Devolvendo voz à Imperatriz: resenha de “Teresa Cristina de Bourbon: uma imperatriz napolitana nos trópicos”.

AVELLA, Aniello Angelo. Teresa Cristina de Bourbon: uma imperatriz napolitana nos trópicos 1843-1889. – Rio de Janeiro: EdUERJ, 2014.

O século XIX foi particularmente significante para o Brasil: deixamos de ser colônia de Portugal; passamos em seguida à égide de uma monarquia tropical; e depois fomos abraçados pelo regime republicano, modelo de governo no qual vivemos ainda hoje. Nesse ínterim, muitos acontecimentos marcaram a nossa história, protagonizados por personagens/personalidades que fazem ferver o imaginário popular: D. Pedro I, às margens do riacho Ipiranga com um grito de “independência ou morte” nos lábios; a declaração da maioridade de Pedro II; a princesa Isabel assinando a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888; entre outros. Os anais da história sempre se lembram dos homens e seus grandes feitos, mas muita pouca coisa daqueles que estavam nos bastidores, dando suporte aos protagonistas e ao mesmo tempo exercendo um papel fundamental no conjunto das ações. Assim, quase ninguém sabe que a independência do país já havia sido assinada pela Imperatriz Leopoldina cinco dias antes de seu marido proferir aquela frase imortal, ou que a extinção da escravidão foi mais obra dos abolicionistas e dos próprios escravos, do que da princesa regente. Nesta seara, quem se lembraria da modesta esposa napolitana de D. Pedro II, que veio ao Brasil com a missão de ser a soberana do nascente império? A resposta para essa pergunta pode ser muito desestimulante.

Aniello Angelo Avella (foto de Cláudio Furtado).

Aniello Angelo Avella (foto de Cláudio Furtado).

A historiografia brasileira geralmente se lembra de Teresa Cristina de Bourbon de maneira muito equívoca, cobrindo-a de apelidos como a “imperatriz silenciosa”, taxando-a como uma mulher que não se interessava por assuntos de Estado, e vivendo constantemente à sombra do marido, D. Pedro II. 170 anos depois de sua chegada ao Brasil, nenhuma biografia havia sido escrita sobre ela, embora ela tenha permanecido no país por 45 anos e sido conhecida por seus contemporâneos como “a mãe dos brasileiros”. Alguns escritores, inclusive, chegam mesmo a ser preconceituosos ao descreve-la, definindo-a como uma mulher pouco instruída e devotada unicamente à religião católica. Outros foram além, chamando-a de pouco atraente (para não dizer feia), e possuidora de um “nariz de berinjela”. Quantos impropérios Teresa Cristina já foi alvo e quão mal interpretada a sua figura tem sido ao longo dos anos! Se a grande maioria dos historiadores brasileiros não foi capaz de compreende-la, então só mesmo um pesquisador conterrâneo da imperatriz para resgatar sua imagem do silencio ao qual muitos a relegaram, devolvendo voz a esta personalidade marcante do nosso passado. É esse o caso de Aniello Angelo Avella, que em 2014 publicou pela EdUERJ o livro “Teresa Cristina de Bourbon: uma imperatriz napolitana nos trópicos, 1843-1889”.

Com cerca de 240 páginas, a obra, nas palavras do reitor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Prof. Dr. Ricardo Vieiralves, “preenche uma lacuna historiográfica”, pois coloca em evidência “uma das personagens que mais contribuíram à formação da identidade de nosso país e ao desenvolvimento das relações culturais, sociais e políticas entre o Brasil e a Itália”. Com base numa sólida documentação histórica, tanto em arquivos nacionais quanto em arquivos italianos, Avella faz uma análise que vai muito além da mera narrativa biográfica, sendo, portanto, um verdadeiro ensaio cultural, no melhor estilo de “As Barbas do Imperador” (1998), de Lília Moritz Schwarcz. Aniello encaixa a figura de Teresa Cristina no papel de intermediária dentro desse processo de intercâmbio cultural desenvolvido entre dois países, separados pelo Atlântico. Nesse encontro do velho com o novo mundo, a esposa de D. Pedro II foi protagonista, estimulando as relações ítalo-brasileiras, seja através da imigração ou da importação da ópera de da arte italianas para o país. Não obstante, a figura de Teresa Cristina de Bourbon foi um modelo de retidão que influenciou outras mulheres de seu tempo; sua imagem propalada pelas inúmeras fotografias, onde ela aparece cercada por livros e tendo ao fundo a exuberância da floresta tropical brasileira.

Imperatriz Teresa Cristina, em foto de Insley Pacheco (c. 1876).

Imperatriz Teresa Cristina, em foto de Insley Pacheco (c. 1876).

O estilo de escrita de Aniello Avella, apesar de seguir os rigores da produção acadêmica, é bastante leve e de fácil compreensão pelo grande público de leitores. Na Premissa (ou introdução), o autor explora as elações entre Itália e Brasil com base em algumas figuras de italianos que vieram para cá e ainda hoje são lembrados pelo público (a exemplo de Giuseppe Garibaldi, o “herói de dois mundos”), para em seguida mencionar aqueles que hoje permanecem esquecidos. Nesse segundo grupo ele encaixa Teresa Cristina de Bourbon, cujo nome ainda é relativamente desconhecido nos dois países. Sendo assim, ela defende que essa nova abordagem acerca da figura da imperatriz pretende ser mais do que uma biografia, e sim “um contributo para uma reconsideração do período durante o qual Itália e Brasil construíram as bases das respectivas identidades nacionais, com repercussões que se manifestam ainda hoje” (2014, p. 22). Segundo Aniello, entender as relações que se estabeleceram entre ambas nações após a chegada da esposa de D. Pedro II oferece subsídios não só para compreender o passado imigratório, como também suas projeções para o tempo presente e o futuro. Nesse paradigma, a imagem de Teresa Cristina é alçada a uma posição de relevo até então praticamente inédita na produção historiográfica nacional.

Infelizmente, o livro explora muito pouco acerca da infância da terceira imperatriz, de modo que esse aspecto ainda continua sendo uma das maiores lacunas em sua biografia. Acredito que a explicação para isso se deva à falta de fontes, que são muito mais extensas quanto ao casamento de Teresa Cristina, e quase omissas no que tange a períodos anteriores. Com efeito, é possível dizer que até as bodas com D. Pedro II, a da filha de Francisco I das Duas Sicílias era quase destituída de importância. De repente, ela é escolhida como esposa do imperador do Brasil, e então a coisa muda de sentido. Contudo, como ressalta Avella, é a partir desse ponto que a historiografia para de se importar com a monarca e sua imagem é relegada ao silêncio no qual perdurou por muitas décadas. Não obstante, a maioria dos pesquisadores são categóricos em fazer referência ao suposto choque que Pedro II teria sofrido ao contemplar pela primeira vez sua esposa, uma vez que sua real aparência não correspondia aos retratos que haviam sido enviados para o Brasil por ocasião das negociações do casamento. Contrariando essas interpretações, Avella usa José Murilo de Carvalho como referência para afirmar que a união com Teresa Cristina operou uma mudança de caráter no imperador, tornando-o um homem muito mais seguro, especialmente após a paternidade.

Capa do livro “Teresa Cristina de Bourbon: uma imperatriz napolitana nos trópicos, 1843-1889”.

Capa do livro “Teresa Cristina de Bourbon: uma imperatriz napolitana nos trópicos, 1843-1889”.

Com efeito, as cartas de Teresa Cristina endereçadas ao marido são outro ponto à parte, pois revelam o extremo carinho dela para com ele, ao passo que as respostas de D. Pedro II eram quase sempre polidas, abordando nada além de assuntos triviais. Outra documentação explorada pelo autor são os diários da imperatriz. Ao se debruçar sobre eles, Aniello Angelo Avella traz para o público uma Teresa Cristina muito mais íntima de comunicativa, bem diferente daquela soberana introspectiva com a qual estamos acostumados. É particularmente interessante a análise que Aniello faz sobre essa documentação, pois destaca as impressões da soberana frente aos acontecimentos daquela época, pouco exploradas até então. Além do mais, é bastante curiosa a linguagem que ela usava em seus cadernos pessoais, misturando com frequência o português e o italiano dentro de uma mesma frase. A propósito, a livro traz várias páginas dos diários da imperatriz em fac-símile, assim como retratos das principais personalidades envolvidas em sua vida, espalhadas através das páginas. Talvez seja esse um dos aspectos mais especiais da obra, pois, ao utilizar do recurso das imagens (que por si só já são um texto à parte), o autor alia a narrativa à iconografia, tornando assim a compreensão da mensagem proposta pelo livro muito mais significativa para o leitor.

Outro detalhe que permanece quase desconhecido do caráter de Teresa Cristina é o seu amor pela arqueologia. Nascida numa região que durante a antiguidade fora a antiga Magna Grécia, a imperatriz cresceu tendo um verdadeiro sítio arqueológico como parque de diversões. Durante os anos de sua permanência no Brasil, ela exportou para a Itália várias peças produzidas pelos índios locais e em troca recebia artigos oriundos do império romano. O conjunto dessas peças hoje faz parte da coleção “Teresa Cristina Maria”, conservada pelo Museu Histórico Nacional. Tal característica, entre a demais que foram levantadas por Aniello Angelo Avella no seu livro, nos permite concluir que a esposa de D. Pedro II estava longe de ser uma mulher insignificante. Seu aparente silêncio, por sua vez, jamais deve ser concebido como passividade, já que ela atuou diretamente em prol dos interesses do Brasil. A biografia escrita por Avella é, assim, um esforço bem-sucedido em prol do resgate dessa personalidade que era italiana por nascimento, mas brasileira de coração. É preciso, portanto, estar mais atento à sua figura e também disposto a ouvir a maravilhosa história que sua voz tem a contar.

Renato Drummond Tapioca Neto

Graduado em História – UESC

Mestrando em Memória: Linguagem e Sociedade – UESB

10 comentários sobre “Devolvendo voz à Imperatriz: resenha de “Teresa Cristina de Bourbon: uma imperatriz napolitana nos trópicos”.

  1. Interessante, a Imperatriz sempre teve uma participação apagada, acessória, na curta história imperial do Brasil. Lembro de uma entrevista que um historiador (?) – não me lembro qual – concedeu no programa do Jô afirmando que ela era muito feia , tendo inclusive dito que D. Pedro II tinha chorado quando a viu. Machismo, claro – não se diz tanta barbaridade de D. João VI. Não sei se viu, está em vias de ser publicado o livro “D. Pedro: a história não contada”. Confesso que tenho cá meus receios de gente que se arvora em escrever coisas nunca dantes lidas, mas nele se relata a descoberta do túmulo da última filha de D. Pedro I com a Marquesa de Santos – aliás, personagem também muito curiosa na história. Enfim, bom texto.

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    • Olá. Muito obrigado!
      Se eu não me engano, o Paulo Rezzutti, autor de “Domitila: a verdadeira história da Marquesa de Santos” está por trás da descoberta to túmulo da condessa de Iguaçu. Acredito que também seja ele o autor do livro em questão. Se for, garanto que é um excelente escritor e a pesquisa que ele desenvolve acerca das personalidades do reinado de Pedro I do Brasil é bastante minuciosa. Recomendo tanto a leitura da biografia da Marquesa, quanto o livro “Titília e o Demonão”, que reúne várias cartas do imperador à sua amante.
      Abraços!

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  2. Vou reproduzir uma importante passagem do ótimo livro de Lídia Bessouchet sobre Pedro II. Ao ver passar sua elegante e rica prima, Antónia de Parma, encontraram-se numa cidade praiana da França, na terceira viagem ao exterior, O imperador encantado disse para seu médico Motta Maia ; esta é a imperatriz que sempre sonhei. Já muito velho, tinha viajado para morrer na Europa de tão doente que estava, ainda estava atento ao que era aprazível. Este detalhe é muito eloquente de como ele ainda sentia-se após décadas de casamento. A mesma autora cita que PII, em viagem e sempre que podia, largava a imperatriz em alguma estação de águas minerais e seguia sozinho, para só depois resgatá-la . Eu entendendo que mais do que não amá-la, ele se envergonhava da aparência de sua consorte. Depois que ela faleceu, ele a chamou, significativamente, de “minha santa”, o que também diz muito em duas simples palavras. Neste ponto, o julgamento e percepção de Pedro II sobre sua esposa , merece toda minha consideração, era como ele sentia-se emocionalmente. O mesmo acontece com a atualmente super-estimada imperatriz austríaca, Pedro I “não curtia”, devia ter seus motivos, e ele tinha todo o direito de desgostar dela. Quanto à Independência, ela estava protocolarmente no poder devido à viagem do esposo, era uma mera imperatriz-consorte, nem regente era naquele momento em que ele ainda estava no país e com saúde. Por isto, estava tecnicamente sem maiores poderes. Ele tinha poderes de fazer a Independência, ela sugeriu devido à situação. Seu “decreto” poderia ser invalidado por ele sem qualquer problema ! História é apaixonante ! Eu viajo, como banal engenheiro , tenho esta eficaz válvula de escape ! Escrevo para me comunicar, não é exatamente um comentário que espero que seja publicado.

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  3. Casamentos na realeza eram tratados políticos. Então nada tinham a ver com amor entre os consortes. Realmente, tanto Leopoldina, como Tereza Cristina, desempenharam muito bem seus papéis de Imperatrizes do Brasil, apesar das amantes dos Pedros, seus esposos.

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  4. Moro em Teresopolis, Rj, e sempre que passo pela entrada da cidade digo uma frase para Teresa Cristina pertpetuada em uma linda estátua de bronze sempre com o guarda chuva fechado. Sempre tive uma simpatia pela imperatriz. Vou ler o livro que contém os diarios dela. Obrigada pela publicação!

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  5. Vou comprar este livro, pra ele ter sido tão sensacional , tinha uma mulher incrível! Em tempo ela não era feia! Para ser chamada de ” Mãe dos Bradileiros”, ela ter sido sensacional!

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  6. o silêncio fora com a nossa própria História quiseram nos afastar desse período que tínhamos laços com a Europa e um grande sentimento pelo nosso Império.cleide

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