O homem por trás do monarca: entrevista exclusiva com o Paulo Rezzutti, biógrafo de D. Pedro I

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

D. Pedro I é um dos personagens mais controversos da história do Brasil. Herói para alguns, anti-herói para outros, ele sempre será objeto de debates entre o círculo de pesquisadores e entusiastas da fase do primeiro reinado (1822-1831). Vários livros já foram publicados tendo como protagonista o nosso primeiro imperador, como a biografia em três volumes, escrita por Octávio Tarquínio de Souza. Contudo, para se ter um real entendimento do homem por trás do monarca, é preciso olhar mais atentamente para a sua vida íntima, para então desconstruir os estereótipos que ainda rondam a figura de Pedro I, mesmo 181 anos após sua morte. Poucos escritores conseguiram chegar tão perto desse feito como Paulo Rezzutti, autor da mais recente biografia do soberano: “D. Pedro: a história não contada”, publicada neste ano pela editora Leya.

Novo livro do Paulo Rezzutti,

Novo livro do Paulo Rezzutti, “D. Pedro: a história não contada”, publicado este ano pela editora Leya.

Autor de outros livros sobre a história do primeiro reinado, como “Titília e o Demonão: cartas inéditas de D. Pedro I à Marquesa de Santos” (2011) e “Domitila: a verdadeira história da Marquesa de Santos” (2013), além de colaborador de diversos periódicos sobre história, Rezzutti pesquisou a fundo a vida do primeiro imperador do Brasil, através das cartas pessoais do monarca, correspondência de amigos, despachos de diplomatas e crônicas, para apresentar ao público um Pedro totalmente diferente daquele que acreditávamos conhecer. Não é a figura do soberano, chefe de Estado, que salta com força das páginas do livro, mas sim a de Pedro de Alcântara, homem devotado aos filhos e repleto de sentimentos.

Destarte, tivemos a oportunidade de conversar por e-mail com o Paulo Rezzutti sobre a biografia “D. Pedro: a história não contada” (2015), para saber um pouco mais sobre o processo de pesquisa para o livro e as conclusões deste autor acerca dessa personalidade célebre da nossa história. O resultado dessa entrevista você confere logo abaixo:

Renato Drummond (R.D.) – Já faz dois anos desde que lhe entrevistei pela última vez (clique aqui), por ocasião do lançamento de “Domitila: a verdadeira história da marquesa de Santos” (2013). Numa de suas respostas às minhas perguntas, você revelou que pretendia biografar o D. Pedro I. Poderia nos contar de forma resumida como foi o processo de pesquisa e escrita para o novo livro?

Paulo Rezzutti (P. R.) – Foi quase que uma conclusão lógica do processo dos livros anteriores. Quando encontrei as cartas do D. Pedro para a Domitila, e escrevi o “Titília e o Demonão”, e depois, posteriormente, na biografia da Domitila, encontrei e selecionei muito material sobre o D. Pedro que não havia sido possível inserir nos demais livros. Isso acabou por levar-me ao projeto da biografia só sobre ele. Como muitas pessoas já haviam escrito sobre o D. Pedro, eu foquei na vida pessoal dele e me ative mais ao ser humano que ao estadista, etc, e acabei achando diversas facetas dele desconhecidas, como a questão dele com os filhos, ou mesmo a construção da imagem dele que começou a ser produzida no Brasil ainda com ele vivo, logo após a abdicação.

R. D. – Este já é o terceiro livro que você publica, contextualizado na época do primeiro reinado (1822-1831). Como surgiu seu fascínio por esse período específico da história do Brasil?

P. R. – Surgiu por meio da Marquesa de Santos. Quando eu estava escrevendo um outro livro (esse de ficção e que eu não terminei até agora), eu acabei me deparando com a figura da Domitila em São Paulo, que era o oposto de tudo o que eu tinha lido, ouvido ou assistido a respeito dela até então. Por conta dela é que acabei por achar as cartas entre eles e acabei mergulhando nesse período que, por mais que eu estude, vejo o quanto ainda falta para se aprender e destrinchar. Existe ainda tanto para dizer sobre o processo da independência, a respeito das forças políticas nos bastidores da independência, na consolidação do Brasil como estado soberano. Eu acho que é um dos períodos da construção de nosso estado nacional mais rico. Acho que nunca tanta coisa aconteceu em tão pouco espaço de tempo e tudo acabou por se caminhar de uma maneira positiva. Era uma época em que tudo poderia ter acontecido. Nós poderíamos ter nos fragmentados como o restante da América Latina, ou Portugal ter-nos reconquistado, ou ainda termos virado uma república como os Estados Unidos. É uma época que realmente acabou por me conquistar.

R. D. – As pessoas geralmente têm de D. Pedro I uma impressão bastante equivocada, como libertino e agressivo. Por que não podemos afirmar isso?

P. R. – Bom, ele não era santo, sendo indefensável muitas vezes, mas o desmonte do período republicano para justificar a queda da monarquia, querendo provar que a república era um sistema de governo mais moral (como podemos ver pelo nosso Congresso…) acabou por deturpar e caricaturar muito a monarquia e seus personagens. D. João VI então, é, ao meu ver, o mais injustiçado. Ele amava realmente o Brasil, não queria sair daqui de modo algum, tinha criado o império dos seus sonhos e tirado o Brasil da condição de colônia e ainda escapou de Napoleão. O Corso reconheceu em suas memórias que D. João fora o único monarca europeu que o enganou!!! Quanto ao D. Pedro, esse todo mundo conta as amantes, mas não diz que chorava a morte do filho primogênito e colocava sua morte como sendo um dos sacrifícios que ele, como homem, fizera para a independência do Brasil.

R. D. – Há registros de que D. Pedro I era um bom pai para os seus filhos. Essa faceta do nosso primeiro imperador é quase desconhecida pelo grande público. Poderia nos contar um pouco mais sobre isso?

P. R. – Eu já conhecia algumas cartas dele aos filhos, mas quando tive toda a coleção delas em mãos, fiquei surpreso. Não imaginava o quanto esse homem havia sofrido pela falta deles e o seu desespero para vê-los educados e criados por pessoas boas e corretas, tendo um governo, como o das regências no Brasil, contra ele. Deve ter sido muito triste. Confesso que a carta que ele escreveu para o José Bonifácio, falando a respeito da doença da princesa Paula Mariana e da provável morte da menina, foi uma das que mais me emocionou.

R. D. – Muitos costumam culpar D. Pedro I pelos infortúnios de sua esposa, D. Leopoldina. Qual a sua posição diante desta afirmação?

P. R. – Acho que ambos foram culpados. A Leopoldina, em menor grau, pelas expectativas românticas que nutria, e ele, em maior grau de culpabilidade, por ser um “casca-grossa”, como ele mesmo dizia ser. Ela veio da Europa embalada pelo movimento romântico. D. Leopoldina basicamente nasceu dentro dele, e achou que aqui iria encontrar o seu príncipe encantando, mas o príncipe de encantado não tinha nada! Aliás, até tinha, aos olhos dela e de suas damas ele era bonito, tinha boa figura, e realmente deveria ser fácil se apaixonar por ele. Ele sabia ser galanteador, mas só. Fazia o que queria para obter seu prazer, não se importando com nada nem com ninguém. Meu sonho de consumo seria descobrir que a Leopoldina colocou chifres no D. Pedro, ou o teria traído com o José Bonifácio (risos), mas é só um sonho. Sei que ela sabia bem qual era o seu lugar e, mesmo que tivesse qualquer sentimento por alguém fora do casamento, o abafaria e permaneceria fiel ao Pedro.

R. D. – Domitila de Castro foi uma mulher e tanto para sua época, levando uma vida fora dos padrões sociais então vigentes. De que forma ela mudou a vida do nosso primeiro imperador?

P. R. – Eu acho que ele sim mudou a vida dela, não o contrário. O “banho de loja” que a Domitila tomou ao se mudar para a corte e ter tudo o que desejasse em mãos, os melhores tecidos, as melhores modistas, acesso ao teatro, concertos, óperas, saraus, etc, vai refletir na vida social paulista após o seu retorno à cidade.

R. D. – Uma das suas descobertas mais interessantes para este livro foi a localização do túmulo da última filha de D. Pedro I e Domitila, Maria Isabel, condessa de Iguaçu. Qual foi sua reação ao saber que ela estava sepultada bem ao lado de sua mãe, no Cemitério da Consolação (São Paulo-Sp)?

P. R. – Bom, como sempre eu rodo o mundo e descubro que o que eu procurava estava de baixo do meu nariz. Foi realmente uma surpresa, afinal não esperava nunca que ela estivesse na Consolação. Diversos autores diziam que ela havia sido enterrada no cemitério São João Batista no Rio de Janeiro, outros que estaria em Minas Gerais, enfim, no final ninguém sabia e só chutava. Mas agora ao menos se tem provas de onde ela foi enterrada.

R. D. – A historiografia costuma construir a imagem de D. Pedro II como a de alguém totalmente diferente de seu pai, especialmente no que se refere à vida amorosa. Pode comentar um pouco sobre isso?

P. R. – Ele era mais discreto, muito mais discreto que o pai, porém teve várias amantes e, segundo uma pesquisa minha em andamento, provavelmente filhos fora do casamento. O marido de uma de suas amantes era homossexual e nunca teria consumado o casamento, mesmo assim a esposa, amante de Pedro II, teve quatro filhos… ou ela tinha vários outros amantes e d. Pedro II seria apenas um, ou ele seria o pai das crianças.

R. D. – D. Pedro I é um dos personagens mais biografados da nossa história. De que forma seu novo livro se difere de outros publicados anteriormente?

P. R. – Ninguém esteve preocupado até agora em tirar um raio-x de como era a vida dele em família, principalmente a parte da família que partiu de volta para Portugal, em 1821. A independência do Brasil, apesar de tê-los distanciados de alguma maneira, não rompeu os laços sanguíneos e na subida de d. Pedro ao trono português, vemos que a família dele também foi, em parte, seu esteio. Apesar de dividida, com D. Carlota de um lado junto com D. Miguel e algumas irmãs, as demais se colocaram ao lado de D. Pedro e até chegaram a ser presas com a chegada de D. Miguel ao poder. Se colocada em série, a história dessa família real faria “The Tudors” corar de vergonha!

R. D. – Como os resultados da exumação de D. Pedro I, realizada em 2012 pela historiadora e arqueóloga Valdirene Ambiel (e equipe), lhe ajudou em sua pesquisa?

P. R. – A exumação mais comprovou do que revelou, como, por exemplo, que efetivamente o corpo que lá estava era do D. Pedro. Se comprovou que ele havia sido enterrado como militar português, fato narrado em documentos da época, e se comprovou também muito do que a autópsia do médico dele mostrou na época. Também sabemos, graças ao trabalho da Valdirene, a altura que ele teria e alguns detalhes anatômicos. E também devemos a ela o fato do corpo não ter efetivamente virado pó devido a “n” questões.

R. D – Você esteve presente na descoberta e abertura do caixão de D. Amélia de Leuchtenberg, segunda esposa de D. Pedro I. Poderia nos contar um pouco sobre sua participação nesse caso?

P. R – Eu fui o responsável técnico pela retirada do corpo de D. Amélia. Devido a insistência da Valdirene, o corpo foi descoberto pela própria, que me pediu auxílio, uma vez que sou formado em arquitetura, para a retirada do esquife do local, pois ele estava em uma posição muito difícil para ser tirado da parede.

R. D. – D. Pedro I deixou uma série de legados para o Brasil. Qual deles (ou quais) você considera o mais importante, para além da emancipação política do país?

P. R. – O fato dele ter feito o possível e o impossível para manter o Brasil territorialmente unido. A nossa biodiversidade é uma de nossas maiores riquezas! Se ele não tivesse, desde o começo, mantido o pé firme e decidido manter o país unido durante o processo da independência, poderíamos ser muito mais dependentes de importações de bens básicos do que somos hoje.

R. D. – D. Pedro I também já foi elevado à categoria de herói nacional. Você concorda com essa definição? 

P. R. – Essa questão é muito espinhosa, talvez um dos fundadores da pátria, sim, eu não concordo muito com o termo em si.

R. D. – Depois desse livro, você tem mais algum projeto de biografia para o futuro?

P. R. – Talvez algo sobre a Leopoldina para 2017, mas não bem uma biografia, talvez algo mais no sentido do “Titília e o Demonão”, com algumas cartas inéditas de uma de suas damas de companhia. Mas ainda é um projeto apenas.

Créditos da imagem de capa: Hélvio Romero

3 comentários sobre “O homem por trás do monarca: entrevista exclusiva com o Paulo Rezzutti, biógrafo de D. Pedro I

  1. Ótima, entrevista. De fato, houve certa injustiça sobre a figura de Pedro I que os estudos da equipe da professora Valdirene desmistificaram em parte, principalmente em relação às circunstâncias da morte da Imperatriz Leopoldina. Em que pese o fato de que ser homossexual não ser sinônimo de esterilidade, como faz indicar o pesquisador, seria interessante uma nova biografia de Pedro II em virtude dessas recentes descobertas históricas. E ainda sobre a Imperatriz Leopoldina, seria muito esclarecedor dar-se acesso a estas cartas para mostrar um pouco a visão e sentimentos dela sobre tais relações extraconjugais de Pedro I. Enfim, parabéns pela entrevista.

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    • Ele não disse que ser homossexual era sinônimo de esterilidade, apenas falou que era provável os filhos não serem do marido homossexual por ele provavelmente não ter vida sexual com a esposa pelo casamento ser apenas de fachada.

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