepúsculo dos Romanov: o último grande baile da Rússia imperial!

  1. Simplesmente adorei. Muito bem documentado. Só tenho uma curiosidade que ainda não consegui satisfazer em nenhuma pesquisa.
    Alguém faz alguma ideia de quais foram as músicas tocadas no baile? Pelo menos algumas delas?

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    • Fim justo para uma dinastia que fechou seus olhos para a condição social de seu povo…desfecho esperado e merecido…..

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  2. Todas as monarquias que não passáram o poder a tempo para as mãos do pôvo, tornáram-se com razão e consequencia da má e injusta governação, alvo da sua fúria e desapareceram. Na natureza está tudo equilibrado e quando alguma coisa se desequilibra ela volta a equilibrá-la. No fundo o ser humano tambem funciona assim tambem quer tudo equilibrado, mas tambem como na natureza há sempre factores desiquilibradores; A ganancia pelo dinheiro e pelo Poder. Algumas mornarquias ente outras, assim como a Russa e a francesa foram um mau exemplo disso. Por um lado viver á grande e á francesa por outro deixar inumeras vidas a viver na miséria e a passar fome. Evidentemente que as coisas não podiam acabar bem. A revolução voltou a equilibrar o que estáva desequilibrado. O pôvo tem sempre razão e nunca age de má fé contra si e contra a Nação.

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    • Discordo. Tanto a revolução francesa como a russa foram terríveis. Os revolucionários exterminaram seus próprios povos, com muita crueldade.

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  3. Baile de 1903, comemoração dos 200 ano da ascensão dos Romanov ao poder. Dois dias de festas, danças e muitos banquetes. As joias exibidas são de alto valor artístico e não representavam ostentação por quem as portasse, tanto mulheres, quanto homens.

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  4. Gostei muito do conteúdo e as fotos. Visitei São Petsburgo,magnífica cidade , e Moscou. Li também um livro sobre todos os Romanovs. Talvez os sucessivos casamentos entre parentes tenha debilitado muitos dos Tzares. Inegavelmente tivemos Pedro,o”Grande” e Catarina a “Grande” como os maiores reis da Russia.

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