Fascinante: canção “perdida” da Idade Média é tocada pela primeira vez em 1000 anos!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

“Se existe um Deus, de onde procede tantos males? Se existe um Deus, de onde vem a bondade?” – disse o filósofo Anício Mânlio Torquato Severino Boécio, mais conhecido como Severino Boécio ou simplesmente Boécio. Ele foi um importante pensador, estadista e teólogo que viveu durante o declínio do Império Romano do Ocidente. Além de ter desempenhado diversas funções em sua vida, Boécio deixou para a posteridade um importante legado: a obra poética “A Filosofia da Consolação”, escrita durante o período em que o filósofo passou na prisão, antes de ser executado por traição. Seu trabalho, porém, foi muito difundido durante a Idade Média e costumava ser lido por nomes importantes, como o rei Alfredo, o Grande, e a rainha Elizabeth I. A partir da obra de Boécio, foram compostas as chamadas “Canções da Consolação”, conjunto musical que incluía trechos da “Filosofia da Consolação”, cantadas em verso. Recentemente, o Dr. Sam Barrett, da Universidade de Oxford, se apropriou desse valioso material, na intenção de recriar as “Canções da Consolação”. O resultado ficou absolutamente fascinante.

Muitas canções em latim eram performadas durante os séculos IX e XIII da Era Cristã. Estas incluíam versos extraídos das obras de pensadores como Horácio e Virgílio, autores tão antigos e clássicos quanto Boécio. Por séculos, as “Canções da Consolação” permaneceram esquecidas da memória coletiva, até que foram “redescobertas” pelo Dr. Sam Barrett. Contudo, o processo de reedição dessas melodias não é tão simples como parece à primeira vista. Há mil anos, a música era composta em contornos melódicos, não em notas, como são feitas hoje em dia. Para se manterem presentes no imaginário popular, elas precisavam conta com a tradição auditiva e a memória dos músicos. Como essas mesmas tradições praticamente desapareceram no século XII, foi bastante difícil recriar a música “perdida” dessa época, especialmente porque suas variações eram desconhecidas. Segundo o Dr. Barret:

Os traços do repertórios das canções perdidas sobrevivem, mas não a memória auditiva que as apoiou. Conhecemos os contornos das melodias e muitos detalhes sobre como foram cantados, mas não os campos precisos que compunham as músicas.

Apesar dessas limitações, o Dr. Barrett foi capaz de recuperar 80% das “Canções da Consolação”. Para tanto, ele contou com a ajuda de  Benjamin Bagby, co-fundador da Sequentia, grupo formado por três artistas especialistas em canções medievais. Graças a esse apoio, Barret e Bagby combinaram seus conhecimentos teóricos e, auxiliados por instrumentos periódicos, recriaram passo a passo os poemas cantados de “A Filosofia da Consolação”.  Nas palavras de Barrett:

Ben tentou várias possibilidades de arranjo para elas. Quando eu o vejo trabalhando com os mesmos recursos que uma pessoa do século XI tinha, é algo realmente sensacional. Às vezes você pensa: “é isso!”. Ele traz o lado humano para o enigma intelectual que eu estava tentando resolver durante anos de contínua frustração.

Embora não esteja claro se Boécio tenha escrito a poesia da Consolação para ser cantada, o filósofo romano gravou e coletou idéias sobre música em outras obras bastante influentes. Houveram outras tentativas de recriação da “Filosofia da Consolação” ao longo dos séculos, especialmente durante o renascimento e o século XIX. Porém, foi o documento descoberto na Biblioteca de Cambridge, que forneceu a chave para poder ressuscitar o trabalho, tal como teria sido ouvido em torno de 1.000 anos atrás.

Fontes: Realm of History e University of Cambridge – Acesso em 26 de outubro de 2017.

 

3 comentários sobre “Fascinante: canção “perdida” da Idade Média é tocada pela primeira vez em 1000 anos!

  1. quanta coisa poderosa e bela ainda perdida ! Que bom que muita gente procura resgatá- las.e presentear-nos com obras do passado.

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