Como arruinar uma rainha: a propaganda pornográfica usada contra Maria Antonieta

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Maria Antonieta de Habsburgo-Lorena continua sendo alvo de muita fofoca entre os círculos de amantes da história. O motivo para tanto falatório é mais do que óbvio: nenhuma outra rainha do passado teve seu nome ligado a mais escândalos do que a esposa de Luís XVI. Num esforço ainda maior para denegrir a imagem da soberana, muitos a responsabilizaram como a maior responsável pelas misérias da França, atribuindo à mesma frases como “se não tem pão, que comam brioches”, ou coisas do tipo. Sua vida sexual, inclusive, constituiu-se no tema preferido para os detratores da monarquia. Até hoje, são comuns os rumores dos casos extra-conjugais de Antonieta envolvendo o conde sueco Axel de Fersen, assim como com outros nobres da corte. Não satisfeita, a imprensa pornográfica do final do século XVIII fez questão de retratar a rainha da França como a protagonista de uma série de orgias ocorridas no palácio de Versalhes, onde ela não apenas dormia com cavalariços, como também com suas amigas: a duquesa de Polignac e a princesa de Lamballe. As fotos que se seguem nessa matéria são digitalizações de alguns dos panfletos pornográficos que circulavam em Paris e na Europa durante o período pré-revolucionário, nos quais a sexualidade de Maria Antonieta era alvo de escrutínio popular e riso.

Panfleto pornográfico retratando a rainha da França, Maria Antonieta, em um romance lésbico com a sua amiga, a duquesa de Polignac.

Panfleto pornográfico retratando a rainha da França, Maria Antonieta, em um romance lésbico com a sua amiga, a duquesa de Polignac.

As 30 anos de idade, Maria Antonieta foi abandonando aos poucos suas frivolidades da juventude. A maternidade teve um peso significativo nessa mudança. Ela não mais se vestia com roupas extravagantes e abandonou o uso dos poufs, penteados que podiam chegar a mais de 1 metro de altura e que podem ser contemplados em alguns dos retratos da nobreza da época. Entretanto, no ano de 1785, a imagem da soberana caiu ainda mais no desprestígio popular, quando um caso envolvendo o cardeal de Rohan e a compra de um caríssimo colar de diamantes veio à tona. Apesar de inocente, o povo estava mais interessando em usar a história do colar para vilipendiar o nome da soberana, afirmando que ela era amante do cardeal e que estava de fato envolvida na compra da joia. A partir de então, vários panfletos começaram a correr pelas ruas de Paris com títulos como “A vida escandalosa de Maria Antonieta”, que relatavam seus supostos romances extra-conjugais com homens e mulheres, incluindo a condessa de La Motte, verdadeira arquiteta da intriga do colar, que anos mais tarde publicou em Londres uma biografia onde afirmava que a rainha era sua amante e que a submetia a atos sexuais forçados.

Panfleto retrato a rainha num caso extra-conjugal com o cunhado, conde d'Artois.

Panfleto retrato a rainha num caso extra-conjugal com o cunhado, conde d’Artois.

Como consequência dos reinados de Luís XIV e Luís XV, a corte de Versalhes de tornou famosa como um lugar de promiscuidade sexual. Diferentemente de seus antecessores, Luís XVI passava a maior parte do tempo na sua oficina ou na biblioteca, em vez de na companhia de outros nobres. Também não há registro de que tenha tomado uma amante, como fizeram os reis que o precederam. Coube então à sua esposa representar a Coroa nas muitas celebrações organizadas no palácio. A rainha logo se cercou de pessoas jovens e dispensou os cortesãos mais velhos, oriundos das famílias mais aristocráticas da França. Profundamente ressentidos, esse nobres passaram a nutrir um imenso rancor contra a filha da imperatriz Maria Teresa da Áustria e começaram a espalhar rumores sobre a vida sexual da soberana nos círculos de fofoca do Palais Royal do duque de Orleans. A princípio, Maria Antonieta deu pouca atenção a essas fofocas e continuou promovendo bailes e festas, acompanhada dos seus novos amigos. Mal sabia ela que aquelas intrigas fomentadas dentro de sua própria casa seriam a gênese da ruína da sua reputação. Indiferente a tudo e a todos, a esposa de Luís XVI sofreu um grande golpe quando o caso do colar de diamantes veio a público e o cardeal de Rohan foi inocentado.

Panfleto que retrata Maria Antonieta rejeitado o marido, Luís XVI.

Panfleto que retrata Maria Antonieta rejeitado o marido, Luís XVI.

Naquele período, Maria Antonieta queria que sua imagem se identificasse com a de “Mãe da França”. Inspirada em retratos da sagrada família, Madame Vigée Le Brun, retratista da rainha, pintou um quadro de Antonieta rodeada por seus filhos. Enquanto o retrato era finalizado, um espaço para ele foi deixado vago na Galeria Nacional. Antes que a tela fosse exposta, cartazes e panfletos foram afixados no espaço vazio, contendo rótulos como “Madame Déficit”, ou frases como “Eis a cara da fome”. A partir de então, Maria Antonieta se tornou a representação daquele universo decadente e um alvo para calúnias dos mais diversos tipos. É nesse contexto que começa a massiva reprodução de imagens pornográficas, onde a rainha protagonizava cenas de orgias sexuais com muitas outras pessoas. Como um ataque à rainha também constituía numa afronta ao rei, Luís XVI tomou medidas sérias para impedir a impressão desses panfletos em solo francês. Sua atitude, entretanto, só fez enfurecer ainda mais os autores desse tipo de publicação, que passaram a imprimir os libelos na Inglaterra. De lá, os papeis correram pelas cortes de toda a Europa. A propaganda maliciosa da época havia então atingido o seu propósito: arruinar a imagem de Maria Antonieta perante toda a Europa.

Panfleto ponográfico no qual Maria Antonieta protagoniza uma orgia no Palácio de Versalhes.

Panfleto ponográfico no qual Maria Antonieta protagoniza uma orgia no Palácio de Versalhes.

Com efeito, no antigo regime absolutista, a imagem do rei era construída coletivamente pela arte, pela literatura e pela moda de forma a exaltar sua virilidade e masculinidade. Um soberano viril era aquele que tradicionalmente vencia muitas batalhas, duelava em justas e dava testemunho de sua potência sexual, produzindo herdeiro não apenas com sua esposa legítima, como também com suas amantes. Como dito anteriormente, Luís XVI não se interessava por atividades físicas, exceto a caça, e não tomou para si uma favorita. A ausência de uma amante titular, posição anteriormente ocupada por mulher como Madame de Pompadour e Madame Du Barry, deixou assim a rainha exposta a toda sorte de ataques. Alvo do popular, as amantes reais eram ao mesmo tempo um escudo que protegia a figura soberana de ataques como os que Maria Antonieta sofreu. Ridicularizar a sexualidade da esposa do rei era, portanto, uma forma de diminuir a imagem viril do monarca e ao mesmo tempo lançar dúvidas sobre a legitimidade da prole real. Em vida, Maria Antonieta foi comparada a mulheres como Messalina, e satirizada em panfletos onde aparecia montando um pênis gigante ou como uma harpia. Segundo Chantal Thomas: “o mito dos poderes super eróticos de Maria Antonieta – associados com um gênio para o mal desafiando a capacidade humana – se encontrou com a sanção de que o real é surpreendente. Na ausência de qualquer prova de traição política, a rainha foi julgada de acordo com as fantasias pornográficas de toda a nação” (1999, p. 18).

Ilustração criada por ocasião da figa da família real do palácio das Tulheiras em 1791. Maria Antonieta foi responsabilizada pelo plano, conforme se vê nessa charge, onde ela tenta dar um salto mais largo do que suas pernas, deixando o povo ver o que há por baixo da sua saia.

Logo após a restauração da monarquia na França, em 1815, o rei Luís XVIII fez o possível para associar a imagem de Luís XVI e Maria Antonieta com verdadeiros mártires cristãos, encomendando biografia e livros de memórias nos quais o casal eram retratados como vítimas da Revolução. Durante grande parte do século XIX, observou-se um verdadeiro culto à memória da “rainha mártir”, até que as cartas da soberana dirigidas ao conde sueco Axel de Fersen foram descobertas, comprovando assim uma ligação mais íntima entre os dois. Desde então, o interesse na vida privada de Antonieta ganhou força renovada, através dos muitos romances publicados na primeira metade do século XX. Atualmente, a última rainha da França continua a exercer interesses entre o círculo de amantes da história, sejam eles favoráveis à sua pessoa ou não. Muito antes de personalidades como a princesa Diana e Michael Jackson, Maria Antonieta de Habsbugo-Lorena sentiu na pele o impacto negativo do poder da propaganda de cunho malicioso e até hoje sua imagem é deturpada por tais representações. Passam-se os tempos, e ainda hoje vemos muitas mulheres em posição de liderança sendo ridicularizadas quanto à sua sexualidade, tal como a esposa de Luís XVI. Nenhuma outra personagem do passado consegue reunir em torno de si tantos defensores e detratores ao mesmo tempo, exceto, talvez, Ana Bolena. Mas essa já é uma outra hisstória…

Para ver as imagens sem censura, CLIQUE AQUI!

Abaixo, um vídeo da historiadora Luanna Jales, para o canal Leitura ObrigaHistória, sobre a sexualização de Maria Antonieta na caricatura francesa do seculo XVIII:

Referências Bibliográficas:

FRASER, Antonia. Maria Antonieta. Tradução de Maria Beatriz de Medina. 4ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2009.

HASLIP, Joan. Maria Antonieta. Tradução de Eduardo Francisco Alves. – Rio de janeiro: Zahar, 1989.

LEVER, Evelyne. Maria Antonieta: A última rainha da França. Tradução de S. Duarte. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.

THOMAS, Chantal. The wicked queen: the origins of the myth of Marie-Antoinette. New York: Zone Books, 1999.

Atualização de 4 de agosto de 2020

8 comentários sobre “Como arruinar uma rainha: a propaganda pornográfica usada contra Maria Antonieta

  1. Esse artigo evidencia que a Revolução Francesa não foi apenas uma revolução que ocorreu a partir da leitura dos “grandes” clássicos, mas sofreu grande participação da imprensa pornográfica.

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  2. Isso tudo foi produto da inveja de pessoas medíocres, que não conseguiam conceber a grandeza de Maria Antonieta. Ela foi uma das maiores personalidades femininas da História.

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    • O que?, O povo Francês odiava Maria Antonieta, além de não ser Francesa, promovia gastos exorbitantes em uma vida regada e exacerbada de luxo em quanto o povo Francês passava fome, seus gastos foram tão grandes, que contribuíram em grande medida para tornar a França o país com a maior dívida externa de toda a Europa no período revolucionário, foi devido a sua figura tão odiada que tivemos a chamada Revolta do Pão dos camponeses, ser uma figura feminina não lhe dá credibilidade alguma.

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    • Amigo, os gastos de Maria Antonieta na juventude não chegavam a 1/6 das despesas anuais da França. Além disso, seus gastos eram aprovados pelo marido, que com isso esperava desviar a atenção da esposa de assuntos políticos. Isso nos primeiros 6 anos de reinado de Luís XVI, porque na década de 1780, depois da maternidade, Maria Antonieta adotou um estilo de vida mais sóbrio e menos dispendioso, embora a fama de gastadeira tenha ficado gravada no imaginário francês, a ponto de surgir a famosa frase do brioche, que ela não disse. É preciso separar fato de falácia.

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  3. A França queria alguém para odiar e nada melhor do que a austríaca que por vezes desagradou o povo. Assim a Rainha foi vítima de muitos boatos. Verdades ou não, ela sempre foi alvo de muito ódio por ser uma figura importante, por tomar diversas decisões que desagradavam aos nobres e por dar várias brechas para que tais calúnias surgissem.

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  4. Esse comentário é para a moça do vídeo: as figuras mais odiadas do Brasil hoje são Lula e Dilma. Tu estás construindo teu TCC sobre premissas falsas, filha.

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