A polêmica filha da rainha Maria da Romênia: Helena, arquiduquesa da Áustria!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Geralmente, atribui-se à rainha Vitória o título de “avó da Europa”, uma vez que seus descendentes se espalharam por nove famílias reais do continente europeu, graças aos chamados casamentos dinásticos. Cinco de suas netas se tornaram rainha consortes, como Maria de Saxe-Coburgo-Gota, dada em matrimônio ao herdeiro do trono romeno, o príncipe Fernando. Dessa união, nasceram três filhas: Isabel, rainha da Grécia; Maria, rainha da Iugoslávia; e Helena, arquiduesa do decadente império austríaco. Nascida em 5 de janeiro de 1909, a princesa Helena (ou Ileana) herdou muito da impetuosidade pela qual tanto sua bisavó, quanto sua mãe ficaram conhecidas. A criança veio ao mundo oito anos após da morte da soberana que emprestou seu nome a uma Era e que moldou a face da realeza antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial. Não obstante, Helena tinha antepassados ilustres: ela descendia, por via paterna, do casal de primeiros imperadores do Brasil, Pedro I e Leopoldina, através da rainha Maria II de Portugal (avó do rei Fernando I da Romênia). Já por via materna, além de ser bisneta da rainha Vitória, também tinha fortes doses de sangue russo, já que o czar Alexandre II era avô da rainha Maria. Porém, seu berço esplêndido e sua beldade não se resumiam apenas a uma ilustre árvore genealógica, que a credenciava como ótimo partido. Ela também se destacou por meio de seu trabalho social, em benefício de pessoas em situação de carência.

A vida de Helena, desde cedo, porém, foi cercada por rumores. Algumas más línguas da corte do Palácio Cotroceni, em Bucareste (sede da monarquia romena), argumentavam que ela não era filha legítima do rei Fernando I, e sim do amante da rainha Maria, o príncipe Barbu Ştirbey. Era um costume em casamentos dinásticos, como o de Maria e Fernando, a manutenção de casos extraconjugais. Geralmente, depois de gerar um herdeiro um suplente para o trono, tolerava-se que princesa consorte mantivesse uma ligação amorosa, desde que o relacionamento não chegasse ao conhecimento público. Como os boatos em torno da rainha e de Ştirbey ameaçaram manchar a legitimidade ao trono dos filhos da soberana, o rei precisou tomar uma atitude imediata. Para calar as fofocas e salvar a reputação de sua esposa (bem como a própria) Fernando I da Romênia assumiu a paternidade de Helena, sem quaisquer questionamentos. Considerado por muitos como uma monarca fraco, dizia-se que a rainha Maria era o elemento dominante na dinâmica do casal e a verdadeira voz por trás do trono. Dessa forma, Helena se tornou a mais nova de quatro irmãos, incluindo a princesa Isabel, futura rainha da Grécia, e a princesa Maria, futura rainha da Iugoslávia. As três meninas costumavam visitar suas primas russas, as arquiduquesas Olga, Tatiana, Maria e Anastásia Romanov.

Fotografia do czarevich Alexei Nikolaevich com sua prima, a princesa Ileana da Romênia (futura arquiduquesa da Áustria), tirada em 1914 à bordo do iate da família imperial russa, o Standart. A mãe de Ileana, a rainha Maria da Romênia, era prima em primeiro grau tanto do czar Nicolau II (sobrinho de sua mãe, Maria Alexandrovna), quanto da czarina Alexandra (sobrinha de seu pai, Alfred de Saxe-Coburgo-Gota).

Com efeito, Helena tinha aproximadamente a mesma idade de Alexei, herdeiro do trono russo, nascido em 1904. Existe uma fotografia do czarevich com sua prima, tirada em 1914 à bordo do iate da família imperial russa, o Standart. Aquele momento representava a calmaria antes da tempestade. A mãe de Helena era prima em primeiro grau tanto do czar Nicolau II (sobrinho de sua mãe, Maria Alexandrovna), quanto da czarina Alexandra (nascida Alix de Hesse, sobrinha de seu pai, Alfred de Saxe-Coburgo-Gota). Assim que a Primeira Guerra Mundial estourou e os Romanov perderam o trono, a rainha Maria culpou veementemente a prima em suas Memórias, devido à devoção quase cega que ela tinha por Rasputin. Poucos dentro da família real romena sabiam que o mujique estava ali para tratar da hemofilia de Alexei (um segredo que era escondido por Nicolau e Alexandra a sete chaves). Durante os tumultuosos anos de 1914 e 1918, Maria e Alexandra, cada uma a seu modo, participaram da guerra servindo como enfermeiras de soldados feridos, levando suas próprias filhas para hospitais de campanha. As cenas que a pequena Helena e suas irmãs testemunharam diante daquele cenário caótico causaram bastante impacto nas suas ações futuras. Infelizmente, suas primas russas tiveram um destino funesto, tendo sido assassinadas juntamente com o czar, a czarina e o czarevich em na madrugada de 17 de julho de 1918.

Embora o rei Fernando e a rainha Maria quase também tenham perdido o trono em 1918, a obstinação da soberana aliada à vitória dos aliados sobre a Tríplice Entente, conseguiu mantê-los no poder por mais alguns anos. Quanto à princesa Helena, apesar de crescer sobre o signo de uma possível bastardia, tal como seu irmão Mircea (último filho da rainha Maria, que acreditavam ser fruto da relação com seu possível amante), isso em nada abalou a educação da jovem, que recebeu uma formação igual à de outras damas de seu status. Assim, Helena aprendeu todos os predicados que se esperava de uma mulher da realeza: o estudo de idiomas, os trabalhos domésticos (as chamadas prendas do “sexo feminino”), a diplomacia e a filantropia. Antes de seu casamento com o arquiduque Antônio da Áustria, por exemplo, ela foi chefe das Escoteiras do Girl Guide Movement da Romênia (organização que existe até hoje), prestando auxílio junto a pessoas em situação de carência. Tal programa visava prepará-la para seu papel dentro do jogo de alianças matrimoniais que então eram tecidas pela rainha Maria, que primeiro casou sua filha Isabel com o herdeiro do trono grego, enquanto a filha do meio foi dada em matrimônio ao rei da Iugoslávia. Já Helena, deveria concluir sua formação até atingir uma idade casadoura. Para sua tristeza, seu presumível pai, o rei Fernando I, faleceu em 27 de julho de 1927, antes de ver sua filha mais nova caminhar até o altar. Ele foi então sucedido por seu primogênito, o rei Carlos II.

Fotografia da jovem princesa Helena da Romênia, digitalmente colorida por Valazarova no DeviantArt.

Não obstante, entre outras atividades exercidas durante a adolescência, Helena foi chefe da ala feminina da Cruz Vermelha e dirigiu a primeira escola de trabalho social no seu país. Essas experiências foram de suma importância para moldar seu caráter, que destoava bastante da arrogância característica de outros membros da realeza europeia, herdeiros de espólios de colônias na África e na Ásia. Apesar de ter se transformado em uma mulher bela, altiva e com atitudes independentes, a rainha Maria e o rei Carlos II arranjaram para a princesa um casamento com um príncipe austríaco. Em 26 de julho de 1931, Helena se unia em matrimônio com o arquiduque Antônio da Áustria, príncipe da Toscana. Estavam presentes na cerimônia tanto a sua mãe, quanto suas duas irmãs. Muito popular entre os romenos por sua beleza e seu trabalho filantrópico, a princesa despertou a inveja de seu irmão, o rei Carlos. O novo soberano passou a suspeitar de muitos membros de sua família, inclusive da própria mãe. Acreditando que a irmã estava disputando a lealdade de seus súditos consigo, o monarca a expulsou da Romênia. O exílio de sua terra natal, porém, não abalou a confiança da arquiduquesa. Com a mesma obstinação característica em muitas mulheres de sua família, Helena fundou um hospital para soldados romenos feridos na Segunda Guerra Mundial dentro do próprio castelo onde sua família vivia, em Sonneburg, nas proximidades de Viena.

A princesa Helena acabaria se mostrando uma esposa tão prolífica quanto sua mãe o fora. De seu casamento com o arquiduque António, nasceram seis crianças. Infelizmente, ela não desfrutou da companhia materna por muito tempo depois de seu casamento. A rainha Maria faleceu em 18 de julho de 1938, um ano antes das bombas da Segunda Guerra Mundial eclodirem na Polônia. Maria de Saxe-Coburgo-Gota (nascida princesa Maria de Edimburgo) pode ser considerada a última rainha consorte da Romênia e foi uma poderosa influência para sua filha. Com a derrota dos nazistas pelas potências aliadas, Helena e António tiveram permissão para retornar à Romênia. Eles se instalaram no castelo de Bran, nos arredores de Brasov. Ali, a princesa Helena fundou outro hospital, erguido em memória de sua mãe. Porém, a situação política do país após o conflito foi marcada por instabilidade. Com a abdicação do sobrinho de Helena, o rei Miguel I, a Romênia foi incorporada à União Soviética. Sendo assim, a família real se viu forçada ao exílio. É possível que Helena tivesse medo de que sua família tivesse o mesmo destino terrível dos Romanov. Na condição de realeza exilada, ela, seu marido e filhos viveram por um breve período na Suíça e depois migraram para a América do Sul, passando um período na Argentina. Por fim, chegaram aos Estados Unidos, que era o maior rival da União Soviética.

Casamento da princesa Helena e do arquiduque António, príncipe da Toscana.

Vivendo numa casa que ela comprara em Newton, no estado de Massachusetts, com seu marido e filhos, a princesa Helena resolveu seguir os passos da mãe e se dedicou à prática da escrita. A falecida rainha Maria havia publicado nada menos do que 30 obras de sua autoria, entre livros de poesias, romances e suas polêmicas Memórias, que receberam um elogio de ninguém menos que Virginia Woolf. Helena foi, portanto, membro da quarta geração de sua família, composta por mulheres escritoras, começando com a rainha Vitória, passando por sua filha, a princesa Helena e sua neta, a rainha Maria. Em Eu Vivo Outra Vez, obra de cunho memorialístico, a princesa da Toscana colocava no papel suas reminiscências acerca de seus últimos anos passados na Romênia, até que a família real fora banida de lá pela União Soviética. Em consequência disso, ela desenvolveu um forte sentimento anticomunista, que era partilhado por muitos membros da realeza destronada da Europa. Em Massachusetts, Helena promovia palestras e encontros nos quais debatia suas ideias desfavoráveis acerca do regime recém-implantado na sua terra natal, em parceria com a Igreja Ortodoxa Romena estabelecida nos Estados Unidos. Em seguida, Helena publicou a obra Hospital do Coração da Rainha, acerca de suas atividades filantrópicas ligadas ao estabelecimento e à organização hospitalar para pessoas em situação de carência e soldados feridos.

Possivelmente, ela acreditava que a América do Norte seria um lugar mais seguro e cheio de oportunidade para si e sua família. Afinal, a vida nos Estados Unidos representava para Helena uma chance de recomeço. Vivendo em uma República onde seu status régio pouco importava, ela se viu livre das convenções e protocolos que a uniram ao arquiduque António décadas antes. Durante a segunda metade do século XX, o divórcio civil já fazia parte do cotidiano da maioria dos casais. Assim, Helena se separou de seu marido e contraiu segundas núpcias com o médico Stefan Nikolas Issarescu. O preconceito contra as mulheres divorciadas, por outro lado, era muito grande. Mesmo assim, Helena assumiu as consequências. Ela acabou se divorciando mais uma vez, optando em seguida por não se casar. Preferiu então tomar o hábito de freira, dedicando-se ao cuidado do próximo. De volta à Europa, Helena entrou para o Mosteiro Ortodoxo da Proteção da Mãe de Deus, em Bussy, na França. Após esse interlúdio europeu, ela cruzou novamente o Oceano Atlântico de volta à América, já atendendo pelo nome de Mãe Alexandra. Tal como sua prima, a princesa Alice de Battenberg, fizera na Grécia, Helena fundou o Mosteiro Ortodoxo da Transfiguração, em Ellwood City, Pennsylvania, do qual era abadessa. Dedicou-se à religião e à filantropia até o fim de seus dias, falecendo aos 80 anos, em janeiro de 1991.

Referências Bibliográficas:

BAIRD, Julia. Vitória, a rainha: a biografia íntima da mulher que comandou um império. Tradução de Denise Bottman. Rio de Janeiro: Objetiva, 2018.

CADBURY, Deborah. Queen Victoria’s Matchmarking: the royal marriages that shaped Europe. New York: Public Affairs, 2017.

CARTER, Miranda. Os três imperadores: três primos, três impérios e o caminho para a Primeira Guerra Mundial. Tradução de Manuel Santos Marques. Alfragide, Portugal: Texto Editores, 2010.

GILL, Gillian. We two: Victoria and Albert: rulers, partners, rivals. New York: Ballantine Books, 2009.

PACKARD, Jerrold M. Victoria’s daughters. New York: St. Martin Press, 1998.

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