Entre a extravagância e o requinte: as joias de Joséphine de Beauharnais, imperatriz dos Franceses!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Napoleão Bonaparte e sua primeira esposa, Joséphine de Beauharnais, protagonizaram uma das histórias de amor mais conhecidas dos últimos dois séculos. Esse relacionamento se traduziu não apenas no conteúdo apaixonado (e ao mesmo tempo picante) de suas cartas, como também pelos caros presentes que o imperador costumava dar para sua consorte. Uma vez no poder, Napoleão procurou expressar sua força por meio de enormes retratos seus e da imperatriz, nos quais ela geralmente aparece usando adornos pesados e extravagantes. Durante seu governo, as tiaras imcrustradas com diamantes e grandes pedras preciosas, por exemplo, se tornaram um símbolo de opulência intimamente assossiado com a aristocracia. A coleção da soberana era tão vasta, que ela costumava combinar as gemas de acordo com o horário do dia, do ambiente e com a cor dos diferentes vestidos de seu enorme guarda-roupas. Quando faleceu, em 1814, as joias passaram para seus filhos Eugênio e Hortense. Ainda hoje, parte da coleção de Joséphine sobrevive intacta em outras Casas Reais da Europa, cujos tronos são ocupados por seus descendentes.

O amor da imperatriz Joséphine por joias expansivas foi bem retratado pelos artistas do período, como nesta tela de Henri-François Riesener, de 1806. A soberana usa uma parure de pérolas, safiras e uma tiara de ouro.

Nascida em Les Trois-Îlets, na comuna francesa da Martinica, no dia 23 de junho de 1763, Joséphine Beauharnais era filha de Joseph-Gaspard de Tascher de La Pagerie com Rose Claire des Vergers de Sannois. Seu nome verdadeiro, porém, era Marie-Josèphe-Rose. Quando criança, ela desfrutou de uma infância tranquila na Martinica, em meio a plantações de cana. Sorvendo compulsivamente o caldo doce que delas era extraído, acabou com os seus dentes arruinados. Em 1779, aos 16 anos, ela se casou com Alexandre de Beauharnais, um nobre falido com quem teve um casal de filhos, batizados de Eugênio e Hortense. A falta de uma educação adequada e as maneiras camponesas logo transformaram Marie Josèphe em motivo de vergonha para Alexandre nos círculos parisienses. Diante da aversão manifestada pelo marido, a jovem teve que se reinventar, refinar-se e aprender a arte da conversação. Logo, passou a frequentar importantes salões literários, até que veio a Revolução Francesa e com ela a morte de Alexandre. Presa assim como ele, Joséphine tinha razões para temer um destino semelhante ao do cônjuge. A queda do chamado Terror Revolucionário poupou sua vida antes que esta fosse ceifada pela lâmina da guilhotina.

A Intaglio Parure, feita com camafeus entalhados em Ágata, pérolas naturais, ouro e prata.

O casamento com Napoleão, por sua vez, representou uma nova fase na existência daquela mulher. A princípio, é possível que nem mesmo a própria Joséphine imaginasse aonde o desejo do marido pelo poder os levaria. Apesar de tudo, ela não mediu esforços para ajudar a promover sua causa, incluindo-o no círculo de seus amigos nobres e burgueses. Assim, angariou apoio financeiro e militar para as campanhas napoleônicas. Apesar das traições de ambas as partes, Joséphine e Napoleão formavam uma dupla imbatível. O general Bonaparte, por sua vez, adotou os dois filhos do primeiro casamento de Joséphine, fazendo de Hortense rainha consorte da Holanda e de Eugênio vice-rei da Itália. Por seu casamento com a princesa Augusta da Baviera, Eugênio acabaria se tornando duque de Leuchtenberg e príncipe de Eichstätt. Entre suas filhas, se encontram Joséphine, rainha da Suécia e da Noruega, dona Amélia, imperatriz do Brasil e duquesa de Bragança, e Maximiliano, duque de Leuchtenberg.

O colar Leuchtenberg, feito com pérolas naturais que pertenceram à Imperatriz Joséphine.

Uma vez imperatriz consorte dos Franceses, Joséphine assumiu a vanguarda da moda na Europa, ditando tendências que eram consumidas por outras princesas do continente. Basta observarmos seu magnífico retrato de corpo inteiro, finalizado em 1807 por François Gérard, no qual a soberana usa as mesmas vestes de sua coroação. Os adereços chamam a atenção na tela, especialmente pela mistura de requinte e extravagância. O vestido é inteira coberto por uma camada de tule bordado com fios metálicos, em padrões de abelha (o símbolo que Napoleão adotou para seu Império). Uma enome parure composta de tiara, colar, brincos e pulseira salta logo às vistas. Pérolas graúdas, em formato de gota, se intercalam com diamantes e esmeraldas de corte grande. Tudo delicamente semi-coberto pelo manto carmesim, forrado com pele de arminho e bordado no mesmo padrão que o vestido da imperatriz. O resultado final pretendia passar uma imagem de grandeza do novo governo francês e de Joséphine como a primeira-dama da Europa.

Retrato oficial da imperatriz Joséphine, pintado por François Gérard.

Prestemos mais atenção na tiara da imperatriz. Desde a Roma antiga, elas eram um símbolo de poder. Joséphine popularizou novamente esse costume, logo adotado por outras Casas Reais. As peças de joalheiria criadas para a imperatriz incluíam gemas preciosas enormes, algo que foi considerado demasiadamente exagerado nas próximas décadas. Por essa razão, muitas de suas joias foram desmontadas para a confecção de outras peças. Ela também gostava de usar camafeus representando deuses, mitos e imperadores de Roma. Uma das poucas parures da imperatriz que permaneceram intactas por todos esses anos, por exemplo, é a que hoje se encontra em posse da joalheria Chaumet, que no início do século XIX atendia pelo nome de Nitot et Fils. Trata-se de um fabuloso conjunto de malaquitas e pérolas, guardado ainda dentro de seu estojo, composto por uma tiara, um colar, um par de pulseiras, seis alfinetes, um pingente, um broche e até mesmo um cinto de camafeus. Enquanto os camafeus representam cenas mitológicas, o broche contém uma efígie da própria imperatriz. Tudo engasgado em ouro e cravejado com pequenas pérolas.

A magnífica parure de malaquitas.

A joalheria Chaumet, que em 2021 organizou uma exposição de objetos relativos à Napoleão e Joséphine, por ocasião do bicentenário da morte do imperador, possui outras joias da soberana em seu acervo. Destaque para a tiara Wheat Sheaf, confeccionada em 1811 por Marie-Étienne Nitot com 66 quilates de diamantes, cravejados em nove feixes de trigo, um dos símbolos do Império, que representava abundância. Outras joias que merecem igual atenção são um par de brincos de pérolas pendentes em formato de pêra, suspensas por pedras de diamantes, e um impressionante colar de pérolas de duas voltas. Sete pérolas barrocas com diamantes são dispostas em intervalos ao longo do maior dos fios. Conhecido como colar Leuchtenberg, é composto também de ouro e prata e faze parte de uma coleção particular. Já o par de brincos, se encontra atualmente no Museu do Louvre. Outra peça rara é a Intaglio Parure, feita em metais preciosos, Ágata e pérolas naturais.

A tiara Wheat Sheaf e o par de brincos em formato de pêras, pendendo de diamantes.

Com o divórcio da esposa em 1809 e o casamento com a arquiduquesa Maria Luísa da Áustria, a estrela de Napoleão Bonaparte começou seu gradual processo de decadência. Joséphine morreu em 29 de maio de 1814, aos 50 anos, pouco antes da derrocada final de seu ex-marido. Tempos depois, no seu exílio em Santa Helena, Bonaparte confessou seu grande amor pela primeira esposa, chamando-a pelo nome instantes antes de morrer, em 1821. 18 anos depois, por ocasião do casamento do neto de Joséphine, Maximiliano, duque de Leuchtenberg, com a grã-duquesa Maria Nikolaevna Romanova, o título de nobreza da família acabou passando para o Império Russo. Assim, algumas das joias de Joséphine migraram para outro país e lá encontraram novo destino. Um exemplo é a belíssima Tiara de Leuchtenberg, uma das poucas confeccionadas em 1890 na oficina do famoso joalheiro da corte russa, Peter Carl Fabergé. Acredita-se que a peça foi montada a partir de diamantes que pertenceram à Imperatriz Joséphine, entre outras pedras doadas pelo czar Alexandre III. Hoje, a peça faz parte do acervo do Museu de Ciências Naturais, em Houston.

A tiara Leuchtenberg ou tiara Fabergé de diamantes.

Destino diverso teve a Parure de Camafeus, que hoje é usada pelas noivas da família real Sueca. Após a morte de Joséphine, em 1814, a joia (que inclui um conjunto de colar e pulseira seguindo o mesmo design), passou para as mãos de seu filho, Eugênio, duque de Leuchtenberg e marido da princesa Augusta da Baviera. A Tiara, que possui base de ouro com pérolas naturais incrustadas e camafeus que narram a história de Cupido e Pisiquê, foi herdada pela princesa Joséphine de Leuchtenberg, mais tarde rainha consorte da Suécia. Desde então, a joia se encontra em posse da família real sueca e pode ser vista ocasionalmente adornando a fronte da rainha Silvia ou de outras princesas da casa reinante, que costumam usá-la em cerimônias de casamento. Na montagem abaixo, a imperatriz Joséphine (retrato à esquerda) usa uma tiara similar à que foi herdada por sua neta e posteriormente pela rainha Silvia (foto à direita), mas não idêntica. Infelizmente, não existem pinturas da primeira esposa de Napoleão usando a joia opulenta.

A tiara de Camafeus, que hoje pertence à Casa Real da Suécia. Joséphine usa um modelo similar ao da rainha Silvia no retrato pintado à esquerda.

Uma das peças mais controversas da coleção da imperatriz, porém, consiste na tiara que ela teria usado em sua coroação, em 1804. Ao longo dos anos, é possível que a peça tenha passado por modificações, especialmente na segunda metade do século XIX, uma vez que o design das joias da monarca foi considerado extravagante demais para a época. Muitos de seus adornos foram adulterados por joalherias famosas, como a Cartier, a mando de seus proprietários. Porém, não se pode dizer com certeza que se trata da mesma joia pintada por Jacques Louis David. Não obstante, é preciso levar em consideração também que a joia pintada pelo artista em 1810 pode apresentar alguma liberdade artística, uma vez que a cena em que Napoleão Bonaparte coroa sua esposa só foi finalizada 6 anos após o evento. Alguns detalhes, por outro lado, parecem ter permanecido iguais, como a base circular incrustrada de diamantes e alguns padrões de folhas e arabescos, acrescidos posteriormente com flores.

A suposta tiara usada por Joséphine em sua coroação, no ano de 1804. Especialistas disputam se a joia se trata da mesma usada pela princesa Grace, em 1966.

Com efeito, no ano de 1872 a peça foi vendida por um proprietário incógnito para uma aristocrata americana e desta passou para as mãos de Jacques Arpels, durante a Segunda Guerra Mundial. Por um tempo, a joia permaneceu entre os tesouros da Van Cleef & Arpels, quando foi emprestada para uma das maiores personalidades do século XX, a princesa Grace de Mônaco, que a usou em um baile realizado em 27 de maio de 1966. Infelizmente, não se pode provar a autenticidade da joia. Conforme dito anteriormente, algumas peças da coleção da imperatriz acabaram parando nos cofres da família real sueca, graças à herança da neta de Joséphine, que se casou com o rei Óscar I, sendo hoje usadas pela rainha Silvia e suas filhas. Já o paradeiro das outras, porém, se perdeu com o tempo ou foram desmontadas e suas partes utilizadas para a confecção de novas joias. As joias herdadas por Hortense de Beauharnais, por sua vez, foram vendidas para compradores diversos, inclusive os Orléans, que assumiram o trono francês em 1830.

Tiaras de camafeus, que pertenceram à Imperatriz Joséphine. As peças foram leiloadas pela Sotheby’s de Londres.

Rrcentemente, a Sotheby’s de Londres leiloou duas tiaras “altamente raras” que teriam pertencido à imperatriz. Vendidas por um valor de 710.000 euros (aproximadamente 4.559.620,00 de reais, em câmbio atual), as duas tiaras são oriundas do acervo particular de um colecionador britânico e possuem cerca de 200 anos. De acordo com a Sotheby’s, acredita-se que tenham sido dadas a Joséphine por sua cunhada, Caroline Bonaparte, irmã de Napoleão, no início do século XIX. Ambas as peças possuem camafeus representando perfis da cultura clássica greco-romana, datados de 150 anos a.C. Possivelmente, as duas tiaras foram desenhadas para serem usadas em conjunto. A mais ornamentada delas (decorada com pedras de cornalina e ouro esmaltado), foi vendida pela impressionante bagatela de 526.496 euros (aproximadamente 3.379.472,52 de reais, em câmbio atual), enquanto a outra foi arrematada pelo valor de 147.222 euros (944.976,33 de reais, em câmbio atual). Kristian Spofforth, da Sotheby’s, disse que “tesouros” como esse são bastante valiosos e raro.

Retrato da imperatriz Joséphine de Beauharnais, vestida como rainha da Itália. Tela de Andrea Appiani, pintada em 1807.

Joséphine de Beauharnais, imperatriz dos franceses, ficou conhecida em seu tempo de vida como uma das mulheres mais elegantes da Europa. Com uma vasta coleção de joias e um guarda-roupas que não deixava nada devendo ao de Maria Antonieta, dizia-se que ela jamais repetia o mesmo vestido. A primeira esposa de Napoleão I ditou tendências no início do século XIX e até hoje seu nome é sinônimo de luxo e bom gosto. Ao falecer, em 29 de maio de 1814 no seu belíssimo Château de Malmaison, ela deixou para seus dois filhos, Hortense e Eugênio, uma vasta coleção de pedrarias que deixaria qualquer soberana do continente morrendo de inveja. Duas de suas netas, Joséphine e Amélia, se tornaram soberanas. Já seu neto se tornou imperador dos Franceses, com o nome de Napoleão III. Com seu bom gosto e faro para as coisas belas, a moça nascida em Les Trois-Îlets, na comuna francesa da Martinica, mudou o curso da História.

Referências Bibliográficas:

COPE, Rebecca. The love story of Emperor Napoléon and his wife Joséphine is celebrated in new exhibition. 2021 – Acesso em 28 de junho de 2024.

GOODBODY, Josie. Joséphine & Napoléon, an (Extra)ordinary Story. 2021 – Acesso em 28 de junho de 2024.

WILLIAMS, Kate. Josefina: desejo, ambição, Napoleão. Tradução de Luís Santos. São Paulo: LeYa, 2014.

Deixe um comentário