A Rainha Elizabeth II e sua luta de 70 anos para salvar a casa de Windsor – Parte I

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

A rainha Elizabeth II do Reino Unido é um dos rostos mais conhecidos da atualidade. Poucas personalidades do século XX conseguiram atravessar o terceiro milênio sem perder o fascínio e o poder de influenciar outras pessoas como ela. Desde 1952, quando subiu ao trono como soberana reinante após a morte de seu pai, a monarca carrega consigo o peso de uma instituição milenar que aos poucos vai desmoronando sob os auspícios da modernidade. Um mundo de tradições, protocolos e privilégios de nascimento que luta para sobreviver às custas desta senhora. Aos 27 anos, ela foi solenemente coroada na abadia de Westminster. Na época, uma nova era elisabetana foi louvada pelos poetas, embora a realidade do povo inglês fosse bem diferente daquela vivida no século XVI, quando a primeira Elizabeth governava. Seu reinado coincidiu com alguns dos momentos mais agitados da segunda metade do século XX: Guerra Fria, recessão econômica, ascensão do Partido Trabalhista e a chegada de novos membros na família real, que sacudiram a estabilidade do regime que a rainha tanto lutou para preservar. Contudo, para se entender o papel de Elizabeth II atualmente, é preciso antes fazer um retrospecto das razões que possibilitaram a uma garota de 10 anos se tornar herdeira presuntiva daquele que um dia foi o maior império global.

Fotografia da rainha Mary de Teck, a matriarca da dinastia Windsor, colorizada por Neitshade.

Em 1917, a Europa era palco do primeiro conflito bélico em escala mundial, que deixou atrás de si um rastro de mortes e de vidas terrivelmente transformadas. Antigos Regimes deram lugar a Repúblicas Democráticas e as orgulhosas dinastias de reis foram, uma a uma, destronadas. O império alemão foi desfeito, assim como o russo e o austríaco. Apenas a velha Grã-Bretanha permanecia de pé, vacilando conforme sopravam os ventos da reforma. Um profundo sentimento antigermânico se apoderou dos ingleses nos anos da guerra e nem mesmo a família real, os Saxe-Coburgo-Gotta, permaneceram incólumes. Não eram eles alemães como seu primo, o kaiser? Muitos membros do recém-criado Partido Trabalhista queriam o fim da monarquia. Para sobreviver, a nobreza teve que se anglicizar: nobres com sobrenome alemão adotaram títulos ingleses como Athlone, Mountbatten, Milford Haven e Carisbrook. Para reafirmar seu patriotismo, o rei George V mudou o nome de sua dinastia para Windsor, como o castelo secular que foi o lar de gerações de soberanos ingleses antes dele. Assim, o monarca buscava criar um tipo de regime identificado com a ideia de nacionalismo, algo em que os súditos pudessem enxergar como parte da identidade britânica.

Com efeito, o responsável pelo nome da nova dinastia foi Lorde Stamfordahm, o homem que, segundo George V, o ensinou a ser rei. Oficial destacado na batalha de 1879 contra os Zulu, ele entrou logo em seguida para o serviço da família real. Em 1917, depois de cogitar nomes como Plantageneta, Tudor e Stuart (antigas casas reinantes da Inglaterra), Stamfordham sugeriu ao rei Windsor, uma vez que o castelo era um símbolo autenticamente britânico. Assim nasceu a dinastia que até hoje reina sobre o Reino Unido da Grã-Bretanha e mais 17 países. Antigos protocolos foram revistos, conexões com outras casas reinantes foram varridas para debaixo do tapete e a família real se aproximou mais dos seus súditos. A rainha Mary de Teck, por exemplo, foi considerada a matriarca da nova dinastia. Aliou-se a mulheres trabalhadoras, visitava hospitais e arrecadava fundos para aqueles que ficaram desempregados em decorrência da difícil situação na qual o país estava vivendo. Entre outras mudanças, os príncipes reais tiveram autorização para se casar com súditas da Coroa. Foi graças a essa mudança na lei que o príncipe Albert, mais conhecido na família como Bertie, pôde desposar a filha do conde de Strathmore e Kinghorne, Elizabeth Bowes-Lyon.

A futura rainha-mãe foi responsável por muito do estilo e conduta da casa real a partir do momento em que se casou com o duque de York. Nascida em 1900, era a filha mais nova do conde de Strathmore e viveu o suficiente para presenciar o reinado de 6 monarcas: a rainha Vitória, o rei Eduardo VII, George V, Eduardo VIII, George VI e sua filha, Elizabeth II. Ela pode ser considerada a primeira mulher a se beneficiar das leis de 1917, que permitiam aos membros da realeza se casarem com súditos. Quando jovem, recebeu uma educação mais refinada do que a de sua própria filha, algo que lhe foi bastante útil quando entrou para a família real em 1923. Em termos comparativos, Elizabeth Bowes-Lyon possui algumas semelhanças com a futura princesa de Gales, Lady Diana Spencer: as duas pertenciam a famílias aristocráticas e se casaram com príncipes da Casa Real. Inicialmente isoladas por todo aquele mundo de regimentos e protocolos da realeza, elas usaram seu carisma para se aproximar das pessoas e assim conseguiram ofuscar seus próprios cônjuges no exercício de suas funções. Hitler, por exemplo, considerava a rainha Elizabeth Bowes-Lyon com a mulher mais perigosa da Europa!

Foto digitalmente colorida do rei George VI, por John Gulizia.

Visto como um aluno mediano pelo Real Colégio Naval, o príncipe Bertie tinha problemas de infância como a gagueira[1] e uma má formação nas pernas, corrigida pelo uso de aparelhos. Mais tranquilo do que seu irmão David, o príncipe de Gales, Bertie sempre foi o queridinho de seu pai, que o considerava “mais fácil de se lidar”. Ele chegou a propor casamento a Elizabeth em duas ocasiões, tendo sido rejeitado na primeira delas. Apenas em 1923 a jovem aceitou o pedido e se tornou a nova duquesa de York. A primeira filha do casal, a princesa Elizabeth Alexandra Mary, nasceu de uma cesariana em 1926, no dia 21 de abril, em Mayfair, n° 17 da Burton Street. O contexto da época era marcado por grave crise econômica e greves trabalhistas. Primeira neta de seus avós, Elizabeth (apelidada pela família de Lilibeth) se referia a George V como “vovô Inglaterra” e com ele aprendeu a esconder do público as suas emoções. Ela era a terceira na linha de sucessão, vindo logo atrás de seu tio e de seu pai. Quatro anos depois, nasceu a princesa Margaret Rose. As duas meninas faziam a alegria dos familiares, incluindo o príncipe de Gales, que adorava brincar e correr atrás delas na casa de seus pais.

Infelizmente, o relacionamento do rei com seu herdeiro nunca foi dos melhores. Em uma ocasião, George V chegou a expressar o desejo de que David nunca se casasse, para que a Coroa passasse diretamente para a cabeça de Bertie e desta para da pequena Lilibeth. Em seu tempo de vida, o príncipe de Gales gozava de um status de celebridade semelhante ao que o mundo observou nas décadas de 1980 e 1990, com a princesa Diana. Era adorado pelas multidões, se envolvia em escândalos extraconjugais e fazia duras críticas à instituição da qual era membro sênior. Seu comportamento ia contra os valores que seu pai mais prezava: convenção, família e dever. Após a morte do soberano, em 1936, David subiu ao trono como rei Edward VIII. Uma figura feminina elegante podia ser vista constantemente ao seu lado: Wallis Simpson, socialite americana já divorciada de um marido e em processo de separação do segundo. Para as leis da Igreja Anglicana, da qual Edward passou a ser o chefe supremo, o casamento com uma mulher divorciada era proibido. A menos que ele renunciasse ao trono, Wallis jamais poderia ser sua esposa. Assim, contra todos os prognósticos, o monarca abdicou no final de 1936, apenas 11 meses depois de se tornar soberano do Reino Unido e Imperador da Índia.

A crise da abdicação de Edward VIII foi um dos momentos mais calamitosos para a estabilidade da “monarquia de bem-estar”, criada por George V. Nesse conceito, é o soberano quem supostamente serve ao povo e não o contrário. Não podemos falar do reinado de Elizabeth II sem considerar o exemplo negativo que o tio David deixou para a instituição. A abdicação de 1936 mudou sua vida para sempre e foi o baluarte que conduziu a política da Casa Real a partir de então. Assim sendo, para compreender o caráter da atual rainha, temos que observar o procedimento de seus antepassados. De acordo com Marion Crawford, governanta de Elizabeth e Margaret entre os anos de 1933 e 1949, as duas tiveram uma infância feliz e segura entre as paredes medievais do castelo de Windsor, apartadas da vida comum. Até a abdicação de Edward VIII, o duque de York e sua família (“nós quatro”, como ele se referia a si, à esposa e às filhas) viviam no Royal Lodge, onde elas cresciam sob os auspícios do avô e da avó. Desde menina, Elizabeth sempre cumpriu o papel que se esperava dela e recebeu uma educação pautada pelo dever. Quando soube que seu pai era o novo rei, a princesa de 10 anos lhe fez uma reverência. Emocionado, o monarca se agachou à altura da criança e a beijou ternamente.

A rainha Elizabeth Bowes-Lyon e suas filhas, as princesas Elizabeth e Margaret,

Como presuntiva herdeira do trono, Elizabeth precisava ser preparada para o papel que viria assumir após a morte do pai. Sua avó, a rainha-viúva Mary de Teck, a introduziu pessoalmente nos deveres e no comportamento da realeza. Educada em casa, a jovem aprendeu Francês, Dança, Desenho, Equitação, Matemática e História. Aos 13 anos, teve aulas pessoais com o diretor dos Arquivos Reais e em seguida foi enviada para o Colégio Eton, onde recebeu lições de História Constitucional com o vice-diretor, Henry Marten. Já com o pai, Elizabeth acompanhava constantemente o trabalho de um soberano, estando ao seu lado no escritório quando ele recebia a papelada do Estado. Dizem que a jovem princesa achou a cerimônia de coroação, ocorrida em 12 de maio de 1937, bastante “enfadonha”, pois a seu ver “só tinha orações”. Dois anos depois, estourou na Europa a Segunda Guerra Mundial e as duas meninas foram enviadas para a segurança do castelo de Windsor, enquanto seus pais trabalhavam ao lado do governo para tranquilizar a população. O palácio de Buckingham chegou a ser bombardeado nove vezes por forças alemãs e em uma delas os monarcas quase foram atingidos. Caso George VI fosse morto, havia um plano nazista para reinstalar no poder o monarca deposto, Edward VIII, como uma espécie de rei fantoche.

Os anos do conflito tiveram um forte impacto na formação do caráter da herdeira do trono. Ela se transformou em uma jovem séria e com um profundo sentimento de responsabilidade. Com efeito, foi em 1939 que Elizabeth teve a oportunidade de se encontrar mais uma vez com o príncipe Philip da Grécia e da Dinamarca. Os dois já tinham se visto dois anos antes, por ocasião da cerimônia de coroação de George VI. Agora, ela era uma garota de 13 anos, enquanto ele era um rapaz de 18. A perspectiva de uma união entre os dois não era vista com bons olhos pela família real. Afinal, o príncipe Philip provinha de uma linhagem destronada. Seu pai, o príncipe Andrew, foi responsabilizado pela derrota grega na guerra contra a Turquia. Depois do exílio, o jovem passou a depender da caridade de seus parentes, como sua avó, a princesa Victoria de Hesse, e seus tios Mountbatten e Milford Haven. Em 1930, sua mãe, a princesa Alice, foi internada em um sanatório na Suíça para tratar de uma suposta histeria, enquanto seu pai se divertia em Mônaco com a amante. Apesar desse quadro desolador, Philip aprendeu a falar grego, francês e inglês e foi um dos primeiros alunos da recém-fundada Gordonstonun, uma escola para garotos administrada pelo judeu Kurt Hahn, na Escócia.

Após a morte de sua irmã Cecília em um trágico acidente de avião, ocorrido no ano de 1937, Philip se alistou na Marinha Real Inglesa. A despeito de sua nacionalidade greco-germânica, ele lutou pelos ingleses contra os alemães, provando assim sua lealdade à família real. Durante esse interlúdio, o rapaz chegou a visitar a princesa Elizabeth no castelo de Windsor e assistiu a uma das pantomimas que ela e Margaret organizavam para distrair um grupo seleto de convidados. Louis de Mountbatten, tio de Philip, encorajava essa aproximação, na expectativa de que o sobrinho pudesse se tornar o futuro consorte da herdeira do trono. Elizabeth, por sua vez, ficou encantada com o porte charmoso daquele oficial alto, loiro e de olhos azuis. Mas o rei ainda não estava satisfeito com a possibilidade de uma união como aquela. Até que o conflito terminasse e a Alemanha fosse derrotada, um casamento real não estava nos planos do monarca. Assim sendo, a herdeira começou a fazer pronunciamentos de rádio para o povo britânico, encorajando-os a serem resilientes. Pouco antes do término do conflito, ela se juntou ao Serviço Territorial Auxiliar e recebeu aulas de mecânica para automóveis.

A princesa Elizabeth durante os anos da Segunda Guerra Mundial.

O Dia da Vitória foi a primeira oportunidade que Elizabeth e sua irmã tiveram para se misturar ao povo em comemoração nas ruas. Com o término da Segunda Guerra Mundial, aquele mundo da antiga aristocracia parecia algo inaceitável para os ingleses. Desemprego, falta de alimentos e uma forte recessão dificultaram bastante a vida da população, enquanto os Windsor viviam protegidos no luxuoso palácio de Buckingham, com lareiras constantemente acesas para os proteger do frio que matava milhões nas ruas. Foi nesse momento que o rei George VI decidiu fazer uma viagem para a África do Sul, afim de garantir a permanência do país na Comunidade de Nações. O momento também era perfeito para lançar oficialmente a jovem herdeira na esfera de suas responsabilidades como futura monarca. Em 21 de abril de 1947, dia de seu aniversário, Elizabeth fez um pronunciamento de rádio para todos os súditos da Coroa: “Declaro diante de todos vocês que toda a minha vida, seja longa ou curta, será dedicada ao seu serviço e ao serviço de nossa grande família imperial, à qual todos pertencemos”. Olhando em retrospecto, o tom de tais palavras soa quase profético. 73 anos depois, ela continua firme no cumprimento da promessa feita quando ainda era uma moça de 21.

Referências Bibliográficas:

HOBSBAWM, Eric J. A era dos extremos: o breve século XX. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

KELLEY, Kitty. Os Windsor: radiografia da família real britânica. Tradução de Lina Marques et. al. Sintra, Portugal: Editorial Inquérito, 1997.

MARR, Andrew. A real Elizabeth: uma visão inteligente e intimista de uma monarca em pleno século 21. Tradução de Elisa Duarte Teixeira. São Paulo: Editora Europa, 2012.

MEYER-STABLEY, Bertrand. Isabel II: a família real no palácio de Buckingham. Tradução de Pedro Bernardo e Ruy Oliveira. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2002.

Notas:

[1] Sua esposa o convenceu a fazer um tratamento com o australiano Lionel para superar esse problema, após um desastroso discurso feito em 1925. Eles procuraram a ajuda de um especialista australiano que vivia em Londres, chamado Lionel Logue. Após o tratamento, George V melhorou consideravelmente.

8 comentários sobre “A Rainha Elizabeth II e sua luta de 70 anos para salvar a casa de Windsor – Parte I

  1. Bem esclarecedor! Excelente! Adoro conhecer a vida de reis e rainhas, acho a de Elizabeth II fascinante, acompanhei The Crown, série maravilhosa!

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