“Foi no mês de dezembro”: especialista em história russa analisa o filme “Anastasia” (1997)

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

“Ursos dançam no ar, coisas de que me lembro, e a canção de alguém, foi no mês de dezembro”. Aposto que você já se pegou cantando essa estrofe de “Once upon a december”, música tema do filme “Anastasia”. Lançado em 1997 pela 20th Century Fox, a produção em desenho animado conta a estória de Anya, uma jovem órfã que sai numa longa jornada em busca de respostas sobre o seu passado. Para tanto, ela vai contar com a ajuda de Dimitri, um charlatão de São Petersburgo que pretendia usar moça num golpe financeiro, até que descobre a verdadeira identidade dela: Anya era ninguém menos que a grã-duquesa Anastásia, única filha do czar Nicolau II que sobreviveu à revolução que pôs termo à vida dos outros membros da sua família. A partir daí, o casal teve que enfrentar os poderes do vilão Rasputin, artífice da tragédia dos Romanov, que não parou de trabalhar em prol da destruição da jovem. Esse enredo já deve ser conhecido por muitos de vocês e graças a ele Anastásia se tornou uma das princesas mais referenciadas na cultura popular, tendo feito parte da infância de várias pessoas ao redor do mundo. Apesar das costumeiras licenças criativas, mais do que normais numa produção voltada ao público infantil, “Anastasia” também foi responsável pela construção da imagem de Rasputin como um homem vil e sem escrúpulos. Sendo assim, a Kristin Hunt do site History Buff, entrevistou a escritora Helen Azar, autora de vários livros sobre a família imperial russa, para desmitificar esse estereótipo.

O filme apresenta um final alternativo para Anastásia, com direito a um romance com um jovem de classe social inferior.

O filme apresenta um final alternativo para Anastásia, com direito a um romance com um jovem de classe social inferior.

“Anastasia” foi lançado numa época em que a possibilidade de sobrevivência da jovem princesa ainda era aceita entre alguns pesquisadores, teoria essa corroborada pelo fato de que os ossos de uma das filhas de Nicolau e Alexandra não haviam sido encontrados juntos com os de sua família. De certa forma, parecia que esse aspecto dava ainda mais credibilidade às várias histórias que surgiram na década de 1920 de uma possível fuga da grã-duquesa, protagonizadas por mulheres que afirmavam serem Anastásia, das quais a mais famosa foi Anna Anderson. O filme da Fox, por sua vez, apresenta um enredo onde a princesa teria conseguido escapar do assalto ao Palácio de Inverno, tendo sofrido um acidente que lhe custou a memória. Ao completar 18 anos, ela viaja para Paris na esperança de conhecer Maria Feodorovna, sua avó, e descobrir seu passado. A trama, contudo, é fictícia do início ao fim, conforme veremos na entrevista concedida por Helen Azaz (que também escreve um blog sobre o assunto) ao History Buff. Além disso, em 2007 os últimos remanescentes humanos dos Romanov foram encontrados numa cova próxima da primeira, comprovando assim que nenhum dos membros da família imperial conseguiu escapar da execução. Apesar disso, graças ao filme, Anastásia renasceu como uma princesa encantada no imaginário popular, contagiando muitas gerações com o enigma da sua vida. Confira agora a análise de Helen acerca desse clássico infantil de 1997.

History Buff (HB): Provavelmente o exagero mais louco em “Anastasia” é Rasputin, que é um vil feiticeiro com um morcego albino ajudante que fala.

Helen Azar: Oh sim, isso é muito exagero. Rasputin nunca alegou ter poderes próprios, ele só estava tentando ajuda-los [os Romanov]. Mas a maioria das pessoas não sabem que Alexey tinha hemofilia, então não entendem por que ele estava sempre lá. 

HB: Você acha que essa caracterização interferiu na percepção pública dele, então?

Helen Azar: Sim e não! Alguns dos rumores sobre ele eram verdadeiros – ele bebia e certamente não era santo. Mas as pessoas realmente o odiavam. Elas simplesmente não entendiam por que os imperiais gostavam tanto dele, por que eles sempre o queriam por perto.

HB: O filme todo gira em torno da ideia de que Anastásia de alguma forma sobreviveu à execução de sua família, e isso é uma teria popular na vida real também, dado todos os impostores.

Helen Azar: A coisa toda ficou fora de controle com Anna Anderson, mas haviam outras – até mesmo outras que afirmavam ser diferentes irmãs. Mas Anastásia se tornou famosa por causa de Anna. Claro, sabemos agora que ela não poderia ter sobrevivido. Se você ler os relatos reais da execução, foi brutal. Teria sido impossível!

Rasputin, o vilão do filme.

Rasputin, o vilão do filme.

HB: Como assim?

Helen Azar: Se você ler os relatos, eles foram levados para baixo do porão da casa onde se encontravam detidos. Haviam 11 deles – a família e os servos. Era um quarto muito pequeno e haviam 11 carrascos, um para cada pessoa. E eles estavam talvez a dois pés de distância, apenas atirando. Então, para se certificar de que estavam mortos, eles subiram e atiraram em cada um à queima-roupa. Originalmente, pensou-se que duas das crianças estavam faltando, mas foi por que tentaram queimar os corpos inicialmente e começaram pelos dois.

HB: O filme possui um flashback dramático dos bolcheviques invadindo o palácio e tomando todo mundo como prisioneiro. Mas isso está muito longe do que realmente aconteceu, certo?

Helen Azar: Sim, não aconteceu daquele jeito. Primeiro prenderam Nicolau. Eles o forçaram a abdicar. Havia uma chance de mover as crianças, mas eles estavam doentes na época e Alexandra não quis ir. Quando Nicolau voltou – ele não estava no palácio – toda a família foi colocada sob prisão domiciliar. Em seguida, eles foram enviados para a Sibéria. Disseram que era para sua própria segurança e talvez fosse. Eles foram movidos pela segunda vez, mas, eventualmente, os bolcheviques tomaram o poder e eles foram executados.

HB: Os flashbacks também mostram a muito decadente vida da corte. Muitos bailes e pompa.

Helen Azar: Logo antes da Revolução, houve a Primeira Guerra Mundial, por isso não havia muio disso no momento. Mas antes, era muito grandioso. A família do czar foi provavelmente a mais rica do mundo.

Uma das cenas mais belas do filme, com Anastásia dançando com o fantasma de seu pai ao som de "Once upon a december".

Uma das cenas mais belas do filme, com Anastásia dançando com o fantasma de seu pai ao som de “Once upon a december”.

HB: Existe alguma cena ou momento no filme especialmente que faz você virar os olhos?

Helen Azar: Eu achei Rasputin engraçado, mas é um desenho animado, por isso precisam ter um personagem do mal. O filme perpetua esse mito da sobrevivência, mas as crianças que gostam irão usualmente olhar dentro da história atual, e isso é ótimo. Eu acho que muitas das crianças que cresceram amando esse filme são, provavelmente, os entusiastas da história russa de agora.

16 comentários sobre ““Foi no mês de dezembro”: especialista em história russa analisa o filme “Anastasia” (1997)

  1. Parabéns pelo texto, é bem interessante! 🙂
    É a primeira vez que visito seu site, e achei o design bem bonito e legal. (Só não gostei desses flocos de neve caindo em volta, realmente atrapalham a leitura e incomodam os olhos. :P)

    Continue com o bom trabalho! \o

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  2. Eu tinha dez anos quando vi esse filme e de longe se tornou o meu favorito, quando comecei a ter contato com internet foi uma de minhas primeiras pesquisas, lembro que fiquei abalado rs, hoje por algum motivo lembrei do filme e encontrei esse blog.

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  3. “Eu acho que muitas das crianças que cresceram amando esse filme são, provavelmente, os entusiastas da história russa de agora.” certissima! Amo esse filme e através dele comecei a me interessar pela familia Romanov. Amei sei blog e as materias sobre os imperiais russos estao ótima!

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  4. Ela tem razão quando diz que o filme criou a curiosidade de algumas pessoas. Por caisa dele eu, depois de adulta, comprei livros para entender a história real e achei essa versão verídica obviamente muito mais trágica, mas com certos aspectos tão bonitos e encantadores quanto o do filme…

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  5. Não sei o que me deu pra pesquisar isso.. Muito triste a história.

    Canto as músicas do filme para o meu filho rs Anastácia é uma das minhas animações preferidas.
    Adorei o post.. Mas, li alguns comentários e não poderia deixar de falar sobre os flocos de neve caindo pela tela.. Poxa.. Queria ter visto e pesquisado isso em dezembro rs
    Como estamos no Outono, que tal deixar folhas de árvores caírem? (Só uma ideia) 🤗
    Eu gosto dessas coisas.. Deixa tudo mais charmoso 😊🍁🍃😘

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  6. Eu fui uma das pessoas que foi atrás de saber mais sobre os Romanov graças ao desenho. Eu tinha uns 12 anos quando foi lançado e fiquei obcecada por saber se Anastasia tinha sobrevivido ou não. E muitos anos depois, quando estava na faculdade de História (curso que não terminei) encontrei e comprei uma revista de História que contava, justamente, a verdadeira história de Anna Anderson. Aliás, achei muito divertida a maneira como o desenho representou as impostoras que se passaram por Anastasia.

    Uma coisa que eu achei estranho quando descobri e que a entrevista não mencionou, é que no desenho há um erro (creio que proposital) de 10 anos na idade de Anastasia. Ela já tinha 18 anos na época da Revolução, mas o desenho a mostrou como uma criança de 8 anos.

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  7. Ah, mais um detalhe: a cena do flashback dela no castelo, imaginando um baile quando canta “foi no mês de dezembro” é uma das mais LINDAS que já vi em uma animação. Na época o filme saiu em VHS e eu ficava rebobinando a fita para rever essa cena. Não me conformava que esse desenho pudesse não ser da Disney (pois sempre fui super fã das Princesas Disney).

    Aliás, há pouco tempo comprei o DVD. Mas o DVD não tem o clipe da Thalia (que é lindo também e vinha no final do VHS). No DVD há outro clipe de outra cantora. Então eu passei o meu antigo VHS para DVD, para poder guardar uma cópia do clipe da Thalia.

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  8. Helen Azar e George Hawkins não merecem a minha confiança.
    Para mim eles omitiram deliberadamente dos Diários e livros que publicaram todas as passagens que não gostavam.
    Já constatei que as traduções deles entram em contradição com outros historiadores.

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